Logo de manhã colocava o vinil de Richard Strauss e esvoaçava pela sala
em passos baléticos aprendidos na escola. Depois agradecia numa apoteose
de aplausos imaginados. Estes momentos catárticos caseiros duraram
entre os 7 e os 11 anos. Esta é uma memória de infância que não quero
perdê-la, pois a minha palhaça agradece encarecidamente.
Com uns 14 ou 15 anos chegaram os cds. Os primeiros que tive foi Mozart pela pianista portuguesa Maria
João Pires. Na capa ela novinhaaaa. Uns 18, 20 anos. Eu gostava de
olhar para aquela imagem de uma jovem pianista concentrada. Hoje ela não
tem mais 18 nem 20 anos. Também já não é mais portuguesa. Renunciou a
nacionalidade. Ato de coragem. Renunciar um passaporte vermelho da
comunidade europeia é porque cansou de vez. Compreensivel.
Daqui a 6 dias, uma mão com cinco dedos mais outro da outra mão, faz
dois anos que pisei em território brasileiro decidida a ficar. Tenho um
passaporte vermelho e o que me faz ficar aqui legalmente é um passaporte
verde da minha filha. Não me sinto estrangeira no Brasil. Nunca me
senti de todas as vezes que aqui estive. Falo a mesma lingua com a com a
qual me sinto à vontade em expressar. Não preciso de pensar demasiado
para me expressar e manifestar o afeto, o carinho por aqueles que desejo
bem e que me desejam bem. Por vezes tenho dúvidas se Portugal me deseja
bem. Se faço alguma faltinha. Talvez não. Depois penso em grandes
senhoras que deram a conhecer Portugal através da sua arte, falo da
pintora Paula Rego e da Maria João Pires, e talvez tenha de concluir que
a vida continua e estou bem onde sou acolhida e valorizada. Da minha
parte é esse o paradigma, valorizarmos-nos realmente, porque um dia a
pessoa cansa e renuncia o que tem de renunciar por uma questão de
dignidade e posicionamento.
Ana Piu
Brasil, 23.1.2014
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