sexta-feira, 12 de abril de 2013

baixinho para não espantar aquela lembrança

"(...) falava bem baixinho como se não quisesse espantar aquela lembrança (...)"  Brisa Vieira

Falava assim com um olhar que a pouco e pouco se ía habitando. Falava baixinho para não espantar essa lembrança que o fascinava. Falava assim bem devagarzinho, enchendo os seus olhos até ali desabitados de brilho. Uma lembrança bem guardadinha, embrulhada numa fina pétala do tempo. E enquanto falava se comovia. O peito amolecia. Não de tristeza. De comoção. Falava baixinho largando um fino fio de palavras no ar. E os olhos brilhavam. Lembrava-se do cheiro, do som do céu nas tardes já aquecidas pelos raios de sol vaidosos de tão desejados que eram.
Falava baixinho e pousava o olhar nas mãos, nas pontas dos dedos. Depois precorria a mesa grande e as folhas largas da árvore com o olhar. Fixava o olhar nos olhos de quem escutava e dizia ainda mais baixinho, muito baixinho de olhos e voz espantada:"Você sabe que eu já fui muito feliz e não sabia que era? Depois deixei-me levar pela brisa dos dias e aqui estou eu, aguardando alerta bem devagarzinho que a minha comoção não fuja, não se locomova do meu peito, das pontas dos meus dedos."

a piu
Br, Abril de 2013 

pintura: João Vieira

dedicado a Joana Arouca Vieira


Sem comentários:

Enviar um comentário