terça-feira, 13 de maio de 2014

FOCANDO

O  ciclo da interdição- não te aproximes, não toques, não consumas, não tenhas prazer, não fales, não apareças; em última instância não existirás, a não ser na sombra e no segredo. (...) Renuncia a ti mesmo sob pena de seres suprimido; não apreças se não queres desaparecer. Tua existência só será mantida à custa de anulação. (...)
A lógica da censura- supõe-se que essa interdição tome três formas; afirmar que não é permitido, impedir que se diga, negar que exista.

Foucault, Michel, História de sexualidade, a vontade de saber.2013, p.94



FOCOU?

(...) Com respeito ao sexo, o poder jamais estabelece relação que não seja de modo negativo: rejeição, exclusão, recusa, barragem ou ainda, ocultação e mascaramento. O poder não "pode" nada contra o sexo e os prazeres, salvo dizer-lhes não; se produz alguma coisa são ausências e falhas; elide elementos, introduz descontinuidades, separa o que está junto, marca fronteiras. Seus efeitos tomam a forma geral do limite e da lacuna.

Foucault, Michel, História de sexualidade, a vontade de saber.2013, p.93.


sexta-feira, 9 de maio de 2014

POSICIONAMENTOS IDEOLÓGICOS EM CONTEXTOS ESPECÍFICOS OU NO DIA EM QUE O MARXISTA CONCORDOU COM O TROTSKISTA

Trotskista- Vamos fazer a revolução já!!!!!
Marxista- E como? Teremos de ser dialéticos! Teremos de ser dialéticos!
Trotskista- Assaltamos a garrafeira do seu pai e levamos o cartão de crédito do seu avô!
Marxista- Ótimos! Ótimo! Levamos o carro top de gama do seu tutor e nos escondemos na casa da sua tia avó!
Maluco Belezaiii- E se cheirarmos o carro top de gama do seu tutor e fizermos uma baita rave na casa de campo da sua tia avó?!
Marxista e Trotskista- FILHO DO CAPITALISMO!!!! COMPACTUANTE DO SISTEMA E DO NARCOTRÁFICOOOOOO! BURGUÊÊÊÊSSSSSS!
Maluco Belezaiii- Ué! Estava só dando uma ideia!
Marxista e Trotskista- Ideia! Ideia?!?!? Quem a escreveu? Quem a escreveu?!?!?!

Ana Piu
Br, 9.5.2014

quarta-feira, 7 de maio de 2014

SÔTORA ESTAGIÁRIA FLOR DA DÓTORA PÓS DESGRANHADA LORENA

Sôtora Estagiária- Hoje em dia as pessoas estão mais velhas. As novas tecnologias envelhecem as pessoas novas. As novas tecnologias são diferentes das tecnologias antigas As pessoas sempre que passam de nível nos jogos envelhecem mais um pouco.

Dótora Lorena- Como a Sôtora Estagiária não joga muito nas novas tecnologias mantém-se sempre jovem. Não é? E como são as tecnologias antigas, Sôtora estagiária?

Sôtora Estagiária- Por exemplo: Eu sou primogénia dos macacos!

Dótora Lorena- Genial, Sôtora! Genial! Mande cumprimentos ao macaco seu primo, que também será meu segundo as tecnologias que a Sôtora estuda e domina.

piripipeu
Br, 7.5.2014

terça-feira, 6 de maio de 2014

O IDIOMA DAS LARVAS INCENDIADAS

Naqueles anos, depois que mudara a página começara a ler e a falar de trás para a frente, de baixo para cima. Quando colocava a cabeça de lado lia na diagonal. Começou a ler o mundo na diagonal e a interpretá-lo com rodopios em espiral e pequenos momentos de suspensão.  O poeta deixara algumas palavras escovadas ecoando vozes antigas, vozes que não se escreviam, mas que se inscreviam no vento, no curvar daquela montanha que se queria alta e que continuava a escrever o seu crescimento. Naqueles anos, enquanto mudava a página as pernas e os braços cresciam e isso doía um pouco. Por vezes doía muito. Foi então que começou a falar o idioma das larvas incendiadas. Esse idioma umas vezes soava faisquento, porque gutural. Outras vezes era como um cântico que se desejava que não findasse. Nem todos apreciavam o idioma das larvas incendiadas. Mas naqueles anos, depois que mudara a página e o mundo se apresentava rodando cada vez mais rápido e mais lento o idioma das larvas incendiadas insistia em se enraizar.  Depois de incendiadas, as palavras estrelavam no ar como fogos de artificio. Depois ficava o silêncio. No silêncio o idioma das larvas incendiadas ganhava sentido, conteúdo.  Rodopiando no silêncio como faíscas.

