segunda-feira, 30 de junho de 2014

BOAVENTURA, AMIGO DO MIGUEL FALCÃO#



"A ciência moderna não é a única explicação possível da realidade e não há sequer razão científica para a considerar melhor que as explicações alternativas da metafísica, da astrologia, da religião, da arte ou da poesia. A razão por que privilegiamos hoje uma forma de conhecimento assente na previsão e no controlo dos fenómenos nada tem de científico. É um juízo de valor. A explicação científica dos fenómenos de autojustificação da ciência enquanto fenómeno central da nossa contemporaneidade. A ciência, é assim, autobiográfica. (...) A ciência moderna produz conhecimentos e desconhecimentos. Se faz do cientista um ignorante especializado faz do cidadão comum um ignorante generalizado."

Boaventura de Sousa Santos, "Um discurso sobre as Ciências", Edições Afrontamento;Porto, Portugal; 1988

# Miguel Falcão, de nome artístico Michel Foucault

QUANDO A INTELIGÊNCIA SÓ ATRAPALHA, PORQUE TUDO EMBARALHA, LOGO A COISA FALHA


Queridos e queridas leitoras desta vossa ilustre Dótora Lorena

A Dótora Lorena tem andado ausente pois o seu conhecimento empírico funda-se numa epistemologia do esvaziar a mente para que esta se preencha de conjeturas mais clarividentes.
É certo que a clarividência é uma construção do ser humano que quanto mais usa a cabeça mais se esquece do corpo e da alma. Corpo este provido de um coração pulsante umas vezes no tom e no compasso, outras arrítmico.

A inteligência, contrariamente a estudos quantitativos utilizados na modernidade até ao pós modernismo e sua posteridade, não se mede. A inteligência é todo um conjunto de sincronias orquestrais entre sensibilidade, humor, otimismo, admiração por si mesmo e pelos demais, clareza nos seus intentos quanto às emoções sentidas. Se o ser vivente é um acumulador de informações, conhecimentos que muitas vezes não são aplicáveis à vida social prática, a sua inteligência carece de interação num construtivismo da sua própria ação no tempo e no espaço.

A Dótora Lorena adverte que a interação entre seres vivos, interação essa provida de afetos, transparência, honestidade em nos sabermos falíveis, é fundamental para que essa orquestração de inteligências várias entre agentes tenha o sucesso esperado. Sucesso esse assente numa compreensão mútua e num valorizar de quem nos ama e nos quer bem.

Dótora Lorena ao vosso dispor
trata de enguiços e casos de (des)amor
lê búzios
e cita Confúcio


Braziu, 27.06.2014

GRACIAS A LA VIDA


"Gracias a la vida" é sempre bonito de escutar tanto na voz da Mercedes Soza, da Violeta Parra como da Elis. Gosto muito da profundidade da voz da Mercedes. Tem muito sentimento. Desta vez a Elis Regina não superou o compositor, como faz com o Chico e o com o Milton.

Violeta Parra, para mim, é uma chilena de referência, como o Vitor Jara e a minha professora de pintura, cujo nome não me recordo. Nos meus 16 anos na minha terra à beira mar plantada, essa minha professora chilena, além de me ter ensinado a pintar com café, nunca julgou o processo do trabalho. Nunca falou para nenhum aluno que por mais que ele tentasse nunca seria bom, nunca conseguiria.... Gosto profundamente desse tipo de pessoas, que incentivam e não desmoralizam. Lembro-me também dela dizer que se sentia um pouco desorientada, pois estava habituada a ter as Cordilheiras como referência espacial. Achei muito curioso. Anos mais tarde isso aconteceu-me e acontece-me com a ausência do mar.

Há uns meses atrás conheci um bonecreiro chileno na Argentina. Muito gente boa.
Gostaria de conhecer o Chile e seus habitantes. É o que tenho para dizer às vinte horas e vinte minutos do horário de Brasília no dia vinte e oito de Junho de dois mil e catorze.

Ana Piu
Brasil, 28.6.2014

foto: Violeta del Carmen Parra Sandoval (San Carlos, 4 de outubro de 1917 — Santiago do Chile, 5 de fevereiro de 1967) foi uma compositora, cantora, artista plástica e ceramista chilena, considerada a mais importante folclorista daquele país e fundadora da música popular chilena.

