terça-feira, 30 de abril de 2013

DONA ZENILDA E SENHOR ORPHEU




Dois velhos se encontram depois da morte. Tornam-se amigos do peito, companheiros de aventura. Farão tudo o que em vida desejaram. Dona Zenilda e Senhor Orpheu. Dois velhos foliões, nostálgicos, birrentos, doces e!... Principalmente amigos um do outro. Recordam suas vidas e contam-nas um ao outro. Ao contá-las expurgam suas dores, rindo-se das mesmas. Dois velhos. Dona Zenilda  e senhor Orpheu lembram suas vidas. Seus amores, sabores, odores, dissabores e clamores. Memórias com recheio de emoção e sentimento. Seus corpos mirrados até à posição fetal chegarão, mas sempre caminhando. Seus corpos mirrados de almas dilatadas. Seus desejos contidos de crianças que foram, de homens e mulheres que continuam a ser. Desejos inocentes, desejos carentes, desejos desejosos, desejo um do outro. Quem disse que os velhos não se desejam? Seus corpos enrugados de brilhante olhar. Velhos belos e grotescos de gestos sutis, desajeitadamente belos e grotescamente grotescos. Dona Zenilda e senhor Orpheu vão-se tornando cada vez mais cumplices e unidos e como estão mortos, não correm o perigo da morte os separar. Juntos percorrerão seus medos, suas alegrias, suas solidões. Juntos desfrutarão da partilha de um silêncio musical, de uma melodia calma. Juntos preencherão seu vazio com gestos simples e plenos. Suas almas alimentadas de enrugados corpos atravessarão os tempos como anjos sem culpa, sem julgamentos ou receios.   Rindo pelo prazer de estarem juntos e consigo mesmos. De se encontrarem um no outro.

trecho do espetáculo "Os Velhos"
Ana Piu

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