quinta-feira, 28 de julho de 2022

A LÍNGUA TERRA DA ANITA


 As primeiras noticias que me chegaram da Inglaterra foi lá por volta do final dos anos 70 inicio de 80. Em  criança eu chamava de Lingua Terra imaginando uma enorme lingua tipo Rolling Stones a lamber a terra. Coisas de criança que a Anita não esquece e até mantém o espírito, embora dispense infantilizações de terceiros. Quem gosta de ser infantilizado? Cri cri cri. Não esquecer a nossa ludicidade e espontaneidade é uma coisa que faz manter a chama da alegria de brincar até com coisas sérias de forma consciente, outra coisa é infantilizarmo-nos ou nos infantilizarem que é o mesmo que nos diminuirem duma forma fofusca, que é a simbiose entre fofura e ofusca,

Em criança os meus pais assistiam à série cómica " The Goodies", uma variante dos Monthy Phythons. Por vezes eles riam,mas como eu não entendia a piada tampouco sabia inglês nem ler legendas tentava na mesma rir para não ficar de fora, além e gostar de rir junto porque o riso é contagioso. Quando a comicidade era física aí ria com gosto.

Depois lá por 1981/82 deliciava-me com a série do adolescente " Adrian Mole aos 13 anos e 1/2.", aquele que media o pénis,que na sua terra significa centavo ( talvez trocadilho não tenha graça para vós outros, mas agora parei para rir...).

Esta foto, que inicialmente era um slide convertido para pen ( outra vez?) drive foi tirada em 1981 em Londres por um parente que de vez em quando ia em trabalho à capital da Língua Terra, em pleno governo da Dama de Ferro, a Margarida do Tacho. Em casa ouvia com entusiasmo as histórias londrinas, que pessoas falavam em praça pública na via pública e no Hyde Park sobre assuntos politicos e sociais e as pessoas paravam para escutar e interceder. Eu sempre imaginava que viver em Londres deveria ser muito emocionante. Até na rua as pessoas caminhavam a comer sem parar! Que incrível! Já não falando do Museu de História Natural com enormes dinossauros a sério, mas só esqueleto reconstituido! Isso para mim era o máximo dos máximos. Sonhava também em andar nos autocarros/ ônibus  vermelhos de dois andares, embora também circulasem uns desses em Lisboa. Só que verdes ou laranjas.

A primeira vez que fui a Londres eu tinha 23 anos. Atravessei o canal da mancha de comboio/trem. Senti uma claustofobia ligeira com ideia de estar debaixo do rio, mas lá fui eu e voltei. Ía visitar uma escola conceituada de teatro físico, palhaçaria e bufonaria do Phillipe Gaulier. Antes de encontrar o Phillipe parei para beber um café perto do rio Tamisa. " Please, I would like a coffee!", peço com o meu sotaque. O empregado ou dono do café perguntou de onde eu era. " Ah! Portuguesa! Eu também sou português! Você veio cá para trabalhar?", " Não, para estudar com uma bolsa se a conseguir.", respondi. " Se quiseres podes conhecer a comunidade portuguesa onde vivo e rápido consegues um trabalho em hoteis a fazer camas e a limpar quartos." Agradeci a dica, não lhe respondi abertamente que eu não encarnei para ser criadinha como a minha avó foi, por não ter opção, e que é também por ela, pela minha mãe e todas as mulheres que vieram antes de mim que vou trabalhar naquilo que gosto, faz sentido para mim e que traga beneficios ao coletivo.

Escrever também é um oficio como muitas escritoras anglo saxónicas que vieram das ex colónias britânicas em África para Londres para serem escritores. Delas falarei posteriormente como mulheres inspiradoras que me abriram horizontes e desconstruiram a perfeição de Londres, porque afinal não existem lugares perfeitos e sim lugares em que nos sentimos bem ou não. Há quem ache que morar no Brasil é besteira... Eu não sinto assim, todos os dias sem excepção aprendo e inspiro-me com esta rica diversidade que é a cultura brasileira, embora alguns brasileiros não valorizem porque estão de olhos postos nos EUA ou na Europa. Nada contra, mas o yankicentrismo ou eurocentrismo é uma apenas uma perspectiva que eu considero estreita. Isto para mim, claro!

A Piu

Brasil, 28/07/2022

Yáyá Massemba

 Que noite mais funda calunga

No porão de um navio negreiro
Que viagem mais longa candonga
Ouvindo o batuque das ondas
Compasso de um coração de pássaro
No fundo do cativeiro
É o semba do mundo calunga
Batendo samba em meu peito
Kawo Kabiecile Kawo
Okê arô okê
Quem me pariu foi o ventre de um navio
Quem me ouviu foi o vento no vazio
Do ventre escuro de um porão
Vou baixar no seu terreiro
Epa raio, machado, trovão
Epa justiça de guerreiro
Ê semba ê
Samba á
O Batuque das ondas
Nas noites mais longas
Me ensinou a cantar
Ê semba ê
Samba á
Dor é o lugar mais fundo
É o umbigo do mundo
É o fundo do mar
Ê semba ê
Samba á
No balanço das ondas
Okê aro
Me ensinou a bater seu tambor
Ê semba ê
Samba á
No escuro porão eu vi o clarão
Do giro do mundo
Que noite mais funda calunga
No porão de um navio negreiro
Que viagem mais longa candonga
Ouvindo o batuque das ondas
Compasso de um coração de pássaro
No fundo do cativeiro
É o semba do mundo calunga
Batendo samba em meu peito
Kawo Kabiecile Kawo
Okê arô okê
Quem me pariu foi o ventre de um navio
Quem me ouviu foi o vento no vazio
Do ventre escuro de um porão
Vou baixar no seu terreiro
Epa raio, machado, trovão
Epa justiça de guerreiro
Ê semba ê
Samba á
É o céu que cobriu nas noites de frio minha solidão
Ê semba ê
Samba á
É oceano sem fim, sem amor, sem irmão
É kaô quero ser seu tambor
Ê semba ê
Samba á
Eu faço a lua brilhar o esplendor e clarão
Luar de Luanda em meu coração
Umbigo da cor
Abrigo da dor
Primeira umbigada Massemba Yáyá
Yáyá Massemba é o samba que dá
Vou aprender a ler
Pra ensinar meus camaradas
Vou aprender a ler
Pra ensinar meus camaradas
'Prender a ler
Pra ensinar meus camaradas
Vou aprender a ler
Pra ensinar meus camaradas
Vou aprender a ler
Pra ensinar meus camaradas
'Prender a ler
Pra ensinar meus camaradas
Vou aprender a ler
Fonte: Musixmatch
Compositores: Joao Roberto Caribe Mendes / Capinan


foto: Walter Firmo

A IMPORTÂNCIA DO OLHAR PARA O LADO E PARA DENTRO

 " Aí vim pra cá porque há mais segurança. A pessoa pode atravessar a rua olhando para o celular que não acontece nada. " Está segunda frase nunca ouvi, embora seja frequente ver isso mesmo no Brasil. Mas não deixa de ser "cômico". A pessoa por se sentir segura causa um acidente no tráfego.

