terça-feira, 30 de abril de 2013

DONA ZENILDA E SENHOR ORPHEU




Dois velhos se encontram depois da morte. Tornam-se amigos do peito, companheiros de aventura. Farão tudo o que em vida desejaram. Dona Zenilda e Senhor Orpheu. Dois velhos foliões, nostálgicos, birrentos, doces e!... Principalmente amigos um do outro. Recordam suas vidas e contam-nas um ao outro. Ao contá-las expurgam suas dores, rindo-se das mesmas. Dois velhos. Dona Zenilda  e senhor Orpheu lembram suas vidas. Seus amores, sabores, odores, dissabores e clamores. Memórias com recheio de emoção e sentimento. Seus corpos mirrados até à posição fetal chegarão, mas sempre caminhando. Seus corpos mirrados de almas dilatadas. Seus desejos contidos de crianças que foram, de homens e mulheres que continuam a ser. Desejos inocentes, desejos carentes, desejos desejosos, desejo um do outro. Quem disse que os velhos não se desejam? Seus corpos enrugados de brilhante olhar. Velhos belos e grotescos de gestos sutis, desajeitadamente belos e grotescamente grotescos. Dona Zenilda e senhor Orpheu vão-se tornando cada vez mais cumplices e unidos e como estão mortos, não correm o perigo da morte os separar. Juntos percorrerão seus medos, suas alegrias, suas solidões. Juntos desfrutarão da partilha de um silêncio musical, de uma melodia calma. Juntos preencherão seu vazio com gestos simples e plenos. Suas almas alimentadas de enrugados corpos atravessarão os tempos como anjos sem culpa, sem julgamentos ou receios.   Rindo pelo prazer de estarem juntos e consigo mesmos. De se encontrarem um no outro.

trecho do espetáculo "Os Velhos"
Ana Piu

segunda-feira, 29 de abril de 2013

PLATÓNICO DALTÓNICO

Um beijaço no cachaço e fica a coisa resolvida. Uma beijuça na fuça e fica a coisa arrumada.
Uma beijola na tola e depois dá-se à sola. Ai o amor, que gajo mais chato! Uma pedra no sapato! Às vezes dá-lhe para ser platónico e logo fica daltónico. O coraçanito num aguenta. Fica super sónico.

Um amor daltónico vê cores onde elas onde não existem, troca-se todo, mistura amarelo com azul, vermelho com verde, rosa com dourado. Um caso complicado! Uma loucura. Quando é platónico a coisa piora, porque ora sofre de miopia ora corre o risco de encefalia. Oh triste destino sem tino! Oh maluqueira sem eira nem beira. Um amor platónico daltónico é um caso crónico, estranfamónico, obsentriptofónico, esprulificante, ismitiniacálio.

a piu
Br, 29 de Abril de 2013

domingo, 28 de abril de 2013

O PICOLEIRO

De corpo franzino, o homem empurrava o carrinho de picolés e água gelado. Não se sabia ao certo se era ele que empurrava o carro ou se era este que o puxava ou se era o próprio ar que respirava que  o fazia ir para a frente incondicionalmente. Talvez a necessidade o impulsionasse, talvez fugisse da solidão, encarando-a de frente no meio da estrada enquanto era levado pelos seus afazares,

A mulher no meio da praçinha sorria para o mundo inteiro. Um sorriso largo, dando a conhecer os molares e uma parte da glote.  Sorria por simpatia, sorria porque alguém lhe tinha dito que o seu sorriso era bonito ou por tê-lo descoberto numa manhã de segunda feira num cantinho do espelho. Sorria que que sorria e lançava uma gargalhada estridente que feria o tímpano mais sensível ou pouco acostumado. Sorria um sorriso estático, assaz estético, um tanto enigmático. O que escondia aquele sorriso ornamentado de risos histéricos aparentemente espontâneos de alegria?

O olhar da mulher pedia socorro. O sorriso estético de tão estático que era congelou. A sua voz, o seu riso, o seu gargalhar entalado ficou na glote paralisada. Todo esse mundo para quem ela sorrira até então nada notou de tão habituado estava à estridência visual e aliviados estavam na concessão de um intervalo naquele gargalhar.

O homem de corpo franzino passou. O seu olhar conformado, mas esperançoso foi pousar no olhar desesperado da mulher de sorriso estético estático. Logo compreendeu que ela precisava de uma garrafa, quiçá um balde de água fria sobre o rosto, sobre o corpo. Assim o fez. A mulher encharcada moveu-se ligeiramente mas paralisada ainda estava. O homem de corpo franzino chegou-se mais perto dela. Timidamente abraçou-a falando-lhe ao ouvido:
- Calma! Um dia vais encontrar a felicidade que mereces.
- Que mereço?, balbuciou surpresa a mulher por conseguir novamente falar, Mas essa felicidade que mereço demora tanto a chegar!
- Talvez ela venha de mansinho quando saboreares realmente cada momento, cada instante de ti.

Do carrinho que o puxava quando ele o empurrava o homem de franzino corpo retirou um picolé de açaí com maracujá. Ofereceu à mulher e deixou que o ar que respirava o levasse a si e ao seu carrinho.

A piU
Br, 28 de Abril de 2013

sábado, 27 de abril de 2013

HISTÓRIAS PARA ENGOLIR COM CHÁ DE LIMÃO E BISCOITO DE GENGIBRE


Daqui até onde avistamos, lá naquela linha do horizonte até de perder de vista, é tudo meu. Tudo isto aqui que podes ver e depois do horizonte é tudo meu, todas as minhas certezas. Sou um latifundiário de certezas. 'Tás a ver aquelas garças lá muito ao fundo a despiolhar a manada? Todas e todos meus! E do outro lado, 'tás a ver aqueles pontinhos pequenininhos? É um rebanho de ovelhas. Todas minhas. Coloquei uma tela grande para lhes mostrar que estou sempre presente. Nas horas que elas entram em transe digo-lhes que estão alienadas que não existem nem deuses, nem chefes. 'Tás a ver como as coisas funcionam? Sou um latifundiário cooperativista. Sou um liberal. Libero os rebanhos, as manadas e os bandos para ir ao futebol ao domingo e almoçarem no restaurante nas bodas de ouro dos avós. Ponho toda a minha gente à vontade nos meus campos de certezas e ninguém pode viver sem mim! Porque sou eu que lhes digo que são livres. Meu amigo! É assim que as coisas funcionam! Olho vivo e pé ligeiro! Hoje posso dizer que estou bem na vida. Não me queixo.

