sexta-feira, 18 de maio de 2012

Do Silêncio Revelação - Bernardo Sassetti

Cá por casa espassarinha-se um daqueles aparelhos sem fios denominados ora por telemóveis, ora por celulares. Aparelho esse que sem visto de entrada já veio chegando de terras lusas com a sua respectiva operadora lusa. Sem entrar em grandes teorias da conspiração, o que é facto é que através do dito aparelho a pessoa está localizada no espaço planetário, mesmo que se refugie entre serras, serrados e cachoeiras.
Bom, mas não é isso que vem ao caso! Pois atrás duma teoria da conspiração vem sempre uma cultura do medo. E quem não deve não teme. E se temer é porque a coisa pode estar bem feia. E espero que não se chegue a esse ponto. Espero!...
Adiante. Num destes dias, como todos os outros que são contemplados com 24 horas, recebi uma mensagem erótica. Aí pelas 6 da manhã. Feitas as contas, umas 10 em Portugal Continental. Percebi que não era para mim. Primeiro porque vinha contextualizada, depois eu conheço a pessoa em causa, mas não somos assim tão próximas. Sem crédito no dito aparelho, não respondi. Passados uns minutos recebo outra a pedir desculpas. Assunto resolvido.

Uns dois dias mais tarde, recebo uma mensagem dum amigo que vive em Lisboa: “Te amo…”. Umas horas depois novamente: “Te amo…”. Bom… Acho que não é para mim. Esta coisa de vir no início da lista, por ser Ana, pode dar azo a confusões. Não respondi, porque não tinha crédito. Mas será que ele mi ama? Nãããã. Seria demais, o sujeito esperar eu me ausentar para se declarar. Mas tudo é possível… Objectivamente: o rapaz deve ter enviado por engano. Vou informá-lo no facebook, em privado. “Olá! Mandaste-me um sms por engano.” Tic Tac Tic Tac. Não obtive retorno. Das duas três: ou o jovem rapaz ficou constrangido ou a mensagem se diluiu na cacofonia do face ou ele nutre por mim um amor platónico. Diria que virtual. Uma espécie de osmose asmática. Quer, mas não sabe se quer. Tem vontade, mas não é para já. Deseja, mas à distância. Em suma, uma osmose que dá falta de ar de nunca se consumar. Enfim, uma osmose asmática. Fora de brincadeiras sérias, o rapaz deve-se ter enganado no número…

Ontem quando cheguei a casa trazia uma nostalgia no peito. Um vazio que não se traduz em palavras. O vazio que faz parte da vida. Assim como a morte que também faz parte da vida. E de vez em quando a morte surge ou simplesmente o seu prenúncio emerge onde tudo parecia normal. Percebo, então, o quanto isso cria um vazio cá dentro. O amigo Bernardo Sassetti faleceu. Amigo duma amiga íntima. A última vez que me cruzei com o Bernardo foi há uns meses atrás, ironicamente perto da Maternidade Alfredo da Costa em Lisboa. Eu ia com as minhas filhas e ele falou-me dos seus filhos. O que ele estava a fazer. O que eu estava a fazer. Uma conversa casual. Despedimo-nos.

Ontem, ao trazer esse vazio no peito, deparo-me com um sms no aparelho luso: “O Bernardo Sassetti morreu”. Só assim. Vinha um número, mas o nome da pessoa não.

Depois pensei: Caramba!... Eu já sei que ele morreu. Mas dito assim choca ainda mais. Eu sei que há pessoas que lidam com a morte de forma pragmática, mas eu dispenso esse pragmatismo. Aprecio alguma solenidade, que não precisa de estar dentro daqueles cânones religiosos o nool das banalidades. Mas soa-me diferente se alguém disser:”O Bernardo partiu”; “Que descanse em paz onde estiver”;”Adeus Bernardo, até já”.

E depois há outra coisa que eu ainda acho. Eu cá também acho muitas coisas… Há aquela malta, não digo que tenha sido o caso, que tem um gosto algo macabro em dar notícias trágicas.

Quanto ao uso das palavras, em terras lusas há uma certa contenção em dizer:”Amo-te”, “Odeio-te”, por aí a fora. Um cero pudor expor emoções, talvez.

No caso, as palavras de homenagem que posso deixar ao Bernardo são:”Obrigada por teres contribuído neste mundo com a tua arte de pianista. E obrigada pela pessoa genial e humilde que foste. Amo a tua genialidade humilde.”

E já que homenagear é bom e sabe bem; talvez seja melhor ainda homenagearmo-nos de vez em quando. Pelo menos umas vezezinhas como quem vai aos treinos. Homenagearmo-nos em vida e quando estamos próximos uns dos outros, mesmo que a distância física nos separe.