Já a primeira frase é mais que frequente escutar, mesmo de pessoas queridas. Pronto, aí os entrefolhos das entranhas reviram-se. Não será essa frase elitista, segregadora, discriminatória em relação a uma população que vive em condições muitas vezes degradantes por falta de saneamento básico, além de terem o acesso restringido a educação com qualidade, embora hajam muitos bons professores na rede pública mas eles não fazem milagres?
A desigualdade social é uma violência. A segregação é uma violência que gera reações em quem atingido por ser constantemente invisibilizado, silenciado, muitas vezes sem perspectivas de sair duma condição que gira em torno dum círculo vicioso. Por outro lado o porte de armas é transversal às classes sociais. Há uma naturalidade em se dizer que o pai, o tio, o irmão ( o cachorro não, mas existem uns que são treinados para atacar) andam armados com o discurso de legítima defesa.
Não será além de elitista, de gosto duvidoso, falar que vai para Portugal das Europas porque é muito mais segura e ainda se deslumbra com os policiais portugueses que mostram ser muito mais bonzinhos (... 😛 ) que os brasileiros. Eh pá! Aí os entrefolhos das viscerais dobram-se todos tornando-se um origami escanifobetico.
É claro que em Portugal não se assalta a mão armada e não se tira a vida duma pessoa como quem bebe um copo de água. Como o cidadão comum não anda armado, embora há quem ande mas não diz com a naturalidade com que se diz aqui. Todavia, nos entretantos, sustos, furtos, assaltos e mais sustos existem em qualquer parte do mundo. Portugal pode aparentar ser de brandos costumes, mas as aparências iludem. Já a violência policial existe, principalmente com cunho racista. Quando a informação vaza vira um escândalo nacional, mas nem por isso ela cessa. Só é camuflada.
Há um tempos escutei um podcast sobre a violência policial na Cova da Moura ( subúrbio lisboeta com população afro descendente). É revoltante. Ia escrever constrangedor e vergonhoso mas é mais que isso. Revoltante.
Portanto, escutar pessoas que sei que são sensíveis e inteligentes e sabem o que é a criminalização de não brancos e de pessoas com baixa renda dizerem que se sentem mais seguras em Portugal ou na Europa... É uma atitude assimilada, assimila as relações poder inconscientemente subscrevendo o classismo sem se dar conta e até afirmar que é ativista e que o pedagogo brasileiro Paulo Freire é o seu carro chefe. O Freire é inspiradoramente atual, voltar a ele e às nossas raízes é não nos deslumbrarmos com as aparências e ficar do lado dos mais vulneráveis e resilientes. Não esquecer dos outros quando nos bem sucedemos temporariamente ou para sempre. Se é que existe o para sempre, porque a vida também dá as suas voltas e tem as suas ironias.
Resumindo e concluindo: não largar a mão de ninguém ao invés de bater palmas para violências camufladas de ordem social.
A Piu
Br, 26/ 07/ 2022







VOU APRENDER A LER PRA ENSINAR MEUS CAMARADAS *

 Sem tirar a importância devida a oralidade e ao indizível, ler e escrever é um ato de resistência e re existência. Não é a toa que durante séculos só alguns o faziam de forma elitizada ao qual chamavam de erudição. Escrever não será um ato de registrar leituras e percepções do mundo, passar para a frente a memória do que já foi, do que é e do que ainda poderá vir a ser?

Há pouco tempo soube que construíram em 2019 um Memorial da Escravatura em Lisboa. A proposta foi ao apresentada ao Município de Lisboa pela Associação de Afrodescendentes. Pronto, a iniciativa é de quem é Afrodescendente, que em muitos casos é também português, mas a dignidade está lá. Edificar lembranças coletivas traumáticas e tão recentes é já um caminho para outras formas de nós encontrar e nos entendermos. Quem me deu essa notícia foram uns brasileiros. Num instante falei que me senti orgulhosa. " Não é para tanto!" Falaram. Uma delas estava emburrada comigo por eu ter dito que existe uma ideia errônea que todos os europeus são ricos, nomeadamente os portugueses, mas os brasileiros que estão indo para Portugal, não todos claro, são ricos ou de classe média desafogada. Ficou ofendida comigo... Sentiu-se atingida. Paciência. Pedi desculpas se fui brusca no falar, mas ela não desemburrou. Uma moça porreira, mas esquerda alternativa gourmet. A questão nem é ser rico, pobrezinho ou remediado. A questão é sabermos de onde falamos, qual o nosso lugar de acesso a igualdade de oportunidades e/ ou de privilégio.
Já desconstruir ideias feitas acerca dos outros, cuja realidade não conhecemos mas achamos que conhecemos é um primeiro passo para o diálogo e as possíveis parcerias.
Assim como a escuta. Se eu digo que me sinto orgulhosa em haver um Memorial é justamente o contrário do orgulho de ter havido Escravatura. Escutar o que realmente é dito ou escrito é a base para que não hajam distorções e mal entendidos.
Eu ficaria tão ou mais orgulhosa que essa iniciativa do memorial partisse de portugueses sem serem afrodescendentes. Mas já está valendo. Quem sente ou sentiu na pele essa grande ferida histórica naturalmente vai querer lembrar de não esquecer.
No fundo, no fundo nós portugueses somos todos, ou quase todos, afrodescendentes do norte de África com a presença dos mouros por terras lusas. O pessoal do norte, carago, tem a maniazeca de chamar de forma depreciativa ao pessoal do sul que somos mouros, carago. É berdade. Aqui a Iana e a sua canalhada da sua laia é Moura, carago. Como celta, visigoda, cartaginesa e mais uma mão cheia de povos vindos de quase todas as direções onde a disputa de territórios, e escravizar pessoas e uma prática milenar. Características do patriarcado esse tumor planetário que precisa de ser removido. Depois falarei da escritora nigeriana Buchi Emecheta.
Até ao próximo texto! Beijus e abraçus decolonizados e depatriarcados.
* Roberto Mendes e Capinan
A Piu
Br, 26/07/2022
Foto: Walter Firmo



segunda-feira, 25 de julho de 2022

FOI IGNORÂNCIA, AGORA É ENTENDIMENTO

Lá vais tu, caravela lá vais
e a mão que ainda me acena do cais
dará a esta outra mão a coragem
de em frente, em frente seguir viagem
(...)
Mas parai, trago notícias horríveis
parai com tudo
já avisto os nossos conquistadores

Vêm num bote de madeira talhado em caravela
com um soldado de madeira a fingir de sentinela
com uma espada de madeira proferindo sentenças
enterrada que ela foi no coração doutras crenças
enterrada que ela foi, sua sombra era uma cruz
exigindo aos que morriam que gritassem: Jesus!
com um caixilho de madeira imortalizando o saque
colorindo na vitória as armas brancas do ataque
até que povos massacrados foram dizendo: Basta
até que a mesa do Comércio ainda posta e já gasta
acabou como jangada para evacuar fugitivos
da fogueira incendiada pelos outrora cativos
e debandou à nossa costa a transbordar de remorsos
mas a rejeitar a culpa e ainda a pedir reforços

Sérgio Godinho, Os conquistadores (1979)

No ano da graça do senhor de 1979 o compatriota Ségio Godinho lançava esta música, não sei se para o mundo mas com certeza parea Portugal. Isto só para não esquecer a quem nunca de lembrou de refletir que mesmo assim existem uns portugueses que não fazem o passeio do pacote turistico " mais que demais, maravilhoso é" entre um pastelinho de Belém, umas fotos no Mosteiro dos Jerónimos, mais outra no Padrãos dos Descobrimentos e ainda outras na Torre de Belém enquanto aguardam na fila gigante para entrarem lá dentro.