A piU
Br, 27 de Abril de 2013

sexta-feira, 26 de abril de 2013

MULHER CÃO

salvaguarda: Este texto foi escrito sem pretensão alguma, óbvio, de ser cientifico sobre a noção de natureza e cultura. São reflexões empiricas, já que no meio cientifico positivista empirico é o que não está comprovado.  Fica então o foco na reflexão empirica objetivamente subjetiva.


A mulher está para ter um filho. Dentro da barriga carrega nove meses um ser que aos poucos se vai formando, dando sinais da sua existência pelas voltas que dá. Há quem diga que a azia que se intala na glote daquela que carrega esse ser, que aos poucos vai formando células vivas e mortas, é devido à quantidade de cabelo que o ser já tem. O cabelo e as unhas são as tais células mortas, mas o ser que se vai formando na barriga daquela que o carrega está bem vivo. Caso contrário será cuspido cá para fora pela tal da mãe natureza. Mas também acontece que quando o coração desse ser já não bate, não sendo cuspido pela tal mãe natureza, conduz o ser que carrega o outro ser a uma fatalidade irreversivel. A morte. A morte não é uma construção cultural. Ela existe por si. O nascimento também não é uma construção social. Porém, podemos construir o modo como se nasce e morre. Com mais ou com menos dor. Com mais ou com menos humanização. O momento do trabalho de parto é como um vulcão em erupção. Uma vontade enorme, muitas vezes iglória, de defecar. As dores que daí advém não são construidas racionalmente. São dores físicas. O cheiro, o contacto físico com o ser vivente é fisico. O afeto é algo que talvez se construa, pois requer alimento emocional. O nascimento de um ser é momento mágico, pois ou se nasce ou se morre. Poder abraçar aquele ser que anda no embalo da barriga durante nove meses!... Aquele ser que anda ao chute e ao boxe cá dentro... Vê-lo cá fora é um momento único. Talvez haja gente que não sinta apego. Tenho de estudar sobre o caso. Mas que esse sentimento é tão forte que dificilmente se traduz por palavras é. Quanto à indústria da pedicultura e discursos legitimatórios do que é ser uma boa ou má mãe.... Bom, isso já são outros carnavais que requer tempo e dedicação para analisar. Há quem o faça muito bem. Por exemplo a Mariana!

a piu
Br, 26 de Abril 2013

imagem: 'Mulher cão" Paula Rego



quinta-feira, 25 de abril de 2013

ALIVIO

O que mais me custa não é quem de cima nos oprime. O que mais me custa é que entre nós irmãos da mesma condição nos oprimamos uns aos outros. Por receio, por comodismo, por individualismo, por falta de generosidade para consigo mesmo.

Leio e releio a frase. Olha de frente, de lado, de longe e de perto. Depois penso que se colocasse a frase como citação de algum outro autor, que mesmo sentindo e pensando o mesmo que eu, seria mais "convincente". Depois penso sentindo de perto e de longe de esguelha e olhando nos olhos e sentido pensando confirmo que não pretendo convencer ninguém de nada de nada. Só trago um intimo desejo de manter a esperança que um dia não mais aceitaremos nos oprimir a nós mesmos e uns aos outros. Desejos íntimos e utópicos. Depois limpo cada letrinha da palavra utopia com um lencinho que trago à lapela, como os cavalheiros de outros tempos de bengala e trato cordial. Tiro o lencinho da lapela do meu peito. Procuro o lugar do coração. Esqueço sempre se é do lado direito ou esquerdo. Já pouco importa de que lado fica o coração, desde que ele bata com vida, com vigor para viver. Sacudo o lencinho que trago à lapela do meu peito ora ainda magoado, ora já aliviado, ora por vezes triste, ora por vezes muito alegre por quase quase estar aliviado. Sacudo a lapela do lencinho para me certificar que todas as lágrimas se foram, que não restam rancores de nada de nada de nada. Só pulsa a esperança de um dia não nos oprimirmos mais a nós mesmos nem uns aos outros.

A piU
Br, 25 de Abril 2013

Imagem: 'Dog woman" Paula Rego



terça-feira, 23 de abril de 2013

A CRIANÇA DE PERNAS COMPRIDAS


A criança das pernas compridas levava entre mãos um segredo. Entre as linhas da palma das mãos o seu segredo flutuava. De vez em quando a criança de pernas compridas mostrava um segredo. Abria as palmas de suas mãos onde linhas flutuavam. De pernas compridas a criança guardava ainda outro segredo: expunha a sua vulnerabilidade. De compridas pernas, a criança tinha consigo o segredo que a vulnerabilidade é uma força. De pernas e braços compridos a criança tinha a força da vulnerabilidade que lhe permitia abrir a palma das mãos e deixar que o seu desejo em ser feliz flutuasse nas linhas vulneráveis e compridas. De braços e pernas compridas, a criança grande ainda guardava outro segredo: a felicidade não é estática nem estética, muito menos asséptica. A felicidade flutua, rola no chão. A felicidade é uma vulnerabilidade flutuante. Por isso tem força, mas também assusta. Reposto o susto, tomando o seu sabor com suavidade... Fazer o quê? Saboreá-la! Eram estes os segredos compridos da criança com pernas trazia dentro de si. De vez em quando falava-os, demonstrava-os. Ora bem baixinho ora alto e bom som para todo o mundo escutar. Todo mundo, pensava a criança comprida de braços e pernas flutuantes. Quem é todo o mundo? perguntava. Depois calcorreava o mundo para perceber quem era todo o mundo.

