quarta-feira, 11 de julho de 2012

O que se pensa e o que se diz

 Nós somos os lugares por onde passamos e os lugares também são aquilo que são por que nós por lá passamos.

Carla, essa mulher

- Tens que fazer umas madeixas, tapar essas brancas. E o buço? Não tens muito, mas tens um pelinho ou outro. Tens de te arranjar. Tratar das mãos. Faço-te um preço especial por cada unha de gel e ofereço-te a pintura. Faço umas flores tão giras!, dizia Goreti a Carla diante de José Maria, seu recente namorado.”
- A Goreti tem razão. Ias ficar bem gira. E como já não és assim tão jovem!...

Carla conhecera José Maria num jantar de empresa. José Maria era divorciado há 14 anos, mas ainda dividia a casa com a mulher. Por causa dos filhos, afirmava. Apesar de charmoso a barriguinha estava lá. Longas horas sentado à secretária ou reuniões, muito amigo das almoçaradas mesmo em horário de expediente. E o doce à casa não dispensava, já que as amarguras sentimentais tinham de ser camufladas. E para finalizar um belo dum digestivo. Assim como assim era estritamente necessário digerir as dívidas que tinha à perna. O carro. As férias do verão passado. O curso do mais velho. As contas, já que a ex mulher não trabalhava.

-Mas este pessoal tá maluco! pensou a Carla, eu gosto dos meus cabelos brancos. Gosto. Tem charme. O charme que a vida nos dá. Não? E se tenho buço a Frida Kahlo também tinha e era cá um mulheraço. Mas eu tenho lá vida para andar com umas unhas que parecem umas chicletes ambulantes?
-Carla. És uma mulher intensa, disse José Maria. E também te queria dizer que a minha mulher descobriu o nosso caso.
- A tua mulher? Mas tu não és divorciado?
- E também te queria dizer que me voltei a encontrar com uma antiga colega de escola.
- Bom, sendo assim agradeço a tua honestidade. Que sejas feliz. Sinceramente. Olha! Dás-me o contacto daquela escola de asa delta?
-não vais cometer um loucura!
- Loucura? Eu? Nããã. Quero só sentir adrenalina que me dê vitalidade para observar de cima a loucura cá debaixo.

Histórias light para tardes de Verão. Já nas bancas e postos de serviço de auto estrada.

A piU
Lx, 10 de Julho de 2012


Um longo caminho a percorrer

When you are in your own way never say: I want to stop! I can’t anymore. (…) To live to close to myself.(…) Sometimes it’s a long way to be close to myself, but when I meet other people who want, also, the dream can be a reality.
(A Piu, apontamentos de ensaio. Setembro de 2011)

            Ora deixa cá ver notícias boas do meu país! Tralálá… hmmm Ora aqui está! Pois bem! A revista “Ípsilon”. Olha. Olha o festival de cinema de Vila do Conde. Já vi coisas muitos boas por lá há uns anitos atrás. Pena foi que quando voltei tinham-me gamado a minha velha mota, que para pô-la a trabalhar era preciso comer um bife (de tofu(!!) caros amigos vegetarianos!) Era sempre uma festa dar ao quico!... Mas acho que me fez muito bem às articulações da perna direita! Lá ía eu a açapar a 50 km/hora no máximo. Iuuuuu!!.... vrrruuum PUM!...

            Ah falam sobre curtas-metragens. Olha o amigo Sandro!! Sandro Aguilar para o público em geral. Bom, para um público especifico de filmes específicos. Pessoalmente não me sinto à vontade em tecer ilações em torno do trabalho do Sandro. Não me tocam, por isso não sei dizer se é bom ou mau; apesar da minha efémera passagem no cinema tenha sido a participação em duas curtas do Sandro, quando este ainda estava no Conservatório e eu na escola de arte dramática. Mas como espectadora comum, apreciadora de cinema, sinto hermetismo nos seus filmes. Mas não tenho argumentação intelectual para exprimir o meu parecer diante do realizador. Fico intimidada (não estou a ironizar. É a mais pura verdade) Bem, o que diz?