Há uns dias o conceituado artista visual brasileiro Bruno Ribeiro nascido a 1994 criou polémica no " meu Portugalito à beira mar plantado" com a sua instalação na Amostra de Interferências no Museu de Arte, Arquitetura e Tecnologia de Lisboa. " NÃO FOI DESCOBRIMENTO, FOI MATANÇA."

Sim... querido Bruno... Quem está minimamente informado e sensivel aos eventos históricos sabe que foi matança. Porém proponho uma alteração na conjugação verbal: " NÃO FOI  DESCOBRIMENTO, É MATANÇA." Tenho ou não tenho razão sem querer disputar razão? Eu entendo que o Bruno sendo visivelmente afrodescendente, como também descendente de branco e muito provavelmente indígena queira gritar para o mundo que não teve Descobrimento coisa nenhuma e que a narrativa oficial em Portugal é ainda de enaltecer um feito com um saudosismo decadente duma glória vã. 

Há medida que o tempo passa vou compreendendo que neste mundo com discursos de ódio até ao pescoço, os artistas, os escritores ( não curto muito o termo intelectual, pois há sempre um perfil onde a cabeça comanda de forma autoritária a alma o espirito) podem e devem assumir a responsabilidade de outros olhares, outros posicionamentos que proponham aberturas de consciência e aproximações saudáveis. Um dos exemplos para mim infinitamente belos, emancipatórias é a Claudia Andajur de 91 anos nascida na Hungria, com familiares e amigos vitimas do Holocausto. Ela refugiou-se no Brasil há décadas e abraça a causa indígena, no caso do povo Yanomami, com muita generosidade e amorosidade. Durante as décadas de 70 e 80 foi perseguida pela ditadura militar sem nunca desistir daquele povo da floresta. Ao assistir ao filme " Gyuri" é profundamente belo presenciar o profundo carinho e respeito mútuo que o Davi Kopenawa nutre pela Claudia. Isso para mim é Artivismo. 

Sinceramente também me dá a volta ao estômago,por ser anti colonialista e anti imperialista, artistas brasileiros com as suas bolsas de estudo, os seus prémios, as suas conquistas com certeza merecidas quererem dar lições de moral ao povo português. É IMPORTANTE QUE O POVO PORTUGUÊS SAIBA QUE OS DESCOBRIMENTOS FORAM UMA M..RDA. Mas há formas de dizer e manifestar. Quem defende o colonialismo e a identidade caduca vai ficar enfurecido e não vai com certeza mudar de ideas. Até vai piorar. Quanto a pessoas como eu, que são várias, aos pouco vamos ficando de saco cheio dessas provocações que não me parecem que levam a algum lugar a não ser o do preconceito. Primeiro vamos estudar História ( do nosso país e dos outros) , conhecer as narrativas oficiais e as alternativas, e depois buscar interlocuções intercontinentais. Porque o cidadão comum que passa na rua, que vai trabalhar todos os dias, paga os seus impostos, conta o dinheiro para pagar as contas, que nunca saiu do seu país nem tem criadagem merece ser tratado com respeito e não se sentir culpado por uma coisa que não cometeu, mas que no Brasil ainda se comete.  Como tal proponho uma frase profética: 

" FOI IGNORÂNCIA, AGORA É ENTENDIMENTO "

Gratidão sincera querida Claudia Andajur por existires e dares o exemplo!


A Piu

Br, 25/07/2022





quinta-feira, 21 de julho de 2022

TRÁGICOMÉDIAS DO DIA A DIA TROPICAL


Qual a quantidade de suco de uma laranja mais uma laranja? Dá para extrair suco de todos os frutos? Existem pêras azuis? Qual o sabor duma vitamina de frutas conhecidas com fruta sdesconhecidas? Todos os seres humanos trazem dentro de si suco natural ou alguns preferiram passar a ser fsuco de caixinha? 

Temos aqui algumas questões filosóficas,mesmo que os académicos achem que as coisas colocadas assim desta forma não teem credibilidade. Eu também não acredito nas imposições académicas. Um dia até tentei acreditar e foi dramático. Trágico não. Dramático. Em um dando momento fui espremer a fruta e saiu suco de caixinha. E, lá está, gosto mais de suco natural.

Mudando de assunto. Há uns dias atrás um bolsomico atirou sobre um petista que comemorava os seus 50 anos com uma festa temática. Balõezinhos vermelhos, um bolo de aniversário com a cabeça do Lula. Vai o outro, que não foi convidado, e PUM! Limpou o sebo ao petista no dia do seu aniversário, antes de cantarem os parabéns. Agora dizem por aí que não foi por motivos politicos. Nesse caso pergunto: Se o petista tivesse feito um aniversário com a temática da Frozen  ( Frozen é para meninas, mas vai que ele amava a Frozen) ou dos piratas das Caraibas o bolsomico iria atirar no petista? Atirou porque não foi convidado para beber vodka? Foi convidado, por ser amigo de infância, mas como levou cuba libre para oferecer ao ainversariante começaram a discutir e atiraram um sobre o outro?

Eu não sei se isto é para rir, pois um homem foi morto... A situação em si tem a sua ridiculez, ridiculitude. Um homem de 50 anos comemora o seu aniversário como um menino de 5 com balõezinhos e um tema de festa. O sujeito é livre de comemorar como quer e com quem quer, mas dá que pensar o porquê de fazer dum lider politico o tema da sua festa e um outro não gostar e isso ser motivo de ambos portarem armas e se encararem até à morte. Seria cómico se não fosse trágico.

No meu ponto de vista não se trata sequer de questões politicas e sim partidárias, como num clube de futebol. Se não és do meu time és meu rival. É cómico de tão infantiloide que é. Mas por ser trágico o riso sai a modos que... Sei lá. Não dá para adjetivar a dimensão do absurdo que no final das contas, bem espremidinha a hittória resulta da lei do bang bang e pouco mais, como nos desenhos animados e nos westerns. Mas aí é ficção mesmo assim. Qual o suco que se extrai deste evento em que aniquilar outro, que é diferente mas é igual, é o pão nosso de cada dia?

A Piu

Br, 21/07/2022

FUNDA MENTAL


Se não fosse trágico seria mais cómico. Esta frase saiu-me há pouco tempo. Talvez haja quem a já tenha dito. Claro! Porque haveria de ter a pretensão de querer dar uma de geniaaaaleee? Eu não nasci duma lamparina para ser génia e sim da barriga da minha mãe, como a maioria de nós. - Ao que consta já andam por aí robôs réplicas humanas , mas isso é outra história. A partir do momento que sabemos que somos todos igauis e todos diferentes acredito que o salto do gato pode ser dum virtuosismo humano ao alcance de tod@s.