imagem: Picasso, as crianças, frieze, detalhe

A piu
Br, Abril de 2013


imagem: Pablo Picasso
As crianças, detalhe

segunda-feira, 22 de abril de 2013

SUCH A WAY OF LIFE

Transtorno. Era isso que sentia. Transtorno. Diante de todos aqueles jeitos e trejeitos sentia uma reviravolta na tripa. Primeira secava por dentro como se a energia se esvaisse por uma pequenina fissura há muito aberta. Depois só desejava que a sua pele caisse, mudasse como acontece às serpentes, aranhas, tarantulas e outros animais que assustam alguns bípedes. Sentia transtorno, uma leve tristeza de poder eventualmente assustar quando a sua energia volvia furacão e as mesas num vira virote dançavam pelos ares. Só sabia que não queria mais aquilo para si. Aliás, nunca quiz. Tentava dar largas passadas e sair daquela gelatina ora flácida ora dura e intransigente. Gelatina mental adocicada com corantes e conservantes com pretensões a comestibilidade. "É o que há! É assim!... Já sabes como é!..." Aquela gelatina infiltrava-se mesquinhamente nas dobras concavas das orelhas, desavergonhadamente instalava-se na bolsa lacrimal.
Nããã todos aqueles jeitos e trejeitos causavam-lhe um gosto amargo, um gosto de aluminio ferrugento. Não queria mais escutar sobre fulano, sicrano, beltrano e do seus dias a dias mesquinhos, desatentos, reprodutores dos poderes que criticavam.
Só desejava silêncio. Um silêncio que traz sobriedade. Um silêncio que não se compra nem se vende às parcelas. Queria muito arrumar dissabores, deixa-los dissolverem-se nas gotas do tempo. Só desejava um silêncio que não cabe em pacotes promocionais de auto conhecimento e espiritualidade nobre de cobre banhado a  sucedâneo de ouro. Só precisava de silêncio, para se esvaziar de todos aqueles jeitos, trejeitos rarefeitos. Desejava felicidades sinceras para fulano, beltrano, sicrano. Tinha algum medo da sua animalidade, que a sua muda de pele assustasse os que por palavras proferiam aquilo que na prática adiavam. Adiavam em pequenos gestos quotidianos de solidariedade, quando um colega é despedido, quando um amigo é desalojado, quando um familiar cai doente numa cama. Detalhes tão grandiosos que de tão detalhadamente grandes eram desprezados, porque neles estava o sabor concreto da revolução. Revolução essa palavra que é tanto e que rapidamente se torna um não.
Depois o silêncio, para que a pedra miudinha saisse daquela bota nem sempre fácil de descalçar. Uma bota de memórias, de acreditar que pode ser diferente. Uma bota engraxada, pisada, abandonada.
Desejava a plenitude do silêncio e os pés descalços. Desejava a simplicidade de ser e estar e seguir caminho de respiração leve. Leve, leve, muito leve.

a piu
Br, Abril de 2013

BURRÔ

Buscando uma lógica plausivel, convencivel e explicável, o anti cartesianismo é a característica fundamental da burocracia na sua concreta realização. A burocracia quando aplicada serve de estratégia especifica para vencer o alvo a atingir pelo cansaço, pelo esbanjamento dos seus recurso financeiros, físicos, morais, materiais e espirituais. Uma das vantagens da burocracia é que esta enrijece os ossos e obriga o alvo a respirar pausadamente para que não sucumba à roda dentada. A burocracia relembra a quantidade de árvores que já não existem à face da terra e aquelas que ainda estarão para vir para de seguida se escapulirem. Diante da burocracia a vontade é exatamente de escapulir. Porém, forças maiores e contrárias levam a que o alvo se desloque, contorne obstáculos e resolva o que tem a resolver com a respiração pausada e os ossos rijos para continuar a caminhar sem que se deixe sucumbir à dentada roda burocrática.

A piU
Br, Abril de 2013

CRAVOS



O mês dos cravos volta sempre. Todos os anos, nos mesmos dias, nas mesmas horas. Cravos encravados entre o Inverno e os primeiros desejos Primaveris. Os cravos são escravos encravados em si mesmos. Por dentro sangram, anémicos os cravos esmurecem, desmaiam. Deixam saudades de algo que nunca chegou a acontecer. Em peitos doces fica um amargo na garganta. Um desejo de mar. Um desejo de mar de pessoas. Oceanos sem fim, onde nos encontramos navegando, navegando de peito cheio. Os cravos já não são escravos encravados em si. Já não estão tombados, usados,enganados, ludubriados, desconfiados, cansados. Cravos rejuvenescidos, enternecidos, decididos.
Quando vai ser? Cravos desmembrados, desabituados a não serem um ramo só. Ramos de cravos sedentos de água, de luz, de cuidado.
Cravos encravados não querem ser escravos, mas continuam quase calados, trazem um grito encravado, um grito ferido, comprometido, um grito sussurrado.
Peitos doces desejam que se avermelhem os cravos. Peitos doces de gargantas secas de olhar de brilho cansado desejam cravos encarnados, resplandescentes, ardentes. Peitos doces de olhar desejoso de gargantas adocicadas, dedos extasiados, peitos disponibilizados para cravos que não querem ser escravos encravados.

a piu
Br, 21 de Abril de 2013

quinta-feira, 18 de abril de 2013

AVE RARA

Para ser, por vezes, é preciso ser ave rara. Para escolher também não ser é necessário também ter dons de ave rara. Ser ou deixar de ser. Escolher ser ave rara de asas plenas. Escolher não ter. Escolher, mesmo que a escolha não seja macia, seja dura. Escolher não sofrer. Escolher viver ou deixar morrer. Deixar ir. Deixar ficar. Abandonar-se e renascer.


a piu Br, Abril 2013
imagem: Paula Rego (série de pinturas sobre o aborto)

GALINHAS GÓSMICAS ou QUANDO AS GALINHAS TEEM GOSMA



As galinhas são das melhores amigas do homem, apesar deste não reconhecer. As galinhas tem o poder de estar em permanente contacto com o universo. O universo gósmico. Porém, é preciso ter muito cuidado com o excesso de gosma no bico das galinhas, pois estas correm o risco de enrolarem a língua no seu delicado bico e irem desta para melhor. Normalmente as galinhas acumulam gosma no vaso bicário, quando ficam isoshistéricas. Por estarem em permanente contacto com o universo gósmico, as galinhas desenvolvem uma capacidade de percepcionar a realidade que está para lá da existência empírica. É preciso; é urgente para as galinhas reservar um futuro diferente. O homem, esse bicho de várias faces e fases, tem o dever de acarinhar as galinhas isoshistéricas e gósmicas. Alimenta-las três a quatro vezes ao dia de raios solares, partindo do princípio que não são autónomas e que estão sobre a guarda de outrem. As galinhas são seres de luz! Caso a sua autonomia esteja assegurada elas devem manter-se à solta em grandes planícies e savanas, pois nutrem de uma grande e imensa liberdade e aprendem a defenderem-se de leões e búfalos. As galinhas isoshistéricas têm uma intima ligação com a realidade para lá do que é material. Comem milho biológico e seguem uma lógica cuja linha é "Ga". Ou seja, uma lógica "Ga"linha.

Já os perus também são amigos do homem, mas não da mesma forma. O homem, esse bicho animal traidor, convida o peru para uma piela, para encher a cara e zás! de seguida aproveita-se do pobre peru, confeccionando o famoso e chic fois gras. Mas hoje os perus estão muito, mas muito mais inteligentes e já não vão em conversas. Preferem sair na chuva para se molharem, do que entrarem em coma alcoólico e virarem um acepipe, um deguste para paladares sofisticados. Todavia, à custa de conviverem com as amigas galinhas, os perus abrem o bico para sentirem a chuva cair. E nesse ato onírico, poético acabam por sucumbir diante de um deslumbre épico. Deslumbre esse que, numa breve descrição, consiste em abrir o bico e não fechar mais.
Resultado: hoje existem congregações e templos consagrados ao acolhimento de galinhas e perus do mundo inteiro, que num dado momento tiveram o privilégio de usufruírem de um salvamento dessa cruel chuva. Essas galinhas e perus tornaram-se isostérmicos. Estes templos e congregações isostérmicos encontram-se espalhados por todo o território nacional e internacional. Para se ser sócio destes templos de acolhimento e afins basta comer milho biológico, degustar minhocas que morreram de morte natural e deste modo e meio a vida sorri sustentada num universo gósmico repleto de surpresas e energias benéficas a todos os seres viventes e outros.