“ Há um trabalho continuado com alguns realizadores, apostas que são feitas e que na maior parte dos casos são consequentes. Não nos interessa produzir episodicamente, temos acompanhado mais ou menos os realizadores”. .Sempre sem uma visão “carreirista” das coisas. Quando produzimos o primeiro filme do João Nicolau, por exemplo, não sabíamos se havia ali uma carreira. Suspeitámos que sim, mas não tínhamos essa perspectiva estratégica.

            E pá! Agora sim estou aqui num processo de identificação “Sempre sem uma visão “carreirista” das coisas”. Será que esta visão que nos é comuns nós herdamos da nossa experiência primeira lá no grupo de teatro orientado pelo Victor, professor de filosofia da Escola Secundária da Parede, quando andávamos no 10º ano?

            Da minha parte essa experiência definiu o meu percurso, longe do carreirismo. Há coisas que nos dizem ou nos alertam em determinados momentos que são marcantes para o resto da vida. Sem determinismo. Espero! O Victor a dada altura diz:” As pessoas vão para o teatro por variadíssimas razões. Umas para se exprimirem, para se encontrarem ou para encontrarem um modo de expressão artístico; outras vão para arranjarem amigos e passarem o tempo, outras para aparecerem e terem muito sucesso e outras haverão que terão as suas razões mais íntimas. O que eu proponho é uma busca, um processo de trabalho. Não estou interessado em apresentar peçinhas”
Além de me ter identificado com a primeira razão de ali estar gostei da proposta de pesquisa. De work in progress.
            Criámos um grupo engraçado dumas oitos pessoas depois dos primeiros entusiasmos das 20 e tal pessoas que vieram ao início. Acabou por ser um grupo tertúlico, se é que se pode chamar assim. Íamos para escola durante as férias para pesquisar o fazer teatral. Encontrávamo-nos aos domingos e e trocávamos ideias e experiências. Confesso que eu ficava muitas vezes calada, pois os livros que eles tinham lido e os filmes que conheciam eu estava a leste, mesmo estando a par de algumas coisas. Depois uma amiga, estudante de música, tocava harpa e aí dava para fechar os olhos ou ficar bastante atenta ao dedilhar das cordas e à inclinação do instrumento. Depois havia o geniozinho do piano. A menina Adriana que além de ser uma exímia pianista escrevia umas coisas surreais que eu achava interessantes E num desses domingos, depois duma queda minha na acelera, fomos para uns escombros fazer uma fotonovela. Bestial! Eu fazia de apaixonada que coquetemente fugia do meu amado (o Sandro) em câmara lenta. Depois encontrámos um pacote vazio de chicletes e a foto seguinte era ele com o dito pacote na mão atrás de mim. A foto final era um beijo de happy end com o pacote em baixo no meio do beijo. As fotos eram tiradas pela Djanira que mais tarde seria a companheira e mãe dos filhos do Sandro.

            Ainda fomos vizinhos em Lisboa. Mas o vai e vêm citadino não nos fez mais próximos nessa época já com filhos.

            Nunca cheguei a ver essa fotonovela no papel, mas trago essas recordações e mais o dedo partido nesse dia que eu teimosamente não assumia que estava num estado lastimoso. Tal era a teimosia e o receio de informar à entidade paternal que tinha caído, que propus irmos ao cinema. Ver o quê? “A divina comédia” do Manoel de Oliveira. Que tormenta divinal!! Nenhuma razão para rir. Eu já não sabia se era do filme se era do dedo. Um suplicio!... Resumindo, abri o jogo e lá fui ao hospital no final dum dia cheio de emoções. Fotonovela seguido dum Manoel de Oliveira no seu melhor.

            E o artigo da Ípsilon continuava: “ (…) Isso é o mais importante: que as curtas consigam ser encaradas como um formato nobre, que permita um nível de experimentação e de afirmação muito rápida do universo do realizador que depois pode ou não derivar em longas-metragens.”

Give me five, man! Enobrecer uma arte ou linguagem considerada menor pelo mainstream e manter um nível de experimentação! Estou contigo nisso e na admiração e respeito por alguém que continua a fazer cinema, arte essa tão pouco incentivada por terras lusas como as outras artes. E o mais importante! A fazer o cinema em que se acredita.
Uma vénia para o senhor Sandro Aguilar!