Certa vez perguntaram ao José Saramago como podem os homens sem Deus serem bons, ao que o Zé do Nobel comuna até ao fim respondeu: " Como podem homens sem Deus serem tão maus?" Aqui temos uma pergunta cristã com uma resposta cristã. Essa de bons para um lado e maus para outro é cristão. O bem e o mal, o certo e o errado separados. Isso não é cristão? Não será redutor falar assim de Deus? Existem tantas formas das pessoas se conectarem com o divino, tantas cosmovisões que ultrapassam as instituições religiosas. Não serão as pessoas livres de acreditarem no que querem se isso faz sentido para elas, para a sua vida, trazendo beneficios a quem as rodeia? O mesmo acontece a quem não acredita numa energia superior, que não é necessariamente um senhor austero com barba e cabelo comprido grisalho. Essa imagem de Deus é duma cultura judaico cristã. E o mundo é tão grande, pá!

Eu tenho amigos ateus, agnósticos, espiritualizados, crentes, de religiões de matriz afro, etc etc. Somos amigas porque nos respeitamos. Para mim é quase inviável ser amiga dum fanático ( seja religioso ou politico). Um fundamentalista normalmente não escuta e tenta enfiar as suas verdades aos outros goela abaixo. Também não dou mais cinco a pessoas que escarnecem da fé dos outros. Isso é desrespeito. Uma coisa é rirmos do que nos oprime outra coisa é oprimir com o nosso riso. Olha outra frase de efeito geeeeniiiaaaaleee! ;)

Como já tinha escritoantes,  aqui sou eu nos primórdios das teatrices. Recordo que teatrices não é o mesmo que teatrinhos. " Ai! Como vão os teus teatrinhos?" perguntou certa vez uma dançarina conhecida minha. Fiquei tão sem graça que nem respondi de volta: " E as tuas dancinhas?" Mas no hospital como palhaça (profissional) alguém que fazia publicidade médica falou:" Ah! Um dia quando tiver tempo eu vou fazer o que você faz, vou ser palhaça." Aí como estava em estado de abertura de improvisação respondi: 'Boa! Eu também quando tiver tempo vou fazer o que você faz!"

Aqui estou eu numa sessão de fotos para o meu book. Quem se lembraria de não se maquiar e calçar umas botas de trabalho alentejanas? Só a Piu! Nã! Eu sei que existem mais da minha laia. Talvez não sejamos é o perfil exato para as novelas. Mas também não é a praia que eu alguma vez tenha sonhado mergulhar. Teatro sim! Cinema sim! Novela há quem defenda melhor aqueles roteiros e aquela linguagem. Aqui eu já tinha apresentado com os meus colegas de curso de atores em Lisboa " Os Possessos" do Dostoievski. Até para França fomos apresentar. Aqui a suburbana de Lisboa com costela alentejana saiu pela primeira vez da Peninsula Ibérica aos 18 anos. Ficamos parados umas horas nas estradas de França por conta duma greve de camioneiros ( em Portugal diz-se camionistas, mas vai que ainda alguém lê comunistas...). Ficamos chateados de estarmos parados horas ao calor de Verão mas deu para perceber a força duma mobilização. 

Adorei interpretar a Maria Lebjadkin, a doidinha do enredo, como adorei conhecer o escritor russo da época do Czar que foi preso e levado para a Sibéria. Inicialmente ele era socialista e depois do exilio de trabalhos forçados converteu-se ao cristianismo ortodoxo. Tanto o Fernando Pessoa como o Dostoievski  não considero referência obrigatória para pensar e agir no contexto socio politico atual. Se me falarem em Brecht aí sim! Esse alemão do século XX que teve à perna o Nazismo continua atual, mesm que haja uma coisa aqui e ali datada. Porém, por estar nesse grande continente americano, penso que é muito mais interessante  conhecer pessoas daqui ou de África que pensam, escrevem , manifestam-se artisticamente e que se mobilizam socialmente. Sair um pouco das mesmas referências europeias é decolonizar o pensamento e a ação. Não é que estas referências não sejam importantes, mas o mundo é muito maior do que o homem branco dos séculos passados. Isto para mim, naturalmente, sem fundamentalismos, sem tentar convencer ninguém de nada de nada de nadinha. Isso é funda mental!

A Piu

Br, 21/07/2022

quarta-feira, 20 de julho de 2022

FALANDO COMO PESSOAS ADULTAS





 Não sou pessoa de homónimos, como o Pessoa. Nem de escrever a alguém anónimamente. Tampouco falo pelos outros. Quando escrevo ou falo responsabilizo-me pelo feito. Assino A Piu porque acho cool. Ihihh OH YÊ! Dá aquele ar androgeno e muitas pessoas conhecem-me só por Piu.
Olha esta a comparar-se com o Nando! Porque não? Ele era algum deus? Um sujeito comum, um funcionário público, que há 100 anos atrás deambulava pelas ruas lisboetas. Era publicitário, astrólogo, crítico literário e comentarista politico e escrevia prosa, poesia, filosofia, dramaturgia, Escreveu a " Ode maritima" e " O banqueiro anarquista", entre muitas coisas. Nacionalista místico, individualista radical e conservador liberal de " estilo inglês" foi adverso ao comunismo e ao fascismo. Criou o slogan publicitário para a cueca cuela, a considerada água suja do imperialismo norte americano pela oposição, nos anos 20: " Primeiro estranha-se e depois entranha-se. " Com a chegada do fascismo em 1932 a cueca cuela foi censurada e proibida até 1974 em Portugal. Já o Pessoa encharcou-se de alcool, vindo a falecer em 1935 de cirrose. Um dia antes de desencarnar escreveu: " Não sei o que o amanhã trará". Quem sabe? Eu não. E no fundo também não quero. Viver o tempo presente já está valendo. No dia seguinte faleceu, livrando-se mesmo assim de quarenta e muitos anos de fascismo português e da segunda grande guerra. Ele foi um homem do seu tempo como tantos outros. Ele é referência obrigatória para pensar a sociedade atual? O jornalista e escritor uruguaio Eduardo Galeano ou ex presidente uruguaio Pepe Mujica precisram de ler Fernando Pessoa para se formarem politicamente? O Pessoa é uma referência para pensar uma sociedade igualitária? Para pensar o Brasil atual oou outro país? Não encontro ligação, mesmo que " O banqueiro anarquista" seja uma provocação em estilo literário.
Por outro lado, quando coloco um poema do Galeano sobre a cultura do medo que o sistema promove esse mesmo poema tem várias camadas que não só as lutas populares ou reforma agrária e tudo o que o mesmo defendia. Esse poema fala dos nossos medos e coragens. Dos nosssos alentos e desalentos individuais e que mesmo assim há que seguir caminhando em direção à vida, à utopia. As pessoas que se dão ao trabalho de ler o que escrevo são obviamente livres de comentar, mas existem uns combinados:
comentar com educação, sem desdenhar de quem escreve sem se quer conhecer pessoalmente; depois não precisa de mandar o Galeano ou quem escreve ler Fernando Pessoa. Se não concorda com o que está escrito pergunta qual o propósito daquelas palavras e pode contra argumentar que não concorda com as suas próprias ideias e palavras.E assim se faz também a democracia. Ou não? Por outro lado, depois a pessoa escrever: " Não a sigo mais e também não me siga nas redes sociais"... Eh pá! É preciso isso tudo? Não somos pessoas adultas, pá? Depois olhando melhor a pessoa continua a seguir por que afinal desbloqueia-se mas já não mostra o que publica que por acaso até é um trabalho de bonecos bonito. Que disparateira. União não é só concordarmos uns com os outros a toda a hora, nem partir de suposições e contra ataques. Pelo contrário! É trazermos vários pontos de vista e dialogarmos. Ou pensar uma sociedade melhor é como um jogo de futebol? Uns dum lado e os outros do outro? A isso chama-se polaridade que até parece que rima mas não rima com democracia participativa.
Bom, assim vou indo sempre pronta a abraçar uma árvore e a vida mesmo que com todos os mal entendidos.
A Piu
Br, 20/07/2022