A piU
Br, Abril de 2013


BORA LÁ!

 Hoje olhei para o meu passaporte. Esfolhei-o. Em cada folha ora vem um Camões, ora vem um Fernando Pessoa. Na capa dura, no verso, informa que o traço é do Júlio Pomar. Respiro de alívio. Ao menos um deles está vivo. Depois salta à ideia uma pergunta sem pretensões algumas demagógicas, mas a pergunta insiste:" Em três figuras nenhuma delas é feminina. Porquê?" Depois lembro-me da Florbela Espanca, aquela cuja poesia era de uma beleza deprimente ao ponto de pôr término à sua curta vida pautada por uma amor cego pelo irmão. Lembrei-me ainda da freirinha Mariana Alcoforada que morreu febrilmente de amores por um malvado francês que lhe mostrou os caminhos do amor e não regressou. Bom, com isto tudo aparecem imagens, pinturas da Paula Rego. As suas figuras belas e grotescas, de mulheres com perna grada, algumas com penugem bigodeira no buço. Imagens que desarrumam conceitos, mentalidades. Imagens e figuras cheias de fantasia, crueldade. Paula Rego é uma furiosa pictórica que ama o seu trabalho? Eu cá gosto muito, mesmo quando entra na moda. Confesso que as modas me dão fastio. Mas como ela é muito boa, no meu ponto de vista, "'tá desculpada" :) Será que daqui a uns anos, talvez quando o seu corpo já não andar por cá, ela tem direito a ser lembrada e homenageada nas folhas de um passaporte e que este sirva para grandes viagens no tempo e no espaço e para nos lembrarmos que somos do mundo e não de um nico de território que nem sempre é solidário com os nossos fazeres?Mas a vida está aí! Num é memo?! Bora lá!

a piu
Br, Abril de 2013




CHICLETE COM BANANA

CHICLETE COM BANANA era uma daquelas revistas que dava sempre jeito ter à mão de semear. Desenhos loucos com histórias loucaças. Um forte. Uma barrigada de sorriso e riso.Dava sempre para encontar no alfarrabista, sebo em terras brasileiras. Eu tive um monte e num gesto de generosidade impensanda emprestei e nunca mais as revi. Bom, quando cheguei en terras tropicais entrei num desses sebos e perguntei pela revista já extinta. Não conheciam. Pôôô eu venho lá de terras lusas e na terra do Angeli, do Glauco e do Laerte não conhecem a revista num sebo?!! Conformei-me inconformada. Ontem na revista Piaui li uma reportagem sobre a "semi transexualidade" do Laerte. Tudo bem. Tudo numa boa. Porque não? Quem sou eu ou qualquer um de nós para interferir nas escolhas individuais e intimas de cada um? Mas só houve uma pequena coisinha que me incomodou. Uma coisa pequenininha: sendo o Laerte, supostamente, um rapaz da cultura underground que apesar de ser proveniente da classe média alta esteve envolvido com ideias sindicalistas e de oposição ao regime ditatorial dá importância a um transplante de seios? Não sei... Parece-me que há preocupações identitárias que são reproduções do lado futil da questão. O artigo ainda esmiuça quanto o Laerte ganha por mês, quanto ele gasta no aluguel e o valor da cirurgia. Talvez seja muito interessante essa informação para os queridos leitores de esquerda caviar que gostam de saber que o Laerte tem um papar de mamocas, mas questiono-me sobre o porquê da revolta que eles criam nos mais desfavorecidos num país de marcadas diferenças sociais. Há quem diga que o feitiço se pode virar contra o feiticeiro. Neste caso é punk da pesada pode-se virar contra o punk que já não é punk ou que nunca o foi. Isso também pouca importa. Talvez as porraloquices mudem consoante os tempos, os ventos de mudança. Muito louco assistir a essa "inversão de valores". No meu ponto de vista. Claro!

A piU
Br, Abril de 2013



MOVIMENTOS CIRCULARES

Deu duas voltas à praça. Deu três, deu quatro, deu cinco voltas àquilo que sentia no peito, que tinha entre mãos. Contornou as árvores, passou por entre a folhagem tentando não se mostrar. Olhou à volta certificando-se que levava aquela esperança bem arrumadinha dentro de si. Passeou o olhar  rapidamente certificando-se que se mantinha invisivel. Torneou o pátio, as ruas. Viu as pessoas passarem. Manteve-se invisível. Tentou manter-se invisível. Até quando? Queria encontrar, olhar de frente mas continuava a tornear. Só precisava de tempo para que com suavidade e leveza olhar de frente, em vários ângulos o que desejava sentir do direito, do avesso, de pernas para o ar, com tonalidades diferentes. Levava aquele sentimento entre mãos, saltando do peito. Tentava arrumá-lo, mas de vez em quando este espreitava esticando o pescoço enquanto dava duas voltas à quadra; três nas ruas paralelas, tranversando o verde da grama, diagonolizando os caminhos que secretamente desejava que se cruzassem.

a piu
Br, Abril de 2013

pintura: Marc Chagall

sexta-feira, 12 de abril de 2013

baixinho para não espantar aquela lembrança

"(...) falava bem baixinho como se não quisesse espantar aquela lembrança (...)"  Brisa Vieira

Falava assim com um olhar que a pouco e pouco se ía habitando. Falava baixinho para não espantar essa lembrança que o fascinava. Falava assim bem devagarzinho, enchendo os seus olhos até ali desabitados de brilho. Uma lembrança bem guardadinha, embrulhada numa fina pétala do tempo. E enquanto falava se comovia. O peito amolecia. Não de tristeza. De comoção. Falava baixinho largando um fino fio de palavras no ar. E os olhos brilhavam. Lembrava-se do cheiro, do som do céu nas tardes já aquecidas pelos raios de sol vaidosos de tão desejados que eram.
Falava baixinho e pousava o olhar nas mãos, nas pontas dos dedos. Depois precorria a mesa grande e as folhas largas da árvore com o olhar. Fixava o olhar nos olhos de quem escutava e dizia ainda mais baixinho, muito baixinho de olhos e voz espantada:"Você sabe que eu já fui muito feliz e não sabia que era? Depois deixei-me levar pela brisa dos dias e aqui estou eu, aguardando alerta bem devagarzinho que a minha comoção não fuja, não se locomova do meu peito, das pontas dos meus dedos."