Barão Geraldo, 12 de Maio de 2012

Voçê sabe quem limpa sua sujeira?



Tenho me  cruzado  um papelito colado numa parede: Voçê sabe quem limpa a sua sujeira? Existe outro papelito por debaixo que tece considerações sobre deixar o local limpo. Aprazível. Já fico satisfeita com a primeira pergunta. E o “sua” reverbera no neurônio. Pois é... Mas alguém tem mesmo de limpar a minha sujeira? E um monte de histórias, historietas surgem cintilantes e lustrosas, mais um comboio de perguntas. Aliás! Um trem! Primeira pergunta: “Mas alguém tem mesmo de limpar a minha sujeira?”. Segunda: ”Donde vem esta mania de alguém limpar a minha sujeira?”. Terceira: “Que sujeira eu faço quando faço sujeira?”

Bom! “Mais bon! Ahhh bahh oui! Portugaise! Bien sure! Ma mére as une femme du ménage portugaise!”, intercede uma ilustre colega de escola lá no Paris da França. Cof Cof. Podia-lhe ter respondido que a minha tia também tem um caniche de raça francesa. Mas parece-me que este cinismo não iria contribuir em nada. E respondo (em françiu):”Olha, pois ainda existem, por enquanto, pessoas a viverem em Portugal. Nem todos migraram. (isto passou-se em 96...). E nem todas pessoas são femme du ménage. (...) Mas a coisa vai em degradé pelo mundo, tu vois? Conheço um senhor da Guiné Bissau que é pedreiro em Portugal e na Guiné estava na escola de Belas Artes. No final onde uns são criados, noutro lado são patrões. Mas só nalguns casos, falo...”; “ Ahh! Mas existem escolas de Belas Artes na Guiné? E escolas de arte dramática em Portugal?” Dramático.

Uma amiga, que além de trabalhar e ser pessoa, é mãe dizia-me: ” Quando a minha casa tá de pantanas é sinal que produzo bem. Que dou vazão aos artigos que tenho de escrever”. Confesso que gostei da perspectiva. Que ter a casa de pantanas, com um filho ou dois a esculhambar a pouca organização que ainda conseguimos manter... E depois escrever artigos!! Epa! Tiro o meu chapéu e alivio-me de não ser a única a ter consciência do caos eminente e de tantas outras responsabilidades. Apesar de reunir esforços para que a coisa se mantenha respirável... Tenho aprendido minimamente... Ehehe.
Uma amiga inglesa com que partilhei casa dizia-me que limpar a sua sujeira só ela mesma. Concordo. Vai que não vai no meio de alguém limpar a nossa sujeira deita para o lixo segredos subtis de nós mesmos. Nããã. E limpar a minha sujeira ajuda-me a organizar cá dentro. Porque afinal quem limpa a nossa sujeira interior? O terapeuta? O tal livro do “How to be happy in 5 minutes”? Num mi parece. Podem dar uma ajudinha. Pero!...

Quando andei pelos Berlins da Alemanha entendendo o modus vevendis da dita cidade acompanhei uma amiga ao infantário do seu filho. O sistema de limpeza do dito era rotativo pelos pais/ encarregados de educação das crianças. Genau! Faz sentido! Nós, os utilizadores do espaço, tratamos do mesmo para que os nossos filhos se sintam bem. E nós também.  Além de ser uma forma das pessoas se conhecerem duma forma construtiva.

Lá num seminário na Dinamarca, cuja programação diária dos dez dias era bastante densa, foi criada uma tabela de trabalho para as dezenas de participantes. Cada dupla ficava responsável pela limpeza e manutenção do espaço.

Bom!... Já que o deslumbramento, o fascínio pelos países ditos desenvolvidos e ricos é muito então porque não seguir o exemplo? Já que se questiona que esta coisa de ter faxineira/mulher da limpeza, motorista são resquícios da escravatura. Quanto a mim não quero ir tão longe quanto à escravatura. Fiquemo-nos sós pelo servilismo.

Bem sei, que aqui pelo  Brasil existem relações de entre ajuda entre a pessoa que faz a faxina e quem “contrata”. Essa pessoa, algumas vezes, passa a ser como um membro da família.  Mas a questão continua: “Essa pessoa faz faxina, porque provavelmente não pode vislumbrar outro tipo de trabalho.”
Eu sei que sabe muita bem chegar a casa e ter tudo limpo e arrumado. Sabe mesmo bem!  Às vezes (muitas vezes) eu gostaria de ter esse privilégio. Mas não deixo de achar curioso quando se faz uma festa a primeira coisa em que se pensa é chamar uma faxineira para depois da festa. Pôô!! O pessoal que curtiu à brava não é capaz de limpar a sujeira da festa, em conjunto?... Hmmmm, num sei, não. Né? Bora lá sermos modernos, pós modernos, pós pós modernos e limpar o pó que nós levantamos. Num é mesmo? Pode até ser divertido, não? Continuar a festa com uma musiquinha, umas bebiditas e uns petiscos para acompanhar enquanto se limpa a nossa sujeira. Que tal?