A piU
Lx, 7 de Julho de 2012


Coragem para pedalar

Pedala pela cidade. Zás! Zás! Calcorreia ruas e ruelas. É Verão. Está um pouco cinzento, mas o verde dos parques dá alento. Berlim é das cidades mais verdes da Europa. Dizem. E ela pedala, pedala, pedala. Passa por paredes grafitadas, por edifícios ultra modernos com lojas sofisticadas. Uma pedalada e está no bairro multicolorido: Kreusberg. Cheira a Turquia, a Itália, a China, a Alemanha, a Índia. Cheira a fanzines. Cheira a mundo. Cheira a sonhos. Cheira a paz. Cheira a paz numa cidade que tantas vezes cheirou a morte, a segregação. Berlim é bela por isso, por essa capacidade de se reinventar.
Mais uma pedalada. Postdam. Outra pedalada. Alexander Platz. Frankfurt Alle. Volvidos alguns anos depois da queda do muro ainda é uma sensação forte pedalar por toda a cidade. Pedala e passa por um Mac Donalds embutido num edifício austero da ex RDA/DDR. Curiosa combinação. Pedala e passa por grandes escritórios todos envidraçados. Vai dar a uma grande praça onde estão uns grandes blocos. Parecem tumbas de diferentes tamanhos. É o memorial das vítimas do Holocausto. Estaciona a bicicleta. Entra. Mesmo tendo “visitado” Auschwitz não deixa de se impressionar. As lágrimas caem. Que a História não se volte a repetir. E se repetir? Como é? A paz não é um dado adquirido. Assim como a liberdade. E se uma mão de ferro se poisar nas nossas costas, primeiro muito ao de leve e depois vai apertando e apertando. E de volta à repressão, à proibição de pensar e agir, à difamação, à conspiração, à aniquilação. De volta a nada que rima com coração e com emoção.

“Que coragem tens em quereres vir para cá com as tuas filhas.”, diz o Jorge. “Que coragem é preciso ter para ficar em Portugal com elas.”, respondo-lhe co um sorriso.
O mundo é redondo e de repente já estamos a escorregar para o outro lado do mundo. Já não é Berlim. Escorregamos para esse lado do mundo que também já viveu momentos obscuros, hoje mais coloridos. Ainda bem. Apesar desse colorido ser pautado com o canto da sereia. A sereia canta:” Visa! Visaaaaa!” Mas só vai no canto da sereia quem não estiver atento, ainda para mais com o exemplo do que está a acontecer lá para sul das Europas. Bom… Nós só ás vezes só vemos e estamos atentos ao que nos convém. Normal(?) Ficamos mais sensíveis quando as coisas passam-nos pela pele? Será?
Que a História não se volte a repetir. E se se repetir? Quem não zarpou que zarpasse. Terá de ser assim? E quem não quer zarpar?

Mais uma pedalada e mais outra e mais outra. E a bicicleta levanta voo por cima dos carros, dos camiões, dos aviões e das constelações. E lá de cima ela deita a língua de fora às petrolíferas que são as principais responsáveis das guerras que daibolizam o pessoal de turbante e a todo o tipo de crise que isso acarreta.

Pedala. Pedala e pedala ainda mais. Pára. Descansa a cabeça. Fecha os olhos.”Não há paraísos, pensa. Mas há lugares que são mais respiráveis, em determinados momentos, que outros. E pergunta-se: será que todos os lugares têm a capacidade de se reinventarem?” Adormece a sorrir abraçada à bicicleta.


