segunda-feira, 8 de abril de 2013

PARA LÁ DO LÁ



Os seus pais tinham vergonha de seus avós. Vergonha da sua pobreza. Vergonha da sua própria pobreza. Os pais sentiam vergonha de onde vieram, então cobriam-na com finas talhas douradas que às primeiras chuvas logo cediam, logo estalavam.
Os seus avós diziam-lhe para nunca esquecer as suas origens. Que o pior é quando se sobe e pisa-se aqueles que achamos que estão abaixo. Pior do que quem nunca teve de subir, dizia a avó.
Zeribeu não podia negar as suas origens. Lábio grosso, olhos rasgados, pele misturada ora colorida, ora descolorada conforme os raios de sol.  Zeribeu sentia vergonha de ser burguês. Era contra os burgueses. Era contra si. Uma voz mansa e macia veio pousar no seu ombro: "Mas porquê toda essa história de burgueses e anti burgueses? Isso já passou à história! São histórias para boi dormir. Vãs distrações!" Naquele momento Zeribeu teve vontade de amarrotar aquela voz macia e mansa, brandamente provocadora.. Abaná-la até não poder mais. Olhou. O olhar da voz não era ameaçador. O olhar da voz esboçava uma tentativa de olhar para lá do lá. O rapaz olhou para si. Olhou para a voz macia com algumas arestas. A sua boca fez um esgar. Os ombros estremeceram, a barriga dobrou-se. Uma grande gargalhada atravessou tudo. Atravessou para lá do lá. Depois olhou para si e para a voz:" Sim, é por aí. Sou o que sou. Sou quem sou aqui e agora. Sou como estou e sou aquilo que faço. Sou e não sou. Não sou mas estou. Estou e sou, fazendo. Agindo. Interagindo" Depois, esticou os braços e com as pontas dos dedos tentou tocar para lá do lá.

A piU
Br,  Abri 2013

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