a piu
Br, Abril de 2013 

pintura: João Vieira

dedicado a Joana Arouca Vieira


quarta-feira, 10 de abril de 2013

CRÓNICAS CRÓNICAMENTE TRÁGICO CÓMICAS




Era uma vez o Januário que era amigo do Elias, que era amigo do Deodato que era amigo da Berta e do Leonel. O Leonel que era primo da Maria Clara que era vizinha do José e da Zita andavam todos, mas todos todinhos descontentes. Uma descontenteira que não se podia. Ora, resolveram se juntar para falar da sua descontenteira. E falavam que falavam. Que não podia ser assim. Que a culpa era o do fulano de tal, mais do sicrano e do beltrano. Enfim, resolveram criar um plano para acabar com aquela pouca vergonha toda. Só que! Só que cedo, muito cedo entenderam que mesmo parecendo idênticos os seus descontentamentos eram diferentes. Uns queriam colocar comida em cima da mesa, outros só queriam continuar a ir  a restaurantes. Aos poucos, muito aos poucos já todos precisavam só de pôr comida em cima da mesa. Haviam alguns que ainda mantinham as aparências. Uma questão de dignidade. Mas aquele modo gourmet de pensar a mudança ainda lá continuava. Um modo entre a fome de comer e de consumir, a sede de poder, mais o cansaço de velhos padrões... Porém esses velhos padrões eram como uma pele. Uma roupa, não! Uma pele difícil de despir. Muito difícil.

Elias falou:"Descobri o que nos emperra! Descobri! É a nossa mediocridade! A nossa competiçãozeca de trazer por casa que nos impede de estarmos juntos, de pensar outros caminhos! Os nossos egos atrapalham-nos!" Uns apoiaram-no em silêncio. Outros piscaram-lhe o olho e outros rosnaram desconfiados tentando a difamação. Uma delas é que ele talvez andasse a tomar as umas coisas que o faziam ver o mundo do avesso. Talvez uns comprimidos, daqueles que agora estão na moda ou outras coisas piores! Ilegais! Ora o Elias que passava os seus dias a trabalhar, a divagar nos seus pensamentos concluiu a sua conclusão que tinha partilhado com os demais.

Depois a Berta queria receitas para a mudança, mais o Januário, mais o Deodato e a Maria Clara. Mas essas receitas não chegavam. Os amigos tinham de se juntar e encontrar várias soluções. Porém, isso requer trabalho. Continuaram amigos na mesma. Mas nunca encontraram alguém que lhes mostrasse o caminho da luz. O Elias ainda tentou pedir à Zita para avisar que a luz estava dentro de cada um. Mas a Zita já tinha ido embora, mais o Leonel, mais o Ricardo e a Maria do Amparo, entre outros. Foram embora. Cansaram. Ainda olharam para trás e perguntaram-se a si mesmos: "O que nos faz olhar para trás? Talvez seja para contar que um dia houve um lugar que se podia chamar Atlântida e que naufragou porque o orgulho de ser se sobrepôs à humildade de fazer. Pensar e fazer junto.

Porém, do grupo de amigos que ficaram e outros que foram desconheciam que haviam outros grupos que sendo amigos ou não tentavam a todo o esforço organizarem-se para poder contar um dia aos filhos que quase quase a sua terra seria uma Atlântida, mas herculicamente deixou de ser. Pelo menos, foi isso que Elias, mais a Zita, o Leonel, o Ricardo, a Maria do Amparo, entre outros desejaram lá longe. Muito ao longeee, mas tão perto que continuavam a perguntar-se o porquê de tal desejo

a piu
Br, Abril 2013

DORES PEITORAIS

- Eh pá, ando aqui com uma dor no peito!... Uma coisa que se me aperta a respiração. Sei lá! Não sei explicar. Apanha-me tudo até à barriga.
- Será do coração? Ou dos nervos?
- Do coração?
- Sim.
- Não é desse peito, pá, que eu falo!
- Então?...
- Doi-me o peito do pé, pá.  Uma dor que vai até à barriga da perna.
- Aaaaahhhh! Entendi.
- Pode ser dos nervos.
- Não será do calcanhar de Aquiles?
- Olha, esse gajo, pá!... fuuuuuuuu Até me passa uma coisa má pela vista! Uma nuvem!!....
- O Aquiles?
- Sim!  Esse gajo já não o posso ver à frente!...
- Pudera! Tratas o Aquiles por gajo! Já experimentas-te sair do teu lugar, caminhar um pouco e olhá-lo nos olhos?
- (...) (...) (...........................) (.........................................................)
- Ah pois é. Pois, pois é!


A piU
Br, Abril 2013

Iuuuuuu

Iuuuuu Foz do Iguaçu! Onde tás tu?
Quero sair do limbo! 'Só" preciso de um carimbo.
Ai ai, lá terei de atravessar o Paraguai.
Ao som da cocertina, ainda dou um salto à Argentina.
Ai que azia! Ai que azia a história da burocracia.
Eu cá sou tão pueril! Deixa lá ficar no Brasil!
Não me levas a mal de eu ser lá dos Portugal.
Sou gente boa, sou das bandas de Lisboa.
Sou um bocado desbocanhada. Só. Mais nada.
Oh Foz do Iguaçu! Dá cá um beijuuuuu

A piU
Br, Abril 2013

terça-feira, 9 de abril de 2013

SILÊNCIOS FAZÍVEIS



"Como eu faço?" , perguntou feito uma criança indefesa, vulnerável. "Como eu faço?", perguntou de olhos abertos. Aguardou resposta. A resposta estava nas entrelinhas, no silêncio de tantas e tantas palavras por juntar, por tornar em ideias faziveis. Um silêncio que soava a abandono. Porém, esse silêncio era uma mão estendida respondendo: "Faça. Mergulhe e faça.": "E como vc faz?", voltou insisitiu, " Como vc faz?"
O silêncio respondeu fazendo, mostrando ideias faziveis.

a piu
Br, Abril de 2013

imagem: Inês d'Espiney

dedicado a Daniela Feriani

segunda-feira, 8 de abril de 2013

LOULOU!(...) OUI C'EST MOI!