A piU
Br, Junho de 2012

Velha rua da Palma

Ele havia, ele haver ainda há, um edifício inicio do século (XX…) na velha rua da Palma ao Intendente (ou à Mouraria? Ai os bairrismos!!), mesmo junto à linha do elétrico. Do tram way for the castle. Do tram way that you can visit o casco histórico da Lisbonne, Liasabomnne, Lisbon, Lisboa very very typical. Além da beleza das ruas e de sua arquitectura heterogénea com a sua luz peculiar devido ao sol que se reflecte no largo Tejo e nas colinas, as paragens muitas vezes infindáveis do tram way graças aos carros que estacionam em cima da linha é um belo e very tipical retrato do sentido de cidadania dos seus habitantes, visitantes e deambulantes por essa cidade menina e moça.        Quem vagueia pelas ruas e ruelas ermas terá sempre o gosto da aventura de se desviar, saltar e quem sabe pisar o dejecto de canino enquanto agilmente se encosta à parede dum edifício secular para não ser passado a ferro por uma viatura com quatro rodas. Existe ainda um desporto praticado pelos seus habitantes muito elucidativo do tal sentido de cidadania. Ora esse desporto por muitas vezes operado radicalmente nesta linda e bela cidade, denominada em tempos idos de Olissipo, é nada mais nada menos que cuspinhar para o chão Vulgus escarrar.. Aquele som que antecede a massa expectorante no seu caminho pela esfinge até à glote. Todo aquele se formar dum massa consistente de finas tonalidades ora verdes, ora castanhas, ora simplesmente brancas. Até ao gesto final dos lábios ligeiramente compressos uns contra os outros com a subtil sonoridade: “tefuuuuuu”. Entre os excrementos caninos e um selo dessa categoria no chão impresso lá vamos girando e nos surpreendendo por Lisbona. E é sempre um desafio delicioso nos deixarmos surpreender por novas descobertas. Entrar em velhos edifícios e encontrar o bar da associação dos amigos da Pesca, ou encontrar um sapateiro daqueles à antiga a trabalhar num vão de escada. Ou subir uma enorme escadaria e encontrar uma esplanada generosa com vista para o rio.

            Ora na velha rua da Palma existe um grande edifício que lá nos idos anos 80 e 90 pertencia ao PSR (partido socialista revolucionário), actual Bloco de Esquerda. Nesse dito edifício aconteciam uns concertos de música (normalmente rock, punk rock se a memória não me atraiçoa). Eu lá ia com uns 17, 18 anos com a minha querida amiga Susana. Sei que uns três ou quatro anos antes tinha havido uma escaramuça feia naquele lugar. Uns jovens suburbanos, como eu, e duma irreverência, seguramente diferente da minha, assassinaram um indivíduo pertencente ao PSR. Na época esses jovens foram designados de skin heads. Foram julgados, uns presos e outros nem por isso. Bom, o que é facto é que eu nunca me cruzei com tal tribo. Ou por distracção minha, o que não me admira, ou simplesmente por sorte. hmmmm Acho que me cruzei momentaneamente. Tenho uma memória difusa de tal, com um ou dois na estação de comboios/trem. Mas como a minha fisionomia pode bem passar por germânica… (como se não houvessem germânicos anti racistas…) houve um olhar de cumplicidade da parte deles (!). Sorte ou azar que eu não me fazia acompanhar dum amigo ou amiga de pigmentação mais escura!

            Bom, mas esse edifício pertencia e pertence a esse partido. Apesar de nunca ter sido filiada em tal trupe, no momento das urnas colocava o meu voto neles. Oooops o voto é secreto…. Aaaaahhhh colocava o voto neles mais do que para ganhar as eleições, o que seria quase impossível, era para que outras vozes ocupassem os lugares da assembleia da república e afins.
Porém, contudo, no entanto sempre tive algumas resistências ao seguidismo. Talvez a minha postura pois pois moderna me torne céptica e asséptica com as propostas politicas no paízito à beira mar plantado.
            Nessa mesma época fui-me espassarinhar por terras de Évora. E o que eu encontrei? Tchananâ… uma câmara municipal comunista since 1974 ou 75? Uma  mesma malta que ficou no poleiro durante uns 20 anos e troca ao passo. Aqui não está em causa o trabalho realizado durante esses anos. Principalmente no que se refere à cultura! Porém, os mesmos durante tantos anos!... Cheira a lobby. Pêro yo que sei?!
           
            Por isso existem os rectângulos abaixo da publicação para as pessoas comentarem.

            E à frente da escola de arte dramática que eu frequentava… quem lá estava? Quem adivinhar ofereço um Trabie miniatura pousado e colado num pedaço de muro de Berlim.

