quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

O CHEFINHO E O CHEFADO

O chefinho decide se dá ou não para acreditar em deus. Talvez anseie em ser deus, o chefinho, mesmo renegando e camuflando tal desejo.
Quem sabe se o chefado por nunca se ter quedado consigo mesmo necessite de se agarrar a crenças e crenças nas descreças conforme os ventos favoráveis? Mas certa vez encontrou-se, por instantes. Instantes já distantes aproximou-se profundamente de si e abismado encontrou algo sublime, transcental no mais fundo do seu ser e que se projetava numa folha verde reflectida numa goticula de água. Extasiado assustou-se com a imensidão do seu silêncio e nas resposta contidas nesse mesmo silêncio. Extasiado assustou-se por as respostas flutuarem em aberto dançando passos precisos de tango com as perguntas, as questões, que teimosas não abriam mão de deixar de existirem.
Logo, o chefinho fez uma grande festa pois sabia que lá no fundo bem no fundo aquele deus que o seu chefado encontrara em si mesmo assustava a ambos e abalava o poder do chefinho. “É assim mesmo! Voçê é o seu próprio deus!”. O chefado assustou-se ainda mais, não tinha confiança em seguir em frente com tal emboscada. Logo se sentiu desamparado. Toda aquela descoberta transcendental tinha sido uma experiência boa, mas efémera. Preferia que o guiassem. Preferia ser levado pela mão, assim sentia-se mais seguro, mais confiante. Mas por momentos hesitou. E se ele fosse capaz de lidar com toda aquela força que vinha duma calma, dum vazio cheio de imensidão?
O chefinho, para mante-lo sobre o seu jugo, conveuceu-o mais tarde que a transcendência é o ópio do povo; de seguida convidou-o para uma cerveja e um bocadilho de ovo com rodelas de tomate. Brindaram ao povo! Aos ovos e aos tomates! Brindaram também à liberdade, não sem antes olharem ao redor e concluir que não iria soar patético para os vizinhos. Depois o chefado abraçou o chefinho e disse-lhe:”Grande homem que você é! Já não se fazem homens assim como o senhor!”
O chefinho sentia-se honrado e aliviado pelo chefado não ter notado nada. Não ter notado que era muito maior que ele. Ficou descansado pelo chefado não ter consciência da sua dimensão.
Depois o chefinho voltou para casa pé ante pé, deu a volta à chaves da porta sem fazer muito barulho. E a mãe deitada na cama com a dentadura no copo perguntou de boca murcha:”Por onde andaste até estas horas? Já devias estar na cama!” Depois o chefinho dirigiu-se ao quarto da mãe para beijar a testa da velhota que encerrou o dia dizendo com uma voz carinhosamente rotineira:”Deus te abençoe, meu querido menino. Dorme na paz do senhor, meu anjinho.”

A piU
Br, 2 de Janeiro de 2012

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