VIVA A IDADE DO ARMÁRIO QUE HÁ DENTRO DE NÓS


Será que a idade do armário passa alguma vez? Considerando que dar uma "descansada" só faz bem e não faz mal, e que para a fazer pelo menos uma prateleira tem de estar desocupada, talvez de vez em quando voltar à idade do armário não faça mal e só faça bem!

Pipiripipiu
Br, 29.06.2014
Claude Cahun
Self-portrait in cupboard

PARA NÓS TODOS


Para aqueles que foram
para os que ficaram
para os que com uma cheia de nada
deram ao a volta ao texto
para os que engoliram o sapo todo
e para outros que aceitaram engolir só um pouquinho
para os que resistiram e quase desistiram
para os que também desistiram
e nem por isso são menos ou são mais
para os que não se esqueceram de sorrir
para os que se abraçaram quando as portas se fechavam
para os que conseguiram saltar pela janela
para os que viraram a mesa
para os que ainda espreitam a porta entre aberta
para os que nunca se esqueceram de ser quem são
de onde vieram
para os que beijaram o chão para saciar a sede
para os que se agarraram a uma nuvem e voaram e voaram pedalando com as pernas suspensas no ar desejando outro viver e outro sonhar

Ana Piu
Brasil, 28.06.2014

quinta-feira, 26 de junho de 2014

A MULHER ESTEROATIPICA


Era do tipo que ligava os estereos
e tipo ficava em mono
tentava ficar isostérica 
mas ficava histérica

Era do tipo que tipo
não tinha tipo para os estereótipos
e tipo fica monolítica, paralitica, critica, que até a perna estica

olhava para o sol
mas não mordia o anzol
e lá ficava ela
isostérmica
a ver se não ficava anémica
tipo assim
com a querer livrar-se daquele frenesim

texto: Ana Piu
Ana Piu (Lisboa (Portugal), 1973 é aquilo que é deixa ser e deixa de ser. Além de ficar, é e também está.
Barsil, 26.06.2014

ilustração: Marta Madureira
Marta Madureira (Porto (Portugal), 1971) é uma ilustradora portuguesa. Além de ilustradora é designer de comunicação, docente, realizadora e editora.



terça-feira, 24 de junho de 2014

DIÁRIO DE BORDO (algumas ideias aparentemente soltas com uma imagem que aparentemente não tem a ver com o texto)



Meu querido diário, penso que o jogo já acabou. Será que o Brasil ganhou? Ouvi um Gooool e uns foguetes. Jogar em casa acaba sempre por ser jogar em casa. De vez em quando quem vem de fora dá umas abanadas. Umas lufadas de ar fresco. Penso nos artistas estrangeiros que enriqueceram o Paris do século XX e agora enriquecem Berlim do século XXI. Circular cria novos olhares e outras ousadias. Ontem falei ("disse" em português de Portugal) para um grupo de crianças dos seus 10, 11 anos que não estavam a acolher um outro de 6, 7 por ser mais novo: Quem já viajou aqui? (alguns responderam os destinos) Quem sabe o que é se sentir estrangeiro? (ficaram calados) Quando vimos de fora é gostoso sentirmos nos acolhidos. Não nos sentirmos estrangeiros, ao limite.

O jogo já deve ter acabado. Não sei quem ganhou. A menina Flor encontra três papelinhos iguais com um adesivo a uni-los. São três ingressos ("bilhetes" em português de Portugal) onde vem escrito o seguinte: Quanto vale a arte? Para os artistas ela vale a própria vida. E para você? Quanto vale? Fazer um espetáculo com "Ingressos no Chapéu" não significa que não custa nada, porque é trabalho de muitos e trabalho custa. "Ingressos no Chapéu" é o modo que encontramos de oferecer a você a possibilidade de dar o seu valor à arte que está vivenciando. E que este valor seja exatamente do seu tamanho. E do tamanho do que esta arte fez com você!"

Meu querido diário, é bom quando nos valorizamos uns aos outros. É o que tenho para te dizer às 20 horas e 11 minutos do horário de Brasília do 12 de Junho de 2014.