            No salão nobre, por sinal lindíssimo, do teatro Garcia de Resende lá pelo ano de 93, acho, a malta do PSR foi dar uma conferência. Se não estou em erro foi o Francisco Louça que foi falar. A determinada altura, já na parte das questões, um homem dos seus trinta e tal quarentas anos levanta-se e fala:” Sou filiado no partido comunista há mais de vinte anos, sempre fui fiel ao partido (fiel… cala-te pois pois moderna!!) mas estou um pouco desanimado (bom, parecem as reuniões taparuere ou dos consumidores compulsivos do refrigerante Canada Dry… Cala-te pois pois!). E gostaria de saber quais as soluções que o senhor apresenta.” Momento dramático, no sentido teatral do termo. Suspensão na sala. E, a meu ver, a resposta do Louçã mais sóbria não podia ter sido:” Eu não venho aqui apresentar soluções e sim caminhos para que juntos possamos construir algo. Se o senhor se quer filiar só a si lhe compete tomar essa decisão. Mas eu não tenho soluções, tenho questões.” Gostei de escutar tal resposta. Gostei sim senhor. Contudo, todavia, no entanto à saída de tal encontro ele que havia uns dois ou três colegas meus de escola que deslumbrados diziam que o PSR era o maior, o máximo.         Bom, vai que não vai lembrei-me da “The life of Brian” dos Monthy Pythons, quando o Brian diz que ele não tem a verdade absoluta e que as pessoas devem pensar pela sua cabeça e não serem seguidistas. E o pessoal o que faz? Vai repetindo integralmente o que ele diz até que o Brian tem que abrir a fuga dos seus indesejados devotos. Um fartote! A questão é quando esse fartote é real. É vivido na vida real!

            Anos mais tarde fui-me apercebendo que sempre que havia ou uma iniciativa de cariz social com preocupações de cidadania ou uma manifestação apartidária a malta do bloco de esquerda lá aparecia e apropriava-se de tal impulso activista. Do meu lado, considerava e considero um oportunismo inqualificável. Uma sede de protagonismo e de estratégia para alcançar o poder no qual eu, enquanto cidadã não me sinto respeitada. Depois haviam pormenores que só para escarnecer e não ligar. Durante as passeatas pelas ruas seculares lisboetas lá estava o Miguel Portas (que a sua alma descanse em paz) com a sua comitiva olhando com um ar satisfeito ao seu redor como quem diz:”Esta “juventude” está no bom caminho.” Creio que nestas últimas manifestações dos cidadãos indignados os bloquistas já não tiveram coragem de se apropriarem de tal fenómeno social. Parece-me que já ninguém permitiria tal manobra. As pessoas, de modo geral, estão fartas de partidos, pá. As pessoas estão desacreditadas dos partidos que ora se designam à esquerda como à direita. Pois vão dar ao mesmo. A mosca muda, mas a bosta é a mesma. E talvez seja esse o problema. Se por um lado é importante existirem partidos para que a democracia continue, por outro tem de se rever o modo de viver a democracia. Uma democracia mais participativa, menos burocrática com medidas locais mas dialogantes com o resto do país e do mundo. Uma democracia onde os partidos defendam os interesses dos cidadãos em vez de perderem tempo com guerrinhas internas onde o que conta é o ego e os interesses pessoais. Onde os outros são estúpidos, leigos, não sabem nada e eu é que sei! Oh sacarina mentalidade tão praticada consciente e/ou inconscientemente nesse tal jardinzito à beira mar estagnado.

A piU
Lx, 7 de Julho de 2012

sexta-feira, 6 de julho de 2012

As mulheres e os homens que choram de comoção

O homem quis fazer a revolução, mas queria fazê-la sozinho.
O outro homem disse-lhe que também podia contar com ele. Que também queria fazer a revolução. O homem pensou, pensou um pouco e concordou. Mas continuou a achar que seria melhor ser ele a decidir. Muitas cabeças, muitas sentenças. O segundo homem disse-lhe que as revoluções são só um momento. Algo efémero. Importantes, mas efémeras. As revoluções. O desafio, disse o segundo homem, o aliciante é o depois. Esse depois perseverante que poderá defender essa tríade da Revolução francesa: igualdade, liberdade e fraternidade. (Mas afinal o que resta dessa tríade?)

