quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

IR E VOLTAR

aquele Janeiro junto ao mar foi bonito, mas um pouco solitário. Passear depois dos ensaios pela praia era bonito, mas no Inverno também é nostálgico. Já abdicara da televisão há uns bons tempos, mas nessa cidade que deixara havia bares, pessoas, vida na rua. Évora é uma cidade universitária com o que tem de bom e de "já chega". Milfontes é um vilarejo que tem vida humana no mês de Verão, o tal de Agosto. Resultado, quando podia ia a Lisboa. Demorava 5 horas de caminho para ir e outras 5 para voltar, só para ver gente na rua. Também para saracotear entre cinemas, teatros e exposições. Muitas vezes nem havia tempo para combinar com amigos, mas só o ir já valia.

Depois veio Abril e metemos pé na estrada pelo Alentejo profundo. Em 1995 ainda haviam pessoas cuja memória de teatro eram os saltimbancos na rua na década de 40 e 50. Comentários para quê? apresentávamos na rua e em Casas do Povo.

Em 1999 um mês no Estado do Matogrosso apresentando o espetáculo e orientado oficina de improvisação. Além da afabilidade na recepção o enorme interesse em assistir ao trabalho e a participar nas oficinas. "Não tem praticamente nada por aqui", diziam.
Na estrada sentia-me realizada e pensava:"É isto que quero fazer. E cantarolava o Milton:"ir onde o povo está."

Bem sei que muitas vezes, pelo facto de apresentarmos na rua, em espaços coletivos e algumas vezes não convencionais, não somos vistos como atores ou como "verdadeiros" artistas. Os das salas e eventos conceituados. E porque os "verdadeiros atores" são os da novela... Mas não tem problema.  Até um certo ponto. Bem sei que muitas vezes pelo trabalho já estar financiado e ser oferecido ao público gratuitamente este não o valoriza. Talvez tenhamos de ter uma posição mais clara nisso e explicar quem somos, o que fazemos, em que circunstâncias trabalhamos para no minimo dignificarmos o nosso oficio.

De uma coisa sei. ADORO VIAJAR E DEPOIS VOLTAR A CASA. Gosto do sentido de viagem, de ser forasteira recebida com curiosidade e também desconfiança. Embora goste mais da curiosidade, perceber o porquê das desconfianças permite a olhar também para os nossos medos, desejos e persistências. Uma forma de voltar ao lar, ao self, nesse ir e voltar para recarregar energias no deambular da vida, nos encontros e nos "até à vista!".

Ana Piu
Br, 29.01.2015


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