segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

MERCI BIEN ANDRÉ RIOT SARCEY


Hesito. Caio em mim. Sei que sei que lá no fundo no fundo fomos educados... Educados não! formatados para não falarmos de nós. Não saber falar de quem somos, de não nos valorizarmos. O que somos então? Debaixo da secretária encontro uma pasta molhada. A pasta dos certificados está molhada! Os certificados manchados! Na verdade nunca liguei a certificados. Nunca liguei a carreiras. Carreira era o nome que se dava ao autocarro, vulguish ônibus, que passava perto da minha casa até a algum destino para outro destino que continuava e assim sucessivamente. Carreira não. Percurso. Vislumbro a vida como um caminho. Gosto da palavra percurso, trilho. Tem alma, porque não formatado.

Na minha papelada encontro um fax que trouxe com carinho. Uma carta do André Riot Sarcey, um dos meus mestres da arte da palhaçaria. Está escrita em françês. Uma palavra ou outra escapa-me da compreensão. Não transcreverei a carta na integra. Esta carta é uma humilde partilha sem falsa modéstia. Esta carta talvez tenha sido o principio do fim. Se já questionava ainda questionei mais. E qual o nosso papel nesta efémera vida? Se aceitamos tudo sem questionar, aceitando, naturalizando o que não é aceitável, aceitar o inaceitável o que andamos aqui a fazer afinal? Esta carta ainda me fez questionar mais onde me encontrava, o que fazia e como, com quem estava, como poderiamos ter crescido juntos.

Muitas vezes sinto sede. Se não sentirmos sede como podemos ir mais além? Há pouco tempo escrevi a uma recente amiga:"Não quero passar por cima de ninguém. Porcuro parcerias para caminharmos e crescermos juntos." Por vezes é uma questão de oportunidade, talvez de sorte.

André Riot Sarcey escreve em Lisboa a 3 de Abril de 2004: "Merci aussi pour ton parcours tout au long de ce stage. Tou attention de chaque instant, ton calme et ton profissionalisme" (Obrigado pelo teu percurso ao longo deste estágio. A tua atenção a cada instante, a tua calma e o teu profissionalismo) (...) "Et aussi ta compréhension du français et de mon travail m'ont permis d'avoir souvent un point d'appui solide dans ce voyage sur le clown (...) tu as construit jour aprés jour, avec modeste et délicatesse un clown oiseau-papillon (...) merci de faire parte de la famille des clowns et des artistes qui cherchent le sérial eu laissant toujours intactes les fleurs pour les autres." (E também a tua compreensão do françês e do meu trabalho permitiu-me um ponto de apoio sólido nesta viagem do clown (...) tu construis-te dia a após dia, com modéstia e delicadeza, uma palhaça pássaro-borboleta (...) obrigada por fazeres parte da familia dos clowns e artistas que procuram (?) e deixam sempre as flores intactas para os outros."

Enfim, não há certificados que subestituam esta carta, que nem pretende ser de recomendação para ninguém. Uma carta de quem sonha realiza os seus sonhos através do trabalho, da sua arte.

Ana Piu

Brasil, 20.1.2014

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