segunda-feira, 18 de julho de 2022

VIVER DE AR TE

 





Eu arto-me, tu artes-te, ele arte-se, nós artamo-nos, vós artai-vos, eles artam-se.
'Vocesses' acreditam que demorei DEZ ANOS para encaixar duas peçinhas de puzzle, quebra cabeça? É verdade! É a mais pura verdade! Depois veio aquela dialética pessoana: " Primeiro estranhas depois entranhas."
No meu caso, não sei como é no vosso, entranhar, naturalizar narrativas oficiais não é lá bem o caminho que opto por trilhar. Esse caminho normalmente é feito somente a partir de um ou dois pontos de vista muito idênticos para servir um mesmo propósito, o de sempre: manter o poder hegemónico que no caso é o neo liberal, cuja lógica é a do lucro com poucos ou nenhuns vinculos empregaticios para a grande maioria e onde os seus direitos não são lá muito contemplados. Onde há narrativa oficial não há solidariedae. Ou há? Se um artista profissional , por exemplo, não enxerga o outro artista como profissional e ainda tenta competir para salvaguardar o seu lugarzinho ao sol, o seu prestigio consolidado em algum privilégio que muitos não teem.... Eh pá! Vou ali já volto.
Há dez anos ACHAVA EU, ACHAVA, repito que pelo menos as pessoas brasileiras que defendiam os direitos dos trabalhadores estavam a par minimamente do que se passava em Portugal no que diz respeito à precariedade no trabalho e aos impostos e descontos que são feitos para a segurança social e no caso dos artistas, como eu, assim como outras profissões que passam nota fiscal/ recibo verde como prestadores de serviços não temos direito a quase nada: aposentadoria esquece, subsidio de desemprego esquece, licença de maternidade com vencimento vai dar uma volta. São esses "detalhes" que aquel@ artista brasileir@ que até está bem posicionado no mercado de trabalho e vai para a rua em passeata tocar pandeiro e tambor contra o golpe diz a uma mulher trabalhadora, mãe solo, artista porque eu não volto para Portugal pois lá posso viver das ajudas do Estado (?!?). Primeiro, mandar alguém de volta para a sua terra além de deselegante e insensivel é a perda duma oportunidade de se silenciar pois a sua opinião não foi solicitada. Segundo, já que não se solidariza nem ajuda guarde a sua opinião para o churrasco de amigos enquanto escutam podcast acerca das conjecturas internacionais, pois estas estão intimimamente ligadas ao seu próprio país. Terceiro o que me motiva a estar no Brasil muito provavelmente não combina com a motivação dequem quer morar em Portugal. Não é melhor nem pior é diferente. Mas há uma diferença marcante eu admiro a diversidade neste grande território e os povos que neste habitam. Não sei se isso se passa com os brasileiros que vão para Portugal, já que muitos sentem na pele que não são bem vindos. Não ser berm vindo é lixado. Eu também já vivi isso aqui em alguns momentos, embora haja quem se ache que é muito acolhedor. No entanto agradeço do fundo do coração a quem me acolheu e tem acolhido.
Em seis ou sete anos as cidades portugueses tornaram-se parques temáticos onde é o turismo a fonte de rendimento, o Estado Português abre as portas e as pernas para os milionários, sejam brasileiros ou não, para investirem em imóveis a troco de beneficios fiscais e cidadadania portuguesa Quanto aos prestadores de serviços na área do turismo a exploração é assombrosa, enquanto milhares de portugueses qualificados que emigraram nos últimos 15 anos não voltam nem pensam em voltar, porque já sabem o que a casa gasta. Do meu lado não faço questão nenhuma de visitar, por enquanto, o meu Portugal com manadas e manadas de turistas de lá para cá, de ricaços a comprarem tudo onde outrora era para todos enquanto esboço aquele sorriso cinico diante do deslumbre dos visitantes e migrantes do fenómeno de gentrificação. As cidades portuguesas são bonitas? São. Ficaram de cara lavada? Sim. Só é pena que se tornaram uma imitação delas próprias para atrair consumidores. investidores e prestadores de serviço descartáveis. Tem coisas boas? Claro! Há que aproveitá-las, mas com consciência do nosso lugar e do lugar dos outros sem suposições e ideias distorcidas.
Espero que aqui no Brasil nas próximas eleições o Coiso caia, mas também espero, se é que é pedir muito, que quando se fala "ninguém larga a mão de ninguém" há que se estar ciente que primeiro precisamos de dar as mãos. Se não é Carnaval, é brincar à solidariedade, é fazer de conta que caminhamos em direção à união. Pelo menos é assim que eu vejo e sinto.
A Piu
Brasil, 18/07/2022

sexta-feira, 15 de julho de 2022

PARO, REPARO E REPARO O QUE HÁ PARA REPARAR


 