O primeiro homem talvez nunca tenha pensado realmente numa revolução ou talvez tenha pensado que no depois da mesma ele queria era estar bem, num bom lugar, num lugar de prestígio. O primeiro homem talvez tenha pensado nisso, mas não o disse. Não se revelou. O segundo homem pressentiu, mas duvidou que o primeiro homem talvez tenha pensado nisso acerca do depois.

Os dois homens colocaram a hipótese de vir um terceiro, um quarto, um quinto homem. Vários homens. Muitos números, para que essa revolução, que o homem queria fazer sozinho, tivessem impacto. E vieram muitos e muitos homens. Homens e mulheres. E choraram de alegria. Choraram de comoção. Choraram a sua tristeza, o seu desânimo até ali vivido. O primeiro também estava contente. Estava ciente que iria fazer o bem para todos os outros homens e mulheres.
Talvez ele não tenha dito ou talvez até nem tenha pensado realmente, mas ele queria o bem para todos os homens e mulheres que choravam de comoção por finalmente vislumbrarem a possibilidade de juntos realizarem uma mudança nas suas vidas. De mudar para melhor, onde homens e mulheres se sintem respeitados e respeitadas. Onde se sintem pessoas e não números descartáveis. Onde se sintem gente em vez de colaboradores de tal empresa de callcenter ou de escola. Dando aulas para crianças, adolescentes cujo o nascer do sol do dia seguinte será uma incógnita. E se o sol não mais nascerá essas pessoas desistirão de sair à rua e aquecer o peito das crianças que têm uma vida pela frente, dos idosos que deveriam merecer acabar o resto dos dias dignamente e delas próprias que na força da sua vida merecem ser valorizadas no seu local de trabalho, entre amigos, na família.

O homem queria fazer a revolução sozinho, talvez achasse que as suas ideias eram óptimas. Tinha já tudo pensado. Porém, esquecia-se ou simplesmente não lhe ocorrera, que nem sempre o que é o melhor para nós o é para os outros. O homem talvez não tivesse reflectido que quando os outros homens e mulheres, que choravam de comoção com uma vontade imensa de reescrever a sua história, soubessem que o homem queria fazer a revolução sozinho dir-lhe-iam que essa revolução que ele queria fazer sozinho não era uma revolução. Nem efémera sequer. Era sim uma reprodução categórica do que já estava sendo praticado. E o que estava sendo praticado já não servia. E o homem continuou achando que estava a fazer a revolução e que as suas ideias iriam mudar o sistema político. Mas o homem, depois de muito deambular pelos seus desejos e quereres, olhou para o lado e não estava ninguém. Ninguém. O homem sentiu-se profundamente só. Não se sabe se pensou, pelo menos não disse, se queria continuar a fazer a revolução sozinho ou se porventura estava realmente decidido a alterar esse tal de sistema político.

Br, 3 de Julho de 2012
As mulheres e os homens que choravam de comoção começaram a se juntar. Primeiro numa praça, no centro da cidade. Era primavera; já não estava frio. Alguns deles e delas acamparam nessa praça durante dias a fio. Noutras praças de outras cidades aconteceu o mesmo. Nos jornais nada ou quase nada falaram do sucedido. Todos os finais de tarde as pessoas reuniam-se para falar. Os jornais, tampouco a televisão cobriram tal acontecimento denominado de assembleia popular. Passados tantos anos as pessoas se juntavam sem pretensões partidárias para discutir inquietações sociais. Para serem cidadãos e cidadãs activas. Mas muito pouco ou quase nada se falou na comunicação social que pessoas de várias proveniências sociais se juntavam nas praças portuguesas para discutir finalmente o que era uma democracia participativa. Depois dos homens e as mulheres terem sido encostados à parede, vivendo directamente as consequências da corrupção, das especulações financeiras, aos poucos foram reagindo. Mas o que se falava nos midia era dos indignados de Espanha, de Inglaterra, de França, depois do Wall Street (que vindo a posteriori auto designavam-se mentores de tal indignação que se fazia sentir por vários pontos do planeta, nomeadamente no Médio Oriente). Mas o que interessava é que as pessoas se juntavam na rua. Precisavam de expor a sua indignação, de expurgá-la. Reclamavam e reclamavam do que estava mal. Reclamavam de tal modo que algumas vezes as estratégias de se organizarem eram quase nulas. Além
de sobreporem as suas falas. Reclamavam e reclamavam que por vezes se esqueciam de propor medidas concretas, alternativas eficazes pela sua simplicidade sem simplismo.