pipiripipiu
Brasil, 6.5.2014

texto inspiradão nas "Memórias Inventadas" de Manoel de Barros

ilustração: Inês d'Espiney

segunda-feira, 5 de maio de 2014

A VISIBILIDADE DO INVISIVEL

 Diante do espelho estão reflectidas casas, edificios, pessoas importantes para aqueles que as consideram importantes. No espelho estão reflectidos horas que se tornaram anos, segundos que passaram há séculos, milésimos de segundo que são milenares. Instituições ruidas que tentam fingir dignidade esquecendo-se de qual o seu verdadeiro significado. Diante do espelho reflecte-se todo um mundo com vários mundos de milhares e milhares de olhares, que umas vezes mais limpidos outros mais turvos, coexistem tanto lado a lado como se sobrepondo.

As pernas cruzam-se, os olhos fixam-se num ponto. Focam-se. Os olhos respiram o cruzamento de tudo o que flui e bifurca numa só essência. O espelho que antes parecia estar limpido rapidamente revela-se turvo. Os olhos que respiram olham para dentro. Esse sopro fixo na fluidez de um foco desembacia o espelho. Espelho que leva à essência da visibilidade do detalhe invisível aos olhos que não respiram para que o espelho se torne límpido, transparente. Quem olha de olhos que respiram vê-se diante do espelho, olhando para si. No mundo.

Nos milésimos de segundo das horas milenares a sofisticação da simplicidade mostra-se diante dos olhos que respiram. 

Invisible Laura Williams

A MINHA MÃE É UM BATALHÃO

  1. Em 1964 a Isabel teria uns três anos quando foi encontrada no meio do mato perto de Luanda em Angola. As pessoas da sua aldeia fugiram com a chegada das tropas portuguesas. Durante muito tempo foi a "mascote" daquele batalhão. Tinha sido adotada pelo "inimigo". Mais tarde foi adotada pela família do comandante em Portugal. Inimigo vem entre aspas, porque atrás dos conflitos entre Estados, potências e outras indecências estão pessoas. De um lado e outro. Transitando com um coração dentro de si. Umas vezes mais mole outras mais duro. Conheci a Isabel talvez nos anos 90 em Lisboa, nas andanças do teatro. Mais tarde, em 2009, conheci casualmente a sua história no exato momento em que precisava de fazer um trabalho sobre parentesco. Quando conversamos, das primeiras coisas que a Isabel disse foi:"Tive várias mães. No batalhão,eu era a filha de todos." Perguntei se tinha curiosidade de voltar a Angola e conhecer a sua familia biológica. Respondeu que não. Moral da história: a Isabel foi protagonista de uma história de amor em tempos de guerra. Guerra essa, como todas as guerras, cheia de lavagens cerebrais. Convicções de punho batendo no peito defendendo o Império vão:"Angola é nossa! Angola é nossa!"
    Não, Angola não é nossa! Nada é nosso. Se alguma coisa que é nossa e podemos dar e receber é Amor, Cuidado, Proteção e Paz.

    Porque me lembrei desta história? Porque hoje é dia das mães do outro lado do oceano e próximo domingo é cá. Logo, lembrei-me de prestar homenagem aos homens e mulheres que não se esquecem de serem seres viventes e qualquer um tem o tal instinto maternal, mesmo em tempo de guerra e outras adversidades.

    Ana Piu
    Brasil, 4.5.2014

    foto: imagem de arquivo do Centro de Documentação 25 de Abril, não consta que a criança seja a Isabel. Mas talvez seja. Quem sabe?