O avô de Aurora chama-se Manuel. Uffff Quantos Manueis não existirão à face da terra? Manueis, Marias, Joões, Pedros, Migueis, Ritas e Anas e até mesmo Manuelas ou Mários. O bisavô materno chamava-se Teodoro, aquele cujo pai voltou de terras tropicais para a sua àrida terra no sul da sua terra natal. Árida terra em áridos tempos. Tempos de fome. Tempos da longa noite escura. (...) Na casa de Aurora há um objeto de madeira maciça muito louco. Parece uma colher de pau com 5 olhinhos. A mãe conta que este objeto era usado nos tempos de escola do seu trisavó pelos professores, para estes baterem nas crianças desobedientes e burras. Aurora pergunta-se:” Mas as crianças devem obedecer ou respeitar? Tem crianças burras ou tem crianças com o seu ritmo próprio para aprender? Tem crianças que não se interessam por matemática, mas curtem ciências da natureza. Tem crianças que gostam de desenhar letras na aula de pintura, mas que se aborrecem com as aulas chatas de português quando os textos não as convidam para viajar na imaginação.”
Aurora pensa muitas coisas sentada perto da janela olhando o horizonte. Depois passa a ponta dos dedos pela graxa e deseja que logo logo as mangas do quintal amadureçam e fiquem bem doçinhas para comê-las debaixo da sombra da árvore maior do quintal. Com o gato por perto cócegadeando com os bigodes nas suas pernas. Respira de aliviada por nas escolas já não haver mais a colher de cinco olhos. Aurora volta a acariciar as botas com graxa nas pontas dos dedos e pensa, falando com os seus botões:”Eu cá gosto muito da escola quando tenho liberdade para ser, para imaginar coisas e ser. Gosto de aprender. Não gosto de copiar. Gosto de seguir o meu ritmo, mesmo que não tenha logo sucesso. Gosto de ter sucesso depois de ter vencido meus fracassos. Gosto de brincar com meus fracassos e aproveitá-los para crescer cá dentro e nunca esquecer que é bom manter a curiosidade de criança. Manter a alegria de estar viva. E dizer:”Obrigada vida por existires!” Aurora pensa tudo isto enquanto engraxa a bota cardada do seu pai.
A piU
imagem: Paula Rego
Br, 20 de Dezembro 2012
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