Ana Piu
Brasil, 12.6.2014
imagem: Marc Chagall

Segunda lesson da caimbras skol: THE THIN MAN WITH A HAT LIVE IN A SURREALIST LIFE



In fact, the man behind the courthin has a hat. He is not fat. See! Look! He is a lucky man! With a hat, he see the sea! The horizont in front of him! Behind himself there is no hat! Sometimes the life is thin, sometimes fat. In the fact, the man behind the coortuhin has a hat. Sometimes yes, sometimes no.
Corrija os erros gramaticais, de construção frásica e ortográficos.

Ana Piu
Br, 12.6.2014

image: René Magritte, "Hotel Metropole"




Third lesson of caimbras skol: The man and the apple, a surrealistic point of view



Once apoin a time ( aponte se apoin está correto), there was a man who was an apple (diga se o tempo do verbo está certo). The man thought a lot whith the head. He was a talking head (explique por palavras suas quem são os Talking Heads). One day, this man ate the apple (faça uma redação acerca do que aconteceu ao homem depois de comer a maçã) 

Ana Piu
Br, 12.6.2014
image: René Magritte


Lesson 4 of caimbras skol: the kiss, simple question to answer with a such complexity of simplicity



Today they kissed. Who kissed today? Why they don't look to each other? An year, normal, has 365 days. Wich day they kissed each other?

Ana Piu
Br, 12.6.2014
image: René Magritte


ALMAS IRREQUIETAS DA MINHA TERRA


Lembrarmo-nos dos mortos é mantê-los vivos. Não esquecer de onde viemos, a meu ver, é importante. Nunca! Mas nunca ter vergonha das nossas origens e valorizarmos quem considerarmos que valor tem.

Outro dia uma amiga colombiana estava indignada porque alguém achou que o Garcia Marquez era mexicano ou argentino. Outra amiga não viu grande indignação em tal. Mas quando alguém disse que houve um outro alguém que achava que o Gilberto Gil era africano essa amiga entendeu o porquê. Da minha parte, sem patriotismo, também sinto orgulho de dizer que o José Saramago, o Agostinho da Silva, a Vieira da Silva, o António Damásio, a Paula Rego, do José de Almada Negreiros, do Mário Botas, entre outros são meus conterrâneos. Sim, sinto orgulho! Como sinto orgulho do Gilberto Gil, do Jorge Amado, da Elis Regina e outros serem brasileiros e terem contribuído para a minha formação enquanto cidadã do mundo. Ajudaram e ajudam a formar a minha sensibilidade.

Hoje é o aniversário da morte do escritor Al Berto e também do cantor e letrista de António Variações e do nascimento de poeta e escritor Fernando Pessoa.

Também dá estilo dizer que a minha falecida mãe frequentava o cabeleireiro do Variações em Lisboa lá nos anos 80. Mas o que dá mesmo estilo é sabermos que a escrita, a música, a pintura e outras artes e ciências saem para o mundo e que são pauzinhos na engrenagem neste nosso viver efémero, mortal e imortal na medida de quem se lembra de nós e nos valoriza.

Ana Piu
Brasil, 13.6.2014

ÉS MUITA LINDO. ALIÁS! ÉS MUITA QUERIDO!



Meu querido diário, ouvi dizer que a seleção portuguesa está cá na cidade. Olha! Ainda agora vim de lá e não vi nem Cristianos, nem Ronaldos. Sim! Porque a partir de agora qualquer tuga que se preze já não é nem Manuel, nem Joaquim e sim! Cristiano ou Ronaldo ou tudo junto! Está o maior uáuê! A moçada, a meninada está derretida com aquele gato madeirense!