            Mas os homens e as mulheres que tinham chorado de comoção precisavam de falar sobre a sua indignação. De falar e sentir que não estavam sós nos seus sentimentos. Outros haviam que sentiam o mesmo, que viviam na mesma precariedade. Os homens e as mulheres reclamavam muitas vezes sem saber muito bem porque reclamavam. Reclamavam porque o presente e o futuro eram uma trilha tortuosa onde a qualquer momento as pessoas ficariam sem o seu emprego e sem nada a que se agarrarem. Indignadas por serem tratadas como nada. Como nada de nada. Desde o trabalhador braçal ao qualificado. Ninguém escapava. E as mulheres e os homens juntaram-se, porque já não aguentavam mais tanta mentira, tanta negligência. Havia outros e outras que também reclamavam sentados no seu sofá em casa. E os que estavam na praça propuseram trazerem os sofás para a rua. Decorria o ano de 2011; depois veio o 2012 apocalíptico. Nada aconteceu. O mundo não acabou, mas nada também mudou. O senhor primeiro-ministro mais os seus muxaxos vieram dizer às pessoas para emigrarem para as ex colónias (Angola e Brasil) que lá precisavam de professores… A comitiva desgovernada só esqueceu de perguntar a esses países qual o interesse em receber professores licenciados num sistema de educação cheio de lacunas. A comitiva dos desgorvenantes alem de ofensivos com os homens e as mulheres do seu país eram arrogantes com aqueles que achavam que eram do terceiro mundo. Talvez os espelhos já se tivessem rachado há muito. E não contentes com tal afronta, chamaram aos contribuintes de chorudos impostos que estavam a ser piegas. E os piegas continuaram a reclamar. Uns já no limiar da pobreza, outros reclamavam entre uma garfada e outra gourmet. Cada um com as suas razões todos reclamavam, pois mais vale um garfo na mão e uma reclamação do que um garfo numa boca cerrada e reclamações a se dissiparem no ar.

            Depois as mulheres e os homens tiveram uma ideia! “Vamo-nos inspirar no que os outros estão a fazer noutros pontos do planeta. Vamo-nos inspirar no que já foi escrito e feito anos atrás!”
            Aos poucos as pessoas perceberam que tudo dá trabalho. Que é necessário uma imensa capacidade de escuta, que as ideias e opiniões dos outros têm o seu valor e principalmente, principalmente! Largarem esse desporto (ou será vicio?) da maledicência tão feroz e inconscientemente praticado em terras lusas. Dar valor às opiniões alheias. Desde que essas opiniões sejam construtivas para um bem-estar comum. (Será isso é possível?) Dar valor aos seus interlocutores e se possível nutrir admiração pelos mesmos sem bajulação. Já agora.

            As mulheres e os homens que de comoção choraram começaram a compreender que a mudança estava si mesmas. Nas suas atitudes do dia a dia, no modo como se colocavam diante de si mesmos e dos outros., como se implicavam, como se comprometiam com a sua palavra e as suas acções. Como uniam as grandes e pequenas teorias com a prática do dia a dia. Qual a capacidade de olhar para si e para o lado?
 Os homens e as mulheres começaram a entender que só com humildade de caminhar juntos com a generosidade de saber dar e receber seria possível que alguma coisa mudasse. Houve quem entendesse tal emboscada e pusesse em prática, outros houve que entenderam mas na prática a coisa era mais custosa. Outros ainda tiveram dificuldade em entender ou até mesmo resistiram a tal entendimento, talvez porque considerassem que suas convicções não se coadunavam com a humildade. Provavelmente achassem que humildade significasse se submeterem, se anularem. Porém não lhes ocorreu até então que humildade podia ser a capacidade de se propor ao invés de se impor, a capacidade de mediar vontades, opiniões como um maestro de música.

            Talvez essas mulheres e homens que hoje choram de comoção um dia estejam todos juntos em diferentes vozes, solos e coro disponíveis para criarem uma grande orquestra.


A piU
Lx, 5 de Julho de 2012