Barão Geraldo, 18 de Maio de 2012

domingo, 6 de maio de 2012

Depressa, devagar


Diário de bordo,

Entre Abril, sonhos e afazeres mil e o tal Maio maduro Maio de quem o pintou.

Há vacas no caminho. É de noite. A caminho da serra com cachoeira seguimos o corta mato que vai de casa até à estrada de asfalto. Pisamos bosta de vaca e tememos os impulsos bovinos. Fuuuuuu! Ainda bem que comem ervas. E bostinha de vaca, quando seca, até parece wetabix. Belhaque! Ehehe! Voltamos para trás para fazermos o caminho maior e pedir a um vizinho para emprestar uma torneira por instantes. Somos acompanhadas pelo atalho da fazenda por dois vizinhos. Um deles ainda vem fardado do serviço militar. Será que a sua farda incute mais respeito às vacas e os respectivos bois? Os vizinhos dizem que na noite elas se assustam e que correm em linha recta. Não há que temer… Bom, se a minha linha recta for a mesma que a manada… Valeu! Boa Páscoa, mesmo para você que trabalha nesse dia!

Caminhamos pela trilha até à cachoeira. Tento dar conta das leituras. Entre uma leitura e outra, confirmo que viver, partilhar momentos com as pessoas tem tudo a ver com o tal “Ensaio sobre a dádiva” do Mauss que estou a ler. Tranquilizo-me por não estar a ler consecutivamente, como até desejava. Viver para compreender as leituras realizadas acaba por ser um caminho que encontro sentido.

Tomamos banho de cachoeira. A força da água e da natureza é sempre aquela força. Mas já anseio um vislumbre de mar. Cheiro a peixe e maresia. Será que quem cresceu junto ao mar carrega este karma? Tive uma professora chilena que dizia que quando veio para Portugal não se conseguia orientar. Faltavam-lhe as Cordilheiras. Mas eu acho que como era pintora sempre podia pinta-las na imaginação.

(…)

De manhã corremos pelo caminho das vacas para pegar o ônibus para ir para a escola. As vacas não estão lá. Duas águias poisam numa árvore no instante que passamos. Seria bom elas nos darem uma boleia/ carona como nos filmes animados. Poupávamos tempo e dinheiro e podíamos ver o percurso de cima.
O caminho é de barro vermelho. Na sala dos computadores, depois de ter saído por instantes, vejo uma longa trilha de terra. Epa! Alguém trouxe os sapatos sujos… Espero não ter sido eu, auto convenço-me. Quando chego ao meu lugar está uma instalação de terra seca… Epa! Fui eu… A urbanoíde que agora vive na roça… A urbanoíde que nem capinar sabe, que nem uma singela hortinha ou umas flores sabe plantar… Pelo menos, tem de ter mais cuidado quando chega à urbe!

Maio está à porta. Depressa, devagar. O tempo galopa preguiçosamente. Parece que foi ontem que chegámos e parece que já faz tanto tempo. Novos amigos aparecem, mais a saudade dos outros que estão longe fisicamente. Quem te de se encontrar, encontra-se nalgum momento. Acredito.

Primeiro de Maio. Sonho que sonho que já não é um sonho que quem trabalha tem direito a ter uma vida digna de não ser precária.

Depressa e devagar vamos conhecendo e dando-nos a conhecer. Quando há sol o verde fica mais vivo e aquece o peito. Quando chove e o domingo fica cinzento o dia inteiro é bom ter amigos em casa e crianças a correr pela casa, mesmo quando só fazem disparates e o exercício de relativização tem de ser accionado.

Depressa, a lua tá muita grande e amanhã é dia da mãe! E ela é às vezes é de luas! Hoje ela tá numa lua boa! Lá com o seu nariz vermelho vai viajando com o público.

Devagar, devagarzinho adormecemos por que amanhã é outro dia e qualquer dia já é outro mês, e mais outro mês, e outro ano e outra década. Devagar, devagarzinho que os dias são para se viverem, saboreando-os.

Depressa, depressinha digo um “I aí?” para que a lembrança de quem nós gostamos não caía no esquecimento.

Barão Geraldo, 6 de Maio de 2012