Chego à casa da amiga da Nina e a mãe da amiga está a escutar pelo you tube aquele velho vinil, que eu tenho, dos Led Zeppelin que foi gravado no ano em que nasci. Ao Page até consigo achar um gatorro! Quando nos despedimos digo isso para a mãe da amiga, que também é minha amiga. Sim! Quem gosta de escutar Led Zeppelin a esta altura do campeonato eu quero ser amiga. Ela responde:" O Cristiano Ronaldo já não é da nossa geração!" ao que respondo: " Nem os Led Zeppelin. Tem mais a ver com uma onda." Na verdade deve dar muito trabalho a pessoa enamorar-se por um pop star. Mas venha um pop star com estilo a um Ronaldo, que nem consigo imaginar que conversas poderia ter com o sujeito, do que nos poderíamos rir juntos. Enfim, Cristiano Ronaldo és muita lindo e aliás querido mas não me convences. Jogas bem mas não me alegras!

pipiripipeu
Brasile, 13.6.2014

PROVOCAÇÕES DA FADA MÁ DRINHA



Queridos amigos, amigos, desconhecidos nacionais e internacionais:
Ontem os meus conterrâneos sofreram um forte desgosto. Perderam contra a Alemanha. Eu, que nada ligo a futebol e até brinco com o gato das botas, o Cristi Ron Ron, passei a admira-lo mais. Porquê? Porque ele vem mostrar aos comuns mortais que ele também é um comum mortal e que carregar com as expectativas de ser o melhor jogador do mundo é lixado. Ingrato. Vem cá Cristi! Dá um abraço! Perder uma batalha não é perder a vida! E olha! Não temas esse tipo de alemães, até devem ser uns gajos porreiros que são pagos como tu para entreter o povo! E a alma do desporto é saber perder e saber ganhar sem caganças, vaidosisses vãs. O que devemos temer são outro tipo de alemães (aliás! outro tipo de déspotas e jogadores da vida que se acham infalíveis e superiores. Esses sim devemos fazer tudo para que não nos vençam!). Há alemães muito porreiros e amigos para toda a vida! Sou amiga de alguns. A questão nem é a nacionalidade, essa só atrapalha, a questão é a mentalidade.

Aqui podemos ver duas imagens. A primeira é uma foto com uma menina semelhante à Angela. Não é a Angela mas podia ser. A segunda é Angela a responder ao Adolfo: " Já só falta um pouquinho do prometido!"
Enfim, a rir também afastamos os fantasmas e monstros.

abraços honestos, mas irónicos, da vossa Piu que nos quer bem
Piu, aquela que tem feições de judia
Br, 17.6.2014

GOSTO SINCERAMENTE DESSE POVO


Nunca fui ao México. Gostava de ir. Dizem que a cidade do México é das maiores do mundo. Não me apraz cidades monstruosamente grandes, mas há um lado cosmopolita no mais profundo do meu ser que aprecia a movuca da cidade. Aliás, a movuca do cosmopolitamismo das cidades seduz-me deveras. Por isso gosto de Berlim. Pode-se andar de bicicleta, tem espaços verdes e é tem gente de todo o lugar. Gosto. Gostava muito de conhecer os México com suas praias, regiões rurais e gentes da terra que sonham. Quando vou em encontros internacionais são os mexicanos e as mexicanos com quem crio mais proximidade. Posso dar dois exemplos desses encontros internacionais só para me armar em boa  : Odin Week na Dinamarca e École Jacques Lecoq no Paris de la France. É com os mexicanos e as mexicanas que eu mais converso e riu e passeio. Os chilenos também são boa onda, assim como os equatorianos, colombianos e peruanos. Assim como os brasileiros e espanhois. Gosto de pessoas. Mas sinto muita afinidade com o povo mexicano. Também já conheci um ou outro mexicano no Brasil. Boa gente com a qual sinto um carinho especial. Também posso nomear a Frida Kahlo e do Diego Riviera. Mas isso já considero cliché. A Frida no facebook é uma pop star. Gosto dela e dos que não são tão pop star. Gosto de pessoas. Também gosto de animais e plantas. Vááá! Mas agora estou a falar de pessoas.

