Dois velhos se
encontram depois da morte. Tornam-se amigos do peito, companheiros de aventura.
Farão tudo o que em vida desejaram. Dona Zenilda e Senhor Orpheu. Dois velhos
foliões, nostálgicos, birrentos, doces e!... Principalmente amigos um do outro.
Recordam suas vidas e contam-nas um ao outro. Ao contá-las expurgam suas dores,
rindo-se das mesmas. Dois velhos. Dona Zenilda e senhor Orpheu lembram suas vidas. Seus
amores, sabores, odores, dissabores e clamores. Memórias com recheio de emoção
e sentimento. Seus corpos mirrados até à posição fetal chegarão, mas sempre
caminhando. Seus corpos mirrados de almas dilatadas. Seus desejos contidos de
crianças que foram, de homens e mulheres que continuam a ser. Desejos
inocentes, desejos carentes, desejos desejosos, desejo um do outro. Quem disse
que os velhos não se desejam? Seus corpos enrugados de brilhante olhar. Velhos
belos e grotescos de gestos sutis, desajeitadamente belos e grotescamente grotescos.
Dona Zenilda e senhor Orpheu vão-se tornando cada vez mais cumplices e unidos e
como estão mortos, não correm o perigo da morte os separar. Juntos percorrerão
seus medos, suas alegrias, suas solidões. Juntos desfrutarão da partilha de um
silêncio musical, de uma melodia calma. Juntos preencherão seu vazio com gestos
simples e plenos. Suas almas alimentadas de enrugados corpos atravessarão os
tempos como anjos sem culpa, sem julgamentos ou receios. Rindo pelo prazer de estarem juntos e
consigo mesmos. De se encontrarem um no outro.
trecho do espetáculo "Os Velhos"
Ana Piu