sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

ON THE ROAD IN MARROCOS


Saí de Lisboa direito a Ceuta. Irónicamente estávamos na semana santa, aquela da Páscoa. Sempre quisera ir a Marrocos, mas não me apetecia ir sozinha e a minha emancipação feminina ainda não me permitia viajar só com elementos femininos. Na verdade desejava ir a Marrocos sem grandes sobressaltos de género. Naquele ano de 2006 lá fomos nós. Eu e uma petiz de 5 anos ter com uns amigos espanhóis de Valencia.
Na travessia de barco separamo-nos uns dos outros, devido à lotação do barco. Segui com a petiz e um amigo num carro repleto de medicamentos, material escolar e roupa para doar nas populações que fazem fronteira com o deserto do Sahara.
Atravessamos Marrocos com a petiz nas minhas pernas no banco da frente.
Fiquei uma semana sem degustar uma bela cervejinha que eu tanto aprecio, visto o consumo de alcool não ser bem aceite muito menos numa mulher. E para quê levantar ondas?
Paramos numa aldeia. Eu vestia uma blusa branca de meia manga com uns quatro botões na frente. Três estavam abertos pelo calor que fazia. Embora caminhando com um ser do género masculino e uma criança, um sujeito faz sinal ao passar para eu fechar o decote, que eu achava não ser provocante. Fecho. E para quê levantar ondas? Não estou no meu habitat, então danço conforme a música desde que não contrarie o que acho razoável para mim.
No deserto um vendedor quer trocar tapetes e túnicas por roupa que nós trazemos para doar. Nesse momento confirmo a insignificância do dinheiro em determinadas circunstâncias e contextos. E o negócio como um meio de comunicação e criação de relações.
Dentro da bagagem que levamos para doar aparecem peças de roupa inadequadas, por desconhecimento do lugar e dos hábitos do deserto e arredores: mini saias, biquinis, batôns e por aí vai. Deparo-me com a questão do doar. "Mas nós perguntamos a esse pessoal se está interessado nas nossas doações? Nós conhecemos o suficiente esse pessoas para entender se elas não preferem trocar, para que a sua dignidade se mantenha? Ao doar sem troca não estamos a fomentar a cobiça e a criar necessidades de consumo onde não havia?" Questões. Tudo questões.
Ao regresso sinto uns olhares e umas movimentações para averiguar se essa petiz de 5 anos é realmente minha filha, visto ela poder passar por uma criança marroquina.
Pois, em toda a parte nascem e morrem pessoas e as pessoas prezam as suas crianças e a sua dignidade. E quando somos visitas no minimo temos de respeitar as regras da casa sem julgamentos e agradecer por nos receberem.

شكرا (shucra, obrigado)
Ana Piu
Br, 09.01.2014


Atravessei o deserto. Quase, quase morri de sede. Pareceu-me ver o paraíso. Sol demasiado na cabeça. Lutei contra uma tempestade de areia. A areia alisou-me a pele. Rejuvenesci. Senti fome, uma fome do estômago se colar às costas. Chorei de fraqueza. Chorei e depois adormeci para não sentir mais fome. Dias e dias a trote andei. Um oásis. Ali fiquei. Permaneci. Tive de continuar caminho. O verde das árvores despediu-se de mim, ao fundo. Lá no horizonte. Continuei o meu trote cadenciado. Dias e dias a fio. Saciei-me com apenas uma gotinha de água e da visão do oásis, lá muito ao fundo. Caminhei sabendo intimamente que mais à frente me despediria da aridez do deserto. Rebolei do alto duma duna até cá abaixo. Ri-me de alegria. Alegria de rebolar e sentir aquela cócega na barriga. Abri os olhos e levei com um grandessíssimo flash de luz. Um raio de sol trespassou o meu olhar. Resisti de olhos abertos a essa ofuscação. Mais tarde escutei músicas antigas à luz duma lua cheia e gorda que delicadamente beijava o horizonte.

A piU
Br, 24 de Julho de 2012-07-25

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