Ana Piu
Brasil, 18.6.2014

ENGOLIR EM SECO COM FOUCAULT EM BARÃO GERALDO

"Provavelmente terá sido apenas no Brasil e na Tunísia que eu encontrei, entre os estudantes, tanta seriedade e tanta paixão, paixões tão sérias e, o que me encanta mais do que tudo, a avidez absoluta de saber", disse Michel Foucault sobre um dos aspectos de sua rica e tumultuada experiência de viajante, professor e intelectual engajado em plena ditadura militar brasileira, cuja a truculência não consegui interditar a "contraconduta" (conceito cunhado mais tarde pelo filósofo que, naquela época, era o próprio amor ao saber em plena idade das trevas para o país, de ignorância, repressão e extermínio como políticas do Estado" ¹


Em 1975 Miguel Falcão viajou de Paris para São Paulo com o seu passaporte francês. Ainda não existia o aeroporto de Viracopos em Campinas. Miguel Falcão, português de origem, vinha cheio de novidades boas e fresquinhas sobre o que se passava no seu país natal. A noite longa e obscura do fascismo português acabara ao fim de 48 anos. Miguel Falcão teria de falar em francês para que os infiltrados não entendessem o que falava e que a sua tradução fosse parcial e por códigos. Segundo Miguel Falcão, quem censura ignora toda uma série de conhecimento, logo não é assim tão difícil de ludibriar os censores. Quando os interlocutores falavam no caso especifico do Brasil falavam em África do Sul. "Curioso! Interessante referirem-se ao Brasil dessa forma! No fundo são contextos semelhantes com as suas especificidades.", comentava Falcão sem adjetivar o contexto da África do Sul para não levantar suspeitas.

Fora do espaço físico acadêmico, Falcão conversava longas horas nos quintais das casas de professores e alunos e outros curiosos. Nessa época, Barão Geraldo era ainda mais pacato e não era seguro conversar num boteco qualquer.

Miguel Falcão fez alguns amigos. Juntos brindaram com um jogo de grossas canecas que Falcão trouxera para aqueles com quem criou mais intimidade, "confessando que o autores que mais o marcaram não foram os grandes construtores de sistemas, mas sim aqueles que lhe permitiram escapar precisamente dessa formação universitária, isto é, aqueles para quem a escrita era uma experiência de autotransformação. tais como Nietzsche, Bataille, Blanchot. "²


¹Liudvik, Caio "As contracondutas de Foucault no Brasil", revista Cult, 191, ano 17, Junho de 2014

²Pelbart, Peter Pal " Do livro como experiência à vida como experimentação, uma experiência é sempre uma ficção; é algo que nós mesmos fabricamos, que não existe antes e que não existirá depois" revista Cult, 191, ano 17, Junho de 2014

AS SOMBRAS QUE O SOL DESENHA

Visto de cima dá para ver como lá em baixo como as sombras dos corpos, que levam baldes de água, se desenham pela posição do sol. O sol quando forte seca a terra, mas nunca deixa de ser radiante. Nem as pessoas deixam de caminhar com baldes de água para saciar a sua sede de viver.

Ana Piu
Brasil, 18.6.2014
foto: Arthus-Bertrand

PAIXÃO E AMOR


"El amor no existe, es un invento en noches de borracheira." Assim sou recebida na abertura do face às 9.33 do dia 19 do 6 de 2014 do horário de Brasília. Gosto especialmente do conceito "borracheira"! Eu poderia dizer mais: "Un hombre enamorado, es un hombre borracho!" Bom, mas quem escreveu a primeira frase foi Chavela Vargas e a menina Isabella partilhou. Sim, há que referir as fontes!

Logo me prontifico a comentar nesta bela manhã de quinta, feriado, entre uma copa e uma greve de há semanas, às portas das férias de Julhos em que quase quase literalmente podemos dizer uns aos outros:" Ciao! Até Agosto! Em Agosto se tudo correr bem ainda por cá andamos"

Enfim, logo me prontifico a comentar no post da Bélinha: Uma vez vi uma peça de teatro onde um dos atores (aqui para os conterrâneos: se não estou em erro era o Paulo Claro que dizia esta frase numa das primeiras peças dos Artistas Unidos) falava:" Um gajo bebe e depois apaixona-se!..."

Da minha parte digo: A paixão é uma embriaguez e o amor... quando pleno, é lúcido e desapegado.

Ana Piu
Brasil, 19.6.2014
Histoires d'escaliers ... la suite avec cet étonnant “ spécimen" qui nous fait plonger dans le ventre de la terre ... Sintra, Portugal. — com Marilena Tiugan.