Onde há alento há desalento e novamente alento e assim sempre. Penso eu. Penso logo não desisto,nem de mim nem dos outros. Isso dá alento, mesmo quando aquele desalento belisca o desaviso.
Uma querida amiga diz assim: " Eu sinto vergonha de falar que sou brasileira." COMO ASSIM TER VERGONHA DA SUA NACIONALIDADE OU ORIGEM? O lugar e o meio onde nascemos pode nem nos definir ou definir até um certo ponto. Honrar de onde viemos, mesmo com todos os desalentos possíveis, é no minimo fazer ou tentar fazer diferente. O desentendimento só existe quando não há escuta. Penso, logo insisto. A pessoa ao invés de escutar, processar, digerir e evacuar o que não lhe serve mais ou não lhe pertence pode tender a levar para o lado pessoal e ao limite colocar-se à defesa. Por isso os transitos entre seres humanos serem importantes. Quando bem aproveitados dão-nos saúde e fazem crescer.
Quando escrevo sobre algumas misérias humanas ocorridas nesses encontros intercontinentais entre brasileiros e portugueses é com a esperança de que pelo menos com os meus amigos queridos de nacionalidade brasileira não haja mais equivocos que poderão dar fruto a cordialidades manhosas, vulgus amizadezinhas meia boca com mentirinhas rançosas que não beneficiam ninguém e que ao limite fazem-me grunhir, uivar. Sim, eu uivo e grunho e também reviro os olhos. Não sou só luz e ainda bem. Muita luz sobre aquece, ofusca e cega. A sombra não é necessariamente ruim. Ela permite-nos colocar limites ao que não abre caminhos para um entendimento maior que as nossas pequenas vidas individualistas e formatadas no piloto automático.
Pensar pela própria cabeça é muito fixe legal, dá saúde e faz crescer. A pessoa em chegando ali a uma certa parte da vida também já precisa de conectar a fiação entre a voz do coração e da voz da mente. Se fica só na voz da mente esta mente porque é tagarela para xuxuxuxá e pode-nos levar para narrativas oficiais que servem a uns poucos ou que já não servem a ninguém, mas fica naquele saudosismo caduco do tempo da Trisavó Donalda com uma torta de maçã que já nem o bode consegue engolir.
Sim, nem todos os brasileiros são mal intencionados e equivocados ( assim como os portugueses). Não será essa discusão infértil? Quem é melhor ou pior? Ufa! Que perda de tempo. O que é certo é que a narrativa oficial em Portugal, embora haja quem não a subscreva, é que Portugal deu novos mundos ao mundo e não se questiona a dimensão da invasão, escravatura e genocidio em outros continentes. Por outro lado, no Brasil como essa invasão, genocidio e exploraçaõ do trabalho alheio ainda está em curso por vezes fica mais fácil de atribuir culpas ao passado, que existem claro, mas sem fazer diferente no presente e ainda inventando maliciosamente realidades sociais em Portugal para justificar relações de vantagem e desvantagem.
Como os meus amigos de verdade, brasileiros ou portugueses ou de outra nacionalidade qualquer, não são assim, embora possam reproduzir alguns equivocos aqui e ali é para vós outros que eu escrevo. Para pararmos, repararmos que precisamos de reparar velhas atrocidades históricas e seus equivocos.
Beijus e abraçus
A Piu
Brasil, 15/07/2022

quarta-feira, 13 de julho de 2022

QUANDO MA RIA DESCEU A LINHA DO EQUADOR

 


Nas berças, na dita santa terrinha, Maria era simplesmente Maria como todas as outras Marias. Havia a Maria das Dores, a Maria da Graça, a Maria do Zé Maluco, a Maria Deolinda, a Maria Zarolha. Esta era simplesmente Maria e passava fome como todas as outras. Um dia o António das Cabras deixou de ser pastor e tentou a sorte do lado de lá dos Pirineus. Primeiro foi sozinho, depois veio buscar a Maria. Maria na cidade das luzes já não era mais Maria e sim Mariazinha. Ela que nunca vira um vaso sanitário e o seu papel higiénico eram as pedras dos ermos, agora limpava as latrinas das madames e dos monsieôs. 

Um dia o António das Cabras que agora era tratado por Antoine recebeu uma carta dum primo que vivia em Santos. Não Santos em Lisboa pertinho do Padrão dos Descobrimentos. Santos do outro lado do mar. O primo vendia fruta no mercado e estava a prosperar. Precisava de ajuda, iria abrir uma padaria com o capital que acumulara à custa de trabalho e sacrificio. Antoine das Cabras e a sua Mariazinha esperaram pelo navio chegar e nunca mais olharam para trás. Tiveram filhos, netos, bisnetos.

Maria, que já fora a Mariazinha das latrinas das madames e dos monsiôs, abaixo da linha do equador passara muito rapidamente a ser Dona Maria. Tinha quem lhe limpasse a sua latrina, que cuidasse dos seus filhos e depois netos. Era trabalhadeira, mas agora era a Dona Maria que se achava superior por ser branca e ter ascendido a uma classe social onde poderia agora ser tratada como madame também. Não, Dona Maria nunca tivera consciência de classe, nem quando era simplesmente Maria e depois Mariazinha. Sabia que tinha passado fome e chafurdou nos dejectos dos ricos mas agora era a vez de lhe servirem a ela. Era assim que pensava. 

Os seus filhos cresceram e depois vieram os netos e os bisnetos que tiveram direito a andar na escola e seguir os estudos. Estes por sua vez aprendiam meias verdades na escola, factos distorcidos a roçarem o constrangedor. Sabiam que eram esão descendentes de portugueses, que os portugueses entre 1500 e 1822 colonizaram o Brasil, que Portugal fica na Europa e que vai-se se lá saber o porquê nunca souberam a fundo a história da Maria e do António das Cabras, portugueses como tantos outros vindos dum país rural, miserável e oprimido como os territórios colonizados pela oligarquia dum país. Embora alguns se achassem esclarecidos nunca conheceram a realidade do país dos seus antepassados. Uma coisa alguns tinham em mente, precisavam de usufruir do que Portugal sacou do ouro do Brasil e que até fez a revolução industrial à custa desse saque. Além dessa ignorância ser constrangedora era e é ofensiva, porque caluniosa e difamatória, não falando que depois da crise da Troika Portugal tinha virado moda. 

Na ilusão capitalista, consumista e eurocêntrica foram às mãos cheias para Portugal achar que lá se encontrava o pote de euros no fundo arco iris. Até achavam que a Seguramça Social não é fruto dos impostos e das conquistas sindicais e sim fruto do saque ao Brasil. Enfim... Eles eram classe média direita, classe média esquerda, classe artística, classe empreendedora, classe aposentada, tanta classe que nem deve caber num país tão pequeno.  Uns deverão ainda estar encantados, ainda bem. Outros desiludiram-se. Outros só vão para detectar as tacanhices do povo português e dizer: "Oh lá! Como eles são lerdos, tacanhos, bizarros. Só estou aqui mesmo porque é Europa e tenho muitos amigos brasileiros. E ganho em euros!!! Não posso é falar que ganho pouco e me sinto defraudado com a minha ilusão."

Contrariamente a muitos movimentos negros e indigenas que faziam e fazem por manter a memória e honrar a sua ancestralidade, alguns, não todos, brasileiros descendentes de portugueses sofriam e sofrem do sindrome de novo rico eurocêntrico,  com uma consciência de classe a modos que duvidosa. 

Alguma coincidência com a realidade é pura fantasia, mas mais ou menos. Quanto às carapuças enfia-as quem as quiser. deste lado não se distribuiem. Cada um que cuide da sua que eu cuido da minha. 

Abraço bufonesco e fraterno

A Piu

Br, 13/07/2022

terça-feira, 12 de julho de 2022

AS VOLTAS QUE O MUNDO DÁ

 Por acaso nunca fui adepta de me lerem a mão, de adivinharem o futuro numa bola de cristal. Talvez por receio de alguma supresa menos agradável ou por a profecia requerer uma dedicação tão alta que em algum momento eu receei dar conta do recado diante de tantas expecativas. O que é certo é que se me falassem há11 anos atrás como iria se passar ou deixar de passar... UTLA! Dava-me um fanico, uma sulipampa. Ficava esticadinha no chão com os olhos em cruz e a lingua de fora como a  Mafalda do Quino quando é pega de surpresa. 

