quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

UMA MULHER ATEMPORAL, A VELHA MAIS VELHA QUE OUTRAS VELHAS QUE NÃO ERA TÃO VELHA COMO OUTRA QUE AINDA ERA MAIS VELHA QUE MUITAS OUTRAS VELHAS

Olhou para os pés. Aqueles sapatos usou-os no casamento do seu irmão. Ou teria sido no da prima? Já não se lembra ao certo. Fora há muito tempo e não era isso o que mais interessava. Afinal o que interessava mesmo depois de muitos anos se passarem é que ela continuava caminhando como uma reverência à vida. Irreverente caminhava até os sapatos darem sinais que era necessário pararem, ser substituídos. Outros modo de caminhar formigavam na planta dos pés da velha  que era mais velhas como muitas outras velhas mas ainda não era tão velhas como a mais velha de todas as velhas, porque velhos são os trapos como dizia uma velhinha que não era velhinha e sim prestes a ser uma nuvem branca.

Olhou para os pés e despediu-se dos sapatos. Respirou fundo. Com delicadeza tirou os sapatos dos pés. Cansados de tanta caminhada avisavam-na que outros caminhos, outras formas de caminhar era necessárias tomar.

A mulher atemporal abriu o livro ao calhas e leu baixinho para que as palavras se aconchegassem nas dobras do tempo:

"Para que a mudança seja realmente uma mudança, e não uma mera substituição deve basear-se em algo sólido, deve ocorrer uma mudança em algo cuja continuidade deve ficar assegurado. O que dura não é o que se opõe à mudança, mas ao contrário, é o motivo e o instrumento da própria mudança."#

A velha que não era velha mas era, porque atemporal caminhava nas curvas do tempo. Num longo sopro visualizou as mudanças que desejava. Mudanças essas que se condensavam num aparente e simples frasejar:"Ninguém é mais que ninguém. Todos somos o caminho que escolhemos trilhar descalços, com sapatos largos, apertados, vistosos, exuberantes, discretos, brilhantes, opacos, pacatos, curiosos, destemidos, precavidos, temporais e atemporais"

Enquanto a mulher dançava com os seus pensamentos dava saltinhos como se saltasse de nuvem em nuvem, só que sentido a terra do caminho nos socalcos da planta do pé.

Ana Piu
Br, 22.01.2015

máscara construída por Denise Valarini
corpo que transporta a máscara: Ana Piu

# frase de Eugenio Barba em "Além das ilhas flutuante"


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