UM SILÊNCIO MUSICAL


O Chico Buarque faz anos. Muitas homenagens são prestadas via facebook aqui e além mar. Encaro com as primeiras que vem de além mar. Quando falo além mar refiro-me à minha terra de origem que não a trato por "terrinha" . Manias minhas! "Terrinha" remete-me para um lugar esquecido, com algum cheiro a mofo, empobrecido por circunstâncias históricas, sociais, culturais e politicas. Principalmente quando o termo é composto pelas duas elucidativas palavras de um modus vivendis operandis: "Santa terrinha". Enfim, para bom entendedor meia palavra basta. E cada um vive, opera e atua como muito bem entende com a salvaguarda de não arrancar olhos aos demais, tampouco atropelar. Penso que é o mínimo exigido para vivermos com uma certa harmonia e respeito pela diversidade humana, animal e vegetal.

O Chico tem feito parte da, diria, educação musical de várias gerações. Muitas vezes me tenho perguntado o porquê do quase total desconhecimento da música popular portuguesa em terras tropicais. Hoje, sem mais nem porquê, uma pergunta assaltou a minha mente, essa maluca que insiste em me dominar e que de vez em quando tenho de pausa-la: "Além da divulgação artística da produção portuguesa carecer de eficácia, quem escutava música portuguesa contemporânea do Chico? Ou melhor, quem no Brasil até 1985 conhecia José Afonso, Sérgio Godinho, José Mário Branco, Adriano Correia de Oliveira, Fausto, até mesmo o guitarrista Carlos Paredes? Quem? Alguém conheceria, por supuesto. Bom, fica a pergunta em suspenso num silêncio musical.

Ana Piu
Brasil, 16.6.2014

CRIAR RAÍZES


Podemos levar a casa às costas e criar raízes. Criar raízes é quando as janelas e as portas estão abertas para olharmos para dentro e para fora e deixar entrar na casa para plantar uma árvore; dar tempo e espaço para que esta cresça, floresça, dê frutos e por aí fora até ao topo da montanha que toca no céu com as raízes que abraçam a terra até ao núcleo central.

Ana Piu
Brasil, 20.6.2014

foto e titulo postado pela Dolores de Matos

QUEM SOU EU?

Anda por aí um filme que por aqui tem o titulo: "A culpa é das estrelas". Há muito que não ia ao cinema e confesso que tenho muita relutância a salas de cinema com público que masca pipoca e engole refris. Eu sei! Eu sei! Sou da velha guarda! Os filmes norte americanos também são escolhidos a dedo: David Lynch, Tarantino. Enfim... Gostos. E de fa(c)to aquela barulheira apocalíptica de perseguições e vinganças não me apraz.

Ontem chorámos no filme. Eu, a Nina e uma amiga. Talvez os cinéfolos (é assim que se escreve?) dirão que é um sucesso de bilheteira mas é tocante. Dois adolescentes com cancro/ câncer que se apaixonam. Quem já andou pelos corredores da oncologia bem sabe que tudo ainda é mais profundo. Mas a história está bem escrita, sem pieguices.

Ontem lembrei-me da história do meu avô que deitado na cama, paralisado, mas lúcido respondeu a uma sobrinha que gritava insistentemente ao seu ouvido, achando que ele estava desnorteado: "QUEM SOU EU, SENHOR MÁRIO?! VOCÊ SABE QUEM SOU EU?! QUEM SOU EU?!" Após um breve silêncio, onde deu espaço uns fornicoques internos da minha parte nos meus 24 anos, o senhor rapaz alentejano de conhecimentos simplórios, habituado talvez a que o fizessem passar por parvo/ lerdo respondeu:" Como é que eu vou saber quem tu és se tu não sabes quem és e perguntas-me?"


Grande avó Mário! Viva a lucidez e o bom o humor que dificilmente a ciência mede!

Ana Piu
Brasil, 21.6.2014
Funny... because it's true...

MICHEL FOUCAULT JÁ ESTEVE EM BARÃO GERALDO


"Pensar é resistir" é a frase chamativa de Michel Foucault na capa da revista Cult, de Julho de 2014.No último parágrafo do dossiê pode-se ler:" Quanto à passagem de Foucault pela Unicamp, Margareth Rago nos oferece o relato do seu colega de universidade e professor de filosofia Luiz Orlandi, que realizou a tradução simultânea. Ele lembra o ambiente animado, das pessoas sentadas no chão de cimento em volta de Foucault que sentado, por sua vez, sobre uma mesinha na quadra de futebol de salão do CACH: " Foucault dizia muitas coisas sem que o seu rosto perdesse o ar de exuberante alegria e o humor de sua cortante inteligência."