Em 10 anos, que é o tempo que moro no Brasil, muitas mudanças, convulsões, indagações, crises existências, vá, aconteceram. Sim, as crises existenciais sãos direitos que nos devemos assumir sem receio que alguém diga: " Ah! Isso é mimimi! É para quem não tem mais nada que fazer!". Pois é, era assim que eu pensava também quando as minhas filhas eram pequenas, eu assumia inteiramente a responsabilidade delas, trabalhava e estudava e não parava para dedicar-me a mim e só a mim e até reunir energia para trilhar outros caminhos tantas vezes desejados, nomeadamente artistico profissioonais. Sunblinho os profissionais, pois nestes últimos 10 anos aprendi umas vezes até duramente a ter que firmar a minha, a nossa existência como profissional das artes. Como tal, artistas honrarem artistas ( mesmo que não apreciem o trabalho uns dos outros) e estarem cientes que somos todos trablhadores É FUNDAMENTAL.

Nestes dez anos fui criando e ainda estou a criar o meu repertório autoral, embora já tivesse algum, e adentrei pelo teatro de formas animadas, antiga paixão pelas artes visuais e construção que aos 16 anos fui diminuida e até intimidada por uma professora de artes que falou que se eu seguisse artes visuais ela me reprovaria naquele ano. Enfim... Existe uma malta, uma galerada que projeta as suas frustrações nos outros. O grave é quando estão num lugar de supostos pedagogos. Um professor de artes  que é ou não artista que despreza quem quer ser ou já é.... A arte não o salvou, se é que a mesma salva. 

Adentrei pelo teatro de formas animadas, dramaturgia, audio visual,arte terapia, muñecoterapia. Uma eterna aprendiz que aos poucos vai desbloqueando dessas travas de querer ser logo muito interesssante com um resultado virtuoso de cair o queixo. Para mim pintar, esculpir, construir bonecos tem sido uma jornada de entusiasmo, humildade, dedicação. As formas animadas são um mundo vasto que qualquer pessoa pode acessar. Para mim é assim. Todos são talentosos e habilidosos, depois o que diferencia é quem trabalha e se dedica ou quem vai fazer outra coisa ou faz sempre a mesma sem se reinventar. 

Não deixei de ser atriz palhaça, mas nestes 10 anos tenho vivido na pele, para não falar que só tenho pensado porque ísso é teórico de mais: que ser bom palhaç@ é uma mistura de irreverência,delírio, boas intenções e solidariedade. Isto para mim, claro! Onde há muita mesmice e disputa de ego há qualquer coisa, ou muita coisa, que se perde pelo caminho. Isto para mim, CLARO!

 A Piu

Br, 12/07/2022


Bonecas auto retrato realizadas durante a pos diplomatura em Muñecoterapia, Chile.

#muñecoterapia

domingo, 10 de julho de 2022

À MESTRA ISMINE


     8/11//21 Querida Ismine. Saudades de você. Sinta-se abraçada.

     8/04/22 Também sinto saudades de todos, mas estou descobrindo que é bom sentir saudade. Vc é uma pérola rara queria morar perto de vc.

Oh querida Simone! Como vc tá minha querida? Tenho pensado em vc. Um grande abraço no coração.

10/4/22 Sou Ismine, (oooooopssss.... Claro que é a Ismine!....)

Desculpa Ismine! Foi o corretor automático! Nem tinha percebido se vc não avissasse!] Com vc tá? Um beijo Saudades.

11/06/22 Oi Ismine! Como vocês está? Suadades


querida Ismine, eu nunca chamei mestra ou mestre a ninguém. Além de não fazer parte da minha cultura eu considero que mestre é aquele que aponta caminhos para que os demais se desenvolvam sem temer ser passado para trás e não ser endeusado. Para mim é uma honra ter a oportunidade de te ter conhecido pessoalmente, pioneira do teatro lambe lambe com a Denise di Santos. Ádmiro-te pela tua força, utopia, inspiração e a grandeza da humildade. Sinto-me honrada por me considerar um pérola rara. Saiba que é esse o sentimento que eu nutro por você, Ismine. A sua passagem por aqui deixou muitas sementes de pérola, artistas utópicos que levam teatro de miniatura às ruas. Não conheço sacada mais democrática e popular ( populista não...) de compartilhar arte, cultura e educação.

Que a tua passagem seja leve porque viva estarás sempre no meu, no nosso, coração. ATÉ SEMPRE ISMINE LIMA!!!

Ismine, Ismine! Olha aqui o cavalo Faísca que atravessa o espaço sideral à velocidade da luz lembrando que nós somos assim, poeira que brinca no ar e se junta e se distancia para se juntar como uma dança?

A Piu

Br, 10/07/2022

sexta-feira, 8 de julho de 2022

PIU E OS PRINCÍPIOS INVIOLÁVEIS


 Estamos no ano de 1993 ou 94, tenho entre os 19 e 20 anos. O chapéu eu recuperei do Centro Cultural de Évora, onde frequentava o curso de atores, e estavam a fazer uma limpa no guarda roupa da companhia de teatro. Olhei para aquele chapéu de Robin Hood, pisquei-lhe o olho e este retribui-me com uma piscadela. A partir dali eramos inseparáveis, fosse Verão ou Inverno lá andava eu com o chpaéu colocado do meu jeito maneira. De chapéu de figurino passou a ser chapéu do dia a dia da Piu. Em sessões fotográficas como estas para o meu portfólio até à ida para Berlim na tentativa de me adaptar aquele clima e sociedade, visto ter alguma atração por esta cidade que conhecera em 1991 com dois camaradas e amigos num mochilão on the road pela Europa de Leste ( Hungria, ex Tchecoslováquia, Polónia e Alemanha) sem deixarmso de passar pela ocidental cidade de Amesterdão, capital do consumismo cool. ;) Nessa viagem de 1991 ( ou 92? Confirmem aí Xico e Tiago) nós confirmamos que o regime soviético tinha ido abaixo. Budapeste deu-nos as "boas vindas" com fast food por todo o lado e cueca cuela nas mãos de toda a gente. Um choque para nós, que mesmo assim Lisboa não estava nem era norte americanizada como aquela cidade que 2 ou 3 anos antes estava do lado de lá do ocidente.