- As pessoas, pá... As pessoas. Até o peito se me aperta. As pessoas... são mesmo... Mesmo mesmo. Não dá! As pessoas falam falam mas nada. Nada. Quem nada não se afoga. Mas olha, não dá. Não dá, pá. Não dá. São aquilo que são. Não dá. Ele há pessoa boa. Mas não dá há muito mas muito mais pessoa má. Não dá. 
- E tu?
- Eu o quê?
- O que achas de ti?
- De quem? 'Tás a falar de quem?

A piU
Br, Abril 2013

SOBRANCELHA POUSADA


Dezenas, centenas, milhares e milhares de rostos que se repetem na esperança de serem. Milhares e centenas e dezenas de corpos escolhidos a dedo aguardando efémeros aplausos. Aplausos diluídos no pó dos segundos. Aplausos venerados de um ideal desejoso de algo mais, que esmorece no preciso momento do toque. Rostos de olhar vidrado numa fama rápida, perpetuada em cartazes guardados entre as finas pratas que embrulham chocolates com sabor a sabão. Corpos lavados de profundas dúvidas. Corpos guardados, escondidos de seus rostos de olhar perdido no meio de centenas de milhares de aplausos. Sorriso petrificado desejando um abraço generoso, um aplauso intimo, um toque que desfaça o feitiço do glamour vidrado e frágil. Uma sobrancelha espera pousar sobre a simplicidade da expiração. Aquele rosto já não é aquele sorriso. Aquela graça já não é aquele corpo. Aquele ser adquiriu outra graça, outra dimensão no silêncio dos aplausos. No silêncio do glamour milhares e milhares, centenas, dezenas de olhos ávidos de efémero aquele ser deixou de provar o seu estar. Diluído no pó dos micro segundos pousou as sobrancelhas sobre o peito e descansou.

A piU
Br, Abril 2013
Fashion Girls
Digital Artwork 50x50 cm
rcn

PARA LÁ DO LÁ



Os seus pais tinham vergonha de seus avós. Vergonha da sua pobreza. Vergonha da sua própria pobreza. Os pais sentiam vergonha de onde vieram, então cobriam-na com finas talhas douradas que às primeiras chuvas logo cediam, logo estalavam.
Os seus avós diziam-lhe para nunca esquecer as suas origens. Que o pior é quando se sobe e pisa-se aqueles que achamos que estão abaixo. Pior do que quem nunca teve de subir, dizia a avó.
Zeribeu não podia negar as suas origens. Lábio grosso, olhos rasgados, pele misturada ora colorida, ora descolorada conforme os raios de sol.  Zeribeu sentia vergonha de ser burguês. Era contra os burgueses. Era contra si. Uma voz mansa e macia veio pousar no seu ombro: "Mas porquê toda essa história de burgueses e anti burgueses? Isso já passou à história! São histórias para boi dormir. Vãs distrações!" Naquele momento Zeribeu teve vontade de amarrotar aquela voz macia e mansa, brandamente provocadora.. Abaná-la até não poder mais. Olhou. O olhar da voz não era ameaçador. O olhar da voz esboçava uma tentativa de olhar para lá do lá. O rapaz olhou para si. Olhou para a voz macia com algumas arestas. A sua boca fez um esgar. Os ombros estremeceram, a barriga dobrou-se. Uma grande gargalhada atravessou tudo. Atravessou para lá do lá. Depois olhou para si e para a voz:" Sim, é por aí. Sou o que sou. Sou quem sou aqui e agora. Sou como estou e sou aquilo que faço. Sou e não sou. Não sou mas estou. Estou e sou, fazendo. Agindo. Interagindo" Depois, esticou os braços e com as pontas dos dedos tentou tocar para lá do lá.

A piU
Br,  Abri 2013

domingo, 7 de abril de 2013

JEO VÁ QUE JÁ SE FAZ TARDE

Um qualquer num domingo de manhã depois de terem batido à porta de seu leito - .............. sim..... compreendo... sim..... claro. Isso onde?

Jeo- No Eden.

Um qualquer- Eden? Fica mais propriamente onde?

Jeo- Se virar a revista tem o mapa.
Um qualquer- Um mapa? Um mapa com indicações para chegar ao Eden?

Jeo- Não. Um mapa do próprio Eden. E se comprar esta revista que fala sobre a salvação você tem direito um pequeno lote no Eden. Estará salvo, porque não tarda nada e isto vai tudo pelos ares.

Um qualquer- Tou a ver... Tou a ver... E dá para comprar essa revistinha quando isto for pelos ares? Logo logo a seguir. Eu posso lhe dar o meu contacto telefónico.

Jeo- Aí já é tarde. O mundo já acabou...

Um qualquer- Então eu proponho fazermos um troca. Eu tenho ali umas revistas ana....

Jeo- Desculpe.... Desculpe, mas tenho de ir... Já vejo tudo pelos ares ali mais à frente.

(...) (...)

Um qualquer- Eram só umas revistas anar.... Umas revistas da Ana!... Era só uma troca....

A piU
Br, Abril 2013

sexta-feira, 5 de abril de 2013

REFLEXÕES REFLEXIVAS ACERCA DO QUERER SER QUANDO SE FOR GRANDE



Especialmente a especialização coloca-me especificamente num não lugar, criando assim fluxos e tensões. Especializo-me, então, nesse não lugar criando outras perspectivas especializadas na não especialização. Especificamente a não especialização é algo que especialmente me assiste. Logo, especializando-me na não especialização torno-me alguém especialmente especial a uma dada espécie de especifização. Não me especializando não significa de todo que tudo e nada passem a que tudo seja nada e nada seja nada e tudo simultaneamente. Isto é, que não haja um critério, um código, um linguajar percepetivel. Não é disso que se trata. Em suma, não me especializando abro todo um leque para um não lugar que passa a ser um lugar especifico não especializado.

foto: Anita pequenita vai ao não lugar ou Anita Piuzita no não lugar ou Anita avança num lugar que é não mas também é sim que também é mais ou menos

A piU
Br, Abril 2013

quinta-feira, 4 de abril de 2013

O VERDADEIRO E O FALSO

O falso pergunto ao verdadeiro:
- Porque me consideras falso?
- Porque não vejo o teu olhar.
- E não o sentes?
Aquele que verdadeiro se considerava calou-se. O falso que nada se considerava continuou:
- Eu sinto o teu olhar. Mas sabes o que acho de ti, que te consideras verdadeiro?
O verdadeiro, por se considerar assim, continuou calado. Aquele que era considerado falso, apesar de assim não se considerar, sentia aquele silêncio com algum desconforto. Gostava de dialogar. Há silêncios plenos de comunicação, há outros silêncios que são silenciamentos, fugas para parte incerta.
- Sabes o que eu acho de ti, que te consideras verdadeiro? (...) (...) Não acho nada. Prefiro que achemos juntos alguma coisa se é que é para achar algo ou simplesmente procurar sem nunca achar. Sem nunca encontrar. Sè que no sè nada. Mas procuro saber. Procurar em lugares improváveis outras verdades. Verdades momentâneas ou verdades que sempre lá estiveram, escondidas por brincadeira. Só pelo simples prazer de dar prazer a quem procura.

