segunda-feira, 17 de junho de 2013

HOMO SAPIENS HABITUS STATIENS

Egon Schiele
Tudo no mesmo lugar durante anos. Nas prateleiras tudo meticulosamente arrumado. O beijo pontual. O tédio pontual. Os receios guardados em pequenas caixas de cartas antigas da adolescencia. Tudo normal. Tudo igual minuto após minuto, dia após dia, mês após mês durante anos. E a vida corria despreocupada porque tudo estava no seu lugar. Todos habituados estavam a que estivesse habituado. O beijo pontual, o suspiro habitual. As lágrimas estavam guardadas em segredo na pequena caixa dos amores não concluidos. O hábito era mais forte que outra coisa qualquer. Certa vez sentiu o hábito escorregar por si abaixo sem pedir licença. Na cabeça uma tremenda confusão e os receios pulando ruidosamente em surdina das pequenas caixas, onde entre as cartas  haviam bilheste de metro, de avião, de espetáculos e uma prata enxovalhada de uma barra de chocolate amargo.
E o hábito caindo sem pedir licença e o beijo pontual que já não vinha e o tédio transformando-se em reticência. Queria  chocalhar a cabeça para as ideias voltarem ao lugar, os hábitos voltarem ao lugar, mas era tarde demais. Teria de enfrentar o desafio de abraçar a vida despido dos velhos hábitos, do hábito que pela cintura abaixo caía. Das duas uma ou se deixaria ir nesse novo caminho ou então a cabeça ficaria estanque, pois o excesso de pensamento receoso congelaria gradualmente os movimentos, as ações. E desistir de si próprio seria uma perda irremediável.

A piU
Br, 17. 06.2013

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