Michel Foucault não é originalmente Michel Foucault e sim Miguel Falcão. Tal como Espinoza que viveu na Holanda, Falcão é filho de portugueses emigrados em França. Uma parte da família Falcão também emigrou para o Brasil em plena ditadura fascista portuguesa, nos idos anos 40. Como homenagem à parte da família estabelecida em França começaram a comercializar o pão francês, que praticamente virou moda por todo o Brasil até aos dias de hoje.

No dossiê, no artigo de Caio Liudvik "Foucault no Brasil" pode-se ler no segundo parágrafo: Michel Foucault esteve no Brasil por cinco vezes- 1965, 1973, 1974, 1975 e 1976-, ao menos "oficialmente": há quem diga que fez outras visitas, "incógnitas". As visitas a São Paulo foram em 1965 e 1975."

Em plena ditadura militar, Miguel Falcão não poderia assumir a sua nacionalidade portuguesa. Por um lado não seria tão levado a sério. Apresentar-se como francês teria mais impacto. Por outro lado, a sua família portuguesa, dona de uma grande rede de padarias aconselho-o a não vir como português, pois seria um grande incómodo para aqueles que queriam perpetuar toda uma responsabilidade de opressão no colono que saíra há 200 anos. Como intelectual, vir como português, seria explicar que a burocracia vigente e outras atrocidades eram fruto de uma repressão contemporânea. E elucidar para isso, além de tirar o sentido de humor a muitos que para se valorizarem fazem piadinhas de português, por outro colocar o dedo na ferida seria uma afronta que quase ninguém queria e quer falar até aos dias de hoje. O autor de "Vigiar e Punir" poderia adivinhar as consequências, dado o contexto socio politico da época. Posto isto, Foucault nos anos 70 na Unicamp "faz a crítica das sínteses totalizadoras, pude dizer a ele que minha tradução buscou especificar a critica das sínteses reacionárias. Ele concordou, sorrindo e dizendo: "é isso mesmo, somos contra as sínteses reacionárias, mas sem que entrássemos em mais detalhes. (...) Esse encontro foi uma delicia."

Aproveitando a delicia do encontro pergunto: Somos contra as sínteses reacionárias? Quem?
Enfim, tirando as citações, alguma semelhança com o sarcasmo é pura coincidência com o absurdo da vida com as suas respetivas ideias pre concebidas e outros deslumbramentos adjacentes a essas mesmas ideias.

obs: Caso estas linhas @ irritem um bem haja para você! Significa que se deu ao trabalho de ler até aqui e de se deixar afetar. Uma lisonja para quem escreve! Gratidão.

A piutorguishen de Lisbonne
une bonne portuguishen est une portuguishen qui dit:"Oh la vache! C'est chien ça! Mais non! C'est pas possible de tout! Qu'est on peux dire de tout ça!

Barão Geraldo, Brasil, 21.06.2014
imagem: Michel Foucault

COMPREENSÕES MAIORES


" Furacão Elis" foi das primeiras biografias que li. Nessa época a minha voz ficou rouca por querer acompanhar a Elis no vinil que recebera nesse aniversário dos meus 13 anos. Nos fones ligados aquela aparelhagem que ali estava desde o inicio dos anos 70, eu gritava em 1987 "Como os nossos pais" do Belchior. Um espetáculo que percebi risível quando assistido por familiares. Para mim aquilo não era um espetáculo e sim uma catarse. A voz e a interpretação da Elis é catártica. Não tenho paciência para a fase do piano bar... Falta-me sentimento, garra. Muito asséptico.

Tantas imagens bonitas e fortes da Elis, mas escolhi esta. Além de não estar só, pois o seu percurso é feito de muitos outros, está com o Jair Rodrigues. Além de ser um grande artista, até hoje, 2014, uma branquela é um negro lado a lado no Brasil é um ato social, politico, chamem o que quiserem para erradicar a mesquinhez do racismo e xenofobia.

