domingo, 30 de dezembro de 2012

DE CONTAS FEITAS


Dou umas pedaladas na bicla e o olho o verde vistoso da folha da baneira. Acordo com o peito mais calmo. Acho que ando de contas feitas com o meu país. Acho que ando de contas feitas com a minha vida. Á porta está 2013. Lá para o mês nove farei quarenta anos. Lembro-me do ano  de 1983 vagamente. Lembro-me precisamente do ano de 1993. Do ano de 1973... Lamento, mas a minha memória não vai a tanto. E também nunca fiz psicanálise. Quarentas anos. Vinte dois anos a esfuçinhar o mundo por aí. Talvez por claustrofobia, talvez por curiosidade de não ficar somente em Portugal. Se o fizesse seria como vestir uma roupa de lã encolhida na lavagem de água quente. Mas como é de lã é quentinho e mais vale um agasalho pequenino do que uma termo tebe para recém-nascido... Acho que estou de contas feitas com o meu país. Paguei os meus impostos, os tais dos 21% de retenção na fonte que verdade seja dita sempre mos devolveram no final do ano fiscal. E que fiz eu com esse montante? Fui vasculhar mundo para me pôr a andar com as  minhas filhas. E porquê? Porque o mundo não acaba na nossa camisolita de lã mirrada pela água a ferver. Porque não quero que as minhas filhas cresçam afectadas por uma neurose coletiva nacional.

Nunca pude pagar os 150 euros (acho que agora é mais) de segurança social. Se o fizesse não poderia ter a dignidade de colocar comida em cima da mesa, além de que mesmo pagando esse montante não teria direito a nada em caso de doença e invalidez. Num momento de maior afluência de trabalho (a recibos verdes) pedi um empréstimo ao banco para comprar uma casa. Saíria mais barato uma prestação  que pagar um aluguer, além de que se eu ficar inválida ou morrer a casa estará paga para as minhas filhas (bom, se o banco não virar o bico ao prego). Já que não tenho direito a nada como trabalhadora independente, profissional do espectáculo... É um espectáculo eu poder ter uma casinha onde possa ficar lá dentro na minha cadeira de rodas a limparem-me a baba. Se as minhas filhas não me quiserem limpar a baba, pelo menos ficam com um lugar para viver ou para fazer disso uma fonte de rendimento para me pagarem o lar. ;)

Antes de zarpar de Portugal fui-me entregar à segurança social para que o fiador da minha casa não se visse metido em cargas de trabalho. Apesar dos pezares a facada da segurança social tem sido aguentável, talvez por me ter entregue. Mas nunca terei direito a nada de nada. Pagando ou não pagando. Mas tou a pagar em módicas quantias mensais durante 5 anos para ficar de contas feitas com o meu país de origem.

Acho que estou de contas feitas com o meu país e com quem nele habita. Levo algumas, muitas pessoas no meu peito e coração mas tudo o que sinto e penso não fica por dizer, nem por fazer. Porém, com a humildade que acho necessária vou fazendo e dizendo, isto porque não considero justo que voltemos a cometer os mesmos erros, as mesmas atrocidades históricas.

Acho que vou conseguindo colocar todos os sabores, odores, disabores e dores no seu lugar com um foco: continuar calcorreando este imenso e pequeno mundo sem nunca esquecer de onde vim e de querer, desejar que esse lugar de onde vim desabroche, desencane, se emancipe num lugar mais solidário, mais humano, mais vivo.

A piU
Br, 30 de Dezembro de 2012

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