Esta é uma foto que retrata os meus primórdios de atriz profissional, teatreira por opção de vida como muitos de vós outros estão aqui a ler-me. Se não for nessa profissão será noutra. Escrever também é uma profissão, assim como uma ferramenta de ativismo. Então, para mim é assombroso, desnecessáriO, desrespeitoso  diminuir alguém quando não concordamos com as suas ideias ou muito provavelmente a sua interpretação do que lê e observa não tem a ver com o que lá está escrito ou manifestado em outra linguagem. O mais assombroso é quando essa diminuição vem de parte de mulheres. Já me aconteceu umas três ou quatro vezes´, normalmente com alguém que ou não temos afinidade e que ao limite nunca nos vimos a não ser nas redes sociais... O que é curioso é que inicialmente nós somos  o ma´ximo para elas, curtem tudo o que se publica nas redes sociais, mas em algum momento existe ali uma faísca onde o que se pega é em escarnecer do trabalho da outra mulher, da outra mina. Não vou dizer mana porque isso cheira aforçado. Não, não somos todas manas. Mana é quando pelo menos a tentaiva de entender a outra parte está presente, colocar-se no lugar do outro. Eu prezo isso. COLOCARMOS-NOS NO LUGAR DO OUTRO. Com isto não quero lavar roupa suja, mas fico a pensar o porquê de reproduzir um desrespeito com o trabalho de outra pessoa, quer apreciemos ou não. Eu não me lembrei de fazer teatro há duas horas nem de escrever à meia hora, tampouco não comecei a viver há 5 horas e refletir há 10 minutos. Penso que o mesmo se passará com vós outros. 

Para mim mais do que a importância dos movimentos sociais é a importância dos movimentos interpessoais. Não temos que concordar com tudo o que os outros pensam, embora existam factos. A opinião tem que vir a partir de factos. A opinião pela opinião é achismo, fake. Eu também não obrigo ninguém a concordar comigo e ao limite agradeço que me avisem quando estou equivocada, mas com maneiras, com educação. Não é dizer pelo virtual: " Ai cachopa, parece que levou a picada do teatro e agora fala coisas nada a ver." ou " Você escreve porque não tem mais nada que fazer. É priviligiada!" OIA! E ESTA, HEIN? Além de ler e escrever desde a mais tenra idade, eu tenho trinta anos, trinta e dois vá, de trajetória de teatro. Poderia ter dois anos ou até dois meses. Além desse argumento ser fajuto é escarnecer das escolhas, do trabalho de alguém. E quando estamos a falar de pessoas que supostamente defendem o direito dos trabalhadores então aí cai mesmo mal essa distorção de valores. Existem principios inviolaveis. E quando se esquecem há que avisar.

A Piu

Br, 08/07/2022

quinta-feira, 7 de julho de 2022

SEMPRE HÃO-DE NASCER MARGARIDAS NO JARDIN


Poderia dizer que a Margarida Tengarrinha, hoje com 94 anos super estilosos e lúcidos. é uma ancestral minha. Não sei se ela concordará como comunista, muito provavelmente ateia. Sendo que a ancestralidade é a herança do espirito que passa para outro ser vivente. Considero-a minha ancestral pela sua resistência e ativismo anti fascista. Artista, visual, escritora, professora e revolucionária passou à clandestinidade em 1955 com o seu marido e pai das suas filhas, José Dias Coelho. É ela e o marido trabalham na parte gráfica do jornal comunista " Avante" e na falsificação de documentos para os clandestinos do partido. A 19 de Dezembro de 1961, José Dias Coelho é preso e assassinado à queima roupa pela PIDE (Policia Internacional de Defesa do Estado). Margarida nunca foi presa e abre fuga para Moscovo e depois para Bucareste. Em Moscovo trabalha com o Secretário Geral do PCP, colaborando na redação do seu livro de 300 páginas Rumo à Vitória – As tarefas do Partido na Revolução Democrática e Nacional. Concluída esta tarefa parte para Bucareste na Roménia, onde é editora da Rádio Portugal Livre,transmitida clandestinamente em Portugal.
Em 1968 Margarida volta a Portugal, regressando à clandestinidade. Em 1972 organiza uma manifestação no Porto contra a Guerra Colonial, da qual se estima que terão participado 40.000 pessoas. Aqui temos um dado que eu desconhecia e passo a retificar no meu trabalho de final de curso em Muñecoterapia em que escrevo que o anti colonialismo não era pauta obrigatória dos partidos de oposição, no caso do partido comunista. Mas essa preocupação de pôr fim À guerra em África é posterior. Segundo o músico de intervenção José Mário Branco, que foi desertor da guerra, nos anos 60 o partido comunista defendia que os soldados comunistas fossem para a guerra para fazerem propaganda politica. Um paradoxo que o próprio Zé Mária aponta. Ele não queria matar ninguém nem ser moto. Naturalmente óbvio.
Escutar uma entrevista com Margarida agora aos 94 anos é delicioso. A sua lucidez e a sua memória de factos é de tirar o chapéu. Um dia ou dois após a revolução em 74 ela fala para pescadores, estivadores e operários num coreto no norte de Portugal. Depois de muito se enaltecer, o Movimento das Forças Armadas que deu o golpe militar mais a liberdade e os cravos de Abril ela toma a palavra. E essa senhora com os seus 44 anos dirige-se aos trabalhadores parabenizando as suas mobilizações e greves em 1972, durante vários dias, uma delas de 72 dias onde muitos foram presos mas mesmo assim conquistaram alguns direitos. Lembra assim que a resistência não foi só dos partidos ou dos capitães de Abril, foi também dos trabalhadores que se organizaram com todas as adversidades dum regime fascista.
O entrevistador pergunta se em 74 havia a eminência de se instalar uma ditadura comunista. ela responde que infelizmente não. AÍ EU DISCORDO. EU QUERO VIVER EM DEMOCRACIA. FASCISMO E DITADURA NUNCA MAIS. Ela e os seus camaradas que são de um outro tempo terão as suas razões e os seus dogmas. Mas há uma pulga atrás da minha orelha e que não há maneira de sair: a Margarida, o Cunhal e tantos outros concordavam com as atrocidades do stalinismo ou por serem estrangeiros só lhes era mostrado o que convinha? Mas depois da queda do muro de Berlim a informação vazou. Já não havia propaganda que escapasse a esse regime assassino. Agora gerações mais novas, que não passaram por toda essas lutas e não abrem mão um dedinho que seja dos seus dogmas com toda a História e informação que está aí é que é estranho. É como defender o Sendero Luminoso no Peru, que em nome da revolução popular mal tratou, torturou, estorpou e matou camponeses e indigenas. Sinto muito, e por ser de esquerda não assino em baixo e denuncio. Não dá para aceitar o inaceitável.
Pensei em fazer uma banquinha perto da ciclovia da universidade aqui próxima e vender barbas postiças com umas boinas pretas com cabelo postiço, como aquelas do Bob Marley que se vendem com rastas de lã, mais uns pedaços de muro grafitados que dou uma marretada para ficarem em pedaços e vender como sendo os restos do muro de Berlim. Mas como tenho dúvidas se a piada iria ser entendida e bem aceite ou se eu não me iria meter numa grande cilada com os alunos e professores com quem me cruzo há anos e nem " Bom dia! nem Boa tarde" porque o olhar periférico fica restringido aos seus afazeres. É melhor deixar quieto! É melhor rir aqui dentro desta contextualização conjectural.
Porém, contudo, todavia: AVANTE EM TIRAR COISO DO TRONO!
Ê boilá!
A Piu
Br, 07/07/2022