A piU
Br, Abril de 2013

CRIANÇA ANARQUISTA

Well I´m just out a school
like I'm real real cool
Gotta dance like a fool
Got the message that I gotta be
A wild one
Ooh yeah I' wild one

Iggy Pop, Real Wild Child

E penso. Repenso. Corro mais um pouco e paro. Uma corpo fica parado num dúvida de algo que antes era óbvio. Ingenuamente achava que era óbvio o que não é óbvio para muitos.Uma vez mais um balde de água fria. Ingenuamente achava que estar na escola e aceder a uma série de informações libertar-nos-ia para tornar este ridículo mundo mais respirável. Mas como a ridículitude é uma roupagem que até me acenta bem!... Gosto de me olhar rir-me do meu próprio ridículo. Mas não é um ridículo qualquer! Não! Um ridículo que tenha algo de ingénuo, que tenha algo de um impudor inocente. E o que é a inocência? Bom, agora estou com preguiça para citar Rousseau. Teria de ir conversar primeiro com ele e agora estou aqui à conversa para quem tiver paciência de me ler, nestes tempos de excessos. Excessos de informação, excessos de mercadorias, excessos de emotividades muitas vezes vazias de emoção. 

Bom, mas vamos direito ao assunto já que é no meu blog é no grupo que criei Sopa na Mosca que nos encontramos. Andando eu que nem mosquinha esvoaçadeira por blogs, grupos facebokianos e afins enfiando o nariz onde supostamente não sou chamada confrontei-me com umas baldadas de água umas vezes mais frias outras mais mornas. Confrontei-me com grupos com anseios de se organizarem enquanto movimentos sociais. Confrontei-me com grupos académicos e intelectuais, que sendo reflexo de toda esta imensidão que é o planeta, terra existem pessoas com diferentes perspectivas do que é ser e e estar nesta terra imensa que é o planeta. Ora umas acham que são uma coisa e agem de um outro jeito, outras tentam agir conforme falam, outras não falam e agem, outras só falam mas não agem e há outras que nem falam nem agem. Mas destas últimas questiono-me se o coração delas ainda bate e se o lábio inferior não estará roxo.

Há uns dias atrás entrei num grupo, que não vem ao caso identificar, e sim reflectir em cima do acontecimento. Entrei num grupo e um rapaz, um ser pensante e talvez atuante chamava a atenção para a importância de agir segundo os nossos princípios. E como grupo especializado que era em Antropologia sublinhava a importância de sermos coerentes na prática com aquilo que defendemos na teoria e de não nos esquecermos da nossa criança anarquista. Deixá-la respirar dentro de nós. 
Abelhuda como sou, agradeci num comentário ao rapaz. "Obrigada. Obrigada mesmo. Obrigada pelo seu texto e fazer-nos sentir que não estamos isolados." Um dia mais tarde quis voltar ao texto e copiá-lo para mim com a devida identificação autoral. Oooops já não encontrei a publicação. Eta lé leca! Eu já vi este filme! O melhor é partilhar as minhas inquietações num grupo mais restrito não vão bloquear-me outra vez o blog e deixar de ter acesso a mais um grupo académico. Sim, porque a mim interessa-me aceder a publicações que considero de valor e nem todo o pessoal académico vive numa vida quadriculada. Mas os redondos ou com desejos a redondos que tiverem de se encontrarem, encontram-se.

Depois, por brincadeira alterei o meu prefil. Assim como assim, quem me conhece sabe que é brincadeira. Cachondeo. Ironia. Sarcasmo. Trelé lé. Lu lu. Alterei o meu perfil e passei a viver no Texas depois de ter nascido no Alasca e estudado numa escola de Rock Punk.

Mais tarde entrei mum outro grupo académico que ditava uma série de regras. Uma delas é que só se permitiam publicações de interesse académico. Perguntei-me quais os critérios. Depois que não valia promoções pessoais. Voltei a perguntar-me sobre os critérios. Será que este texto que agora escrevo é promoção pessoal? Eu considero que não, mas há quem possa considerar que sim. Depois quando veio a parte da não permissão de perfis falsos logo pensei:"Já fiz.... m....!" JÁ FIZ DAS MINHAS! Seus malcriadões que pensavam que ia dizer uma asneirola com merda! Oooops já disse!...

Ora o que é isso do perfil falso? E se eu disser que estudei na Cambridge School e que sou do Canadá e que vivi na Patagónia entre os indígenas? Quem vai saber? Desde que a abordagem no diálogo tenha o respeito contemplado pelas visões distintas deste ridículo imenso mundo... Não há lugar para todos? Ou tudo tem que ser muito sério e compartimentado. Ou conhecimento não será a troca entre saberes e viveres? Ou este viver tem de ser sempre à trolitada onde se confunde rigor com rigidez.

Quanto ao menino Iggy Pop, de quem muito admiro, aquela última parte do clip mais parece um menino mimado cheio de guitarras lá por casa. Acho que é isso, por vezes os mimados que também são crianças anarquistas tem medo das crianças anarquistas que não são mimadas, mas que de vez em quando até são e que abanam os meninos mimados que até gostavam de ser crianças anarquistas. ufff como categorizar este enleio todo? 

A piU
Br, Abril de 2013


Iggy Pop - Real wild child (Olympia)


http://youtu.be/YRPkiHd0Rzc

quarta-feira, 3 de abril de 2013

O PONTO DE INTERROGAÇÃO ou O CHEFE DOS OUTROS DEDINHOS



Tou aqui com uma dúvida se é normal ter dúvidas. Duvido, todavia porém da normalidade. Contudo, no entanto hoje acordei duvidando de mim. Duvidando das minhas dúvidas. Mas o pior é que hoje ao me levantar dei por mim sem dúvidas. Olhei-me ao espelho e nem uma dúvida no olhar. Vasculhei as rugas de expressão e qualquer preguinha que surgisse timidamente do papo, antes de chegar ao pescoço. Mas nada! Nem dúvida, nem preguinha, nem papo. Tudo estático. Tudo certinho sem dúvidas. Por momentos respirei de alívio e conclui: "Se está tudo estático é porque vai ficar sempre assim como num retrato emoldurado." Saí de casa reconfortada. De repente parei. Senti um grãozinho de terra instalado entre a tira da sandália e o dedo chefe dos outros dedinhos. E agora perguntarão quem é esse dedo chefe dos outros dedinhos. E estará aí uma dúvida que passa a ser minha se eu não tivesse já resposta: O dedo chefe é o dedo pequenininho, o mindinho, aquele que nas horas de aperto, de quedas e catástrofes gravitosas se agarra ao solo, ao ponto fixo lembrando a nossa semelhança com beduínos, macacos e saguins. Hoje finalizo o dia com a dúvida se voltarei a ter dúvidas. Sacudo os bolsos e encontro um ponto de interrogação todo amarrotado. Amanhã de manhãzinha logo logo pela manhã, se o sol estiver bem disposto vou estender esse ponto amarrotado. Talvez precise de algum calor e ar fresco. Um alento para começar o dia logo logo de manhãzinha.