Hoje lancei-me para o palco com o meu sotaque portuga puro e duro. Muitos não acompanharam no entendimento da língua (?). Quando a minha palhaça disse que cantaria um fado fez-se silêncio absoluto. Até agora não decifrei esse silêncio, se é que decifrar tudo é importante.

Fica aqui a minha pergunta retórica: Porque é que, nós portugueses, não nos damos a conhecer REALMENTE para o resto do mundo? Qual a razão que damos para, de vez em quando escutarmos de filhos e netos de colonos:" Não gosto de portugueses."? Que relação "teremos" de criar com nós mesmos e com o mundo para que as historicidades equivocadas e muitas vezes perpetuadas se erradiquem?

Já é tempo de compreensões maiores.

Ana Piu
Brasil, 23.06.2014

OS BRASILEIROS


(este texto foi escrito a pedido de um amigo de Brasilia que conheci em Lisboa, depois do mesmo ler o texto sobre "Os portugueses")

Em alguns aspectos, os brasileiros têm semelhanças com os portugueses. Olham de baixo para cima uns e do alto outros. Também tem a mania das grandezas novas ricas. Ser novo rico é muita mas muita cafona! Eu acho! Viver da aparência torce o intestino! Eu sinto! Tem gente muito solidária, amiga do peito sem nos conhecerem de lado nenhum. Têm gente com alto astral, trabalhadora e bola para a frente. É com esses que quero ficar do lado.

Os brasileiros têm uma ideia formada sobre si mesmos que são recetivos e alegres. Porém, a sua recetividade é relativa. não recebem da mesma maneira um haitiano que um sueco. Há um classicismo, um racismo e um machismo inerente. Não consideram os índios gente, os negros são de terceira categoria. Deparmo-nos com isso é deprimente.

A sua alegria por vezes é uma máscara de uma dor profunda, fruto da marcada desigualdade social e violência exercida em primeira mão pelo Estado. É lamentável uma sociedade machista, onde infelizmente tem de existir delegacias de mulheres para "salvaguardar" estas da violência doméstica. Poucos acedem à educação e alguns que acedem acham que são os maiores e os melhores.... É uma sociedade fixada nos valores norte americanos, onde as armas, aniquilar o outro e o lucro pelo lucro são admirados... Existe gente que não pensa assim. Existem uns deslumbrados pela França do século XIX.... Enfim... Uma sociedade que acha normal ter favelas e burocracia e desculpa-se com a herança esclavagista portuguesa de há 200 anos atrás... Uma sociedade com uma elite que para se proteger de si mesma vive em condomínios fechados e circula de helicóptero. Acha que na Europa todas as pessoas têm faxineira como aqui.... Sem comentários desta vez....

Por vezes, acham que todos os portugueses são burros e curtem levar vantagem. Acham que são mais espertos e inteligentes que os demais... De vez em quando tem de escutar:"Manooooo saí dessa. Mano a mano senão o meu bigode cresce! Brother dá cá mais cinco e amigos do peito que eu sou da Móraria"

Apesar de tudo e de alguns curto muito o Brasil e os meus amigos e amigas brasileiros. Curto sinceramente o povo brasileiro que é alegre e cordial e generoso verdadeiramente. 

Ana Piu
Brasil, 23.06.2014

A MULHER PORTUGUESA

A mulher portuguesa aos poucos vai-se emancipando. Tanto se emancipou que se sobrecarregou. Hoje, em muitos casos, ela não depende mais do dinheiro que o marido mete em casa. Muitas outras vezes preferem ficar sozinhas que fingir viver em harmonia num companheirismo duvidoso.
As mulheres portuguesas não foram educadas para serem sexys dentro de um ponto de vista, mas nem por isso tem bigode e muitos casos são objeto de uma sociedade machista que diz:" Ai credo! Como os árabes são machistas!"

Muitas mulheres portuguesas, nos dias que escorrem, estão se a borrifar para o que pensam ou deixam de pensar delas. Gostam de olhar pela janela sem vidros para o horizonte. Muitas têm uma perna grossa para pular para o outro lado da janela rumo ao horizonte.

Ana Piu
Brasil, 23.06.2014
pintura: Paula Rego, pintora portuguesa que vive em Londres, UK