A piU
Br, Abril 2013

terça-feira, 2 de abril de 2013

A PRINCESA DESLEIXADA

Havia uma princesa que tinha muitos, mas muitos pêlos nas pernas e no peito. Era uma princesa fora de série. Não tinha nem medo de ratos, lançando aqueles guinchinhnhos estridentes em cima de um banco de três pernas e também tinha uma forte relação de amizade com o Rato Mickey. Alguns diziam que era uma princesa desleixada, pois descurava da sua beleza corporal, deixando longas penugens espreitarem de seuas finas roupas. Outros ou outras que ideias feministas defendiam consideravam a princesa desleixada libertária. A partir daí a discussão era mais que muita. A princesa desleixada não estava nem aí para essa conversa. Era uma princesa, como tal afirmava:"O meu pai é rico! Posso ser e fazer o que eu bem entender!...Posso até ser alternativa ao rei meu pai!". Houve, porém, alguém que lhe perguntou:'Mas o teu pai sempre foi rico? Nunca foi pobre?" Ao que a princesa desleixada, de uma lívidez constrangedora, respondia:"Não sei, Não me lembro..."

A princesa desleixada dizia que nunca iria ter filhos, nem filhas. Ficaria gorda, que as suas noites passariam a ser um inferno transformando os seus reluzentes olhos em profundas olheiras. Dizia também que queria ser livre. Em tendo filharada ninguém lhe pegaria, ninguém olharia para seus olhos reluzentes e cabelo cor de fogo. Ninguém se enamoraria pelo seu desleixo principiesco. Uma dama de companhia com quem ela trocava mensagens numa rede social logo lhe disse: "Deixe-se disso. Se alguém a quiser quererá como a menina é e vive." A princesa desleixada ergueu o queixo, olhou para o seu amigo Rato Mickey e decidiu desbastar todos os pensamentos ruins e falsas questões com uma moto serra.

Hoje, a princesa desleixada continua a ser princesa desleixada. Mas com uma certeza! Que não existem certezas! Assim lá vai tranquila de olhos reluzentes e cabelo cor de fogo pela estrada fora.

Quanto ao Rato Mickey... Fica aparvalhado com tanto delírio.

A piU
Br, 2 de Abril 2013

Obrigada, Pedro, pela inspiração. Venho em nome da paz, podes baixar as moto serras. ihihih

segunda-feira, 1 de abril de 2013

SER FELIZ CANSA. É CÁ UMA CANSEIRAAAA


- Sabes, tou cansado de ser feliz. Tou cansado de todos os dias ser a mesma coisa. A Soraia que me sorri, que é perfeita, não há nada a apontar. Tou cansado que me tratem bem. Que a Soraia me diga que me ama. Tou cansado de amá-la. Quero estar triste um pouco.
- Não digas isso! Olha, há uma amiga de quem eu curto bués e não tenho coragem de lhe dizer. Eu acho que ela até está interessada em mim, mas eu... Olha p'ra mim. Dá-me dois estalos.
- Vai ter com ela, pá. A vida são dois dias e amanhã é o terceiro.
- E se ela já tem outro?
- Como é que tu sabes, pá? E se tiver? Aguenta-te à bomboka.
- E a Soraia?
- E pá fala-me de carros. Sabes que a Mercedes lançou um novo carro?
- Tu achas que se eu chegar ao pé dela e lhe disser tudo aquilo que sinto...
- Vermelho, lustroso... Eu seria o homem mais feliz do universo. Não queria saber de mais nada.

A piU
Br, 1 de Abril de 2013

COVERSAS ERUNDINTAS

- É pá, o que eu curto aquele gajo!...
- Qual gajo?
- O Toi, pá!
- O Toi? Tu curtes a música do Toi. Ahahaha essa 'tá boa!
- Não é desse Toi de quem estou a falar, pá! E se curtisse? Qual era o problema?
- Não, não era nenhum. cof cof
- Mau! És um leigo, pá. Tou a falar do gajo que escreveu os DEZ Mandamentos!
- O Toi escreveu os Dez Mandamentos?!
- O TOls. O Tols Toi! Tu não lês jornais, pá?
- O Tols toi escreveu os Dez Manadamentos?
- Claro! E acabou dos editar em Olivais da Castanheira! Li hoje de manhã no Jornal "O Certo" quando fui para o trabalho de metro.
- O quê?
- Em que mundo vives, pá? Em que mundo vives?!... Sempre fechado na biblioteca, sempre fechado na biblioeteca depois é no cá dá! Nem uma conversa interessante sabes manter! Pensas logo que eu curto a música do outro Toi. Informa-te, páááá!


A piU
Br, 1 de Abril de 2013

CONVERSAS DIGESTIVAS ou O HÁBITO FAZ O PONCHE

- Tu és estranha.
- Estranha. Porquê?
- Porque não estou habituado.
- Habituado a quê?
- Habituado a não saber se estou habituado.
- Então, porque me estranhas?
- Porque me estranho.

a piu
03.2013

PARADIGMA ou CRISES EXISTÊNCIAS DE UMA FURIOSA DRAMÁTICA

Pára! Pára! Pára tudo! Digma! Digma sem medos, mas digma: O que é isso de paradigma? Digma e não páre de me explicar! Sou toda ouvidos! Digma sem medos! Digma que eu aguento! Aguento tudo! Paradigma. Paradigma. Todaaaa a gente fala de paradigma. Que é necessário mudar o paradigma. Que eu não entendo o paradigma em causa. Pois, mas quem vem a ser esse tal de paradigma? Ou esssa tal de paradigma. Digma, porque dou de caras constantemente com essa palavra tão cara que nem sei se posso encará-la na rua e falar:" Bom dia menino paradigma! Como tem passado? Cumprimentos à família!"
Oooohhh vil existência a minha que desconheço quem é o paradigma!!!

a piu
br, 03.2013