sábado, 29 de dezembro de 2012

MARIAS E MARTAS


Maria era o seu nome. Poderia ser Mariana, Marieta, Marinela. Mas era simplesmente Maria como muitas outras. Muitas outras no seu país e no mundo inteiro. Quantas Marias não existirão? Marias católicas, Marias judias, vadias, ateias, de meias, bonitas e feias. Esta era Maria Namora. Ahhh! Da família do escritor neo realista! Do Fernando Namora! Nããã! Nada disso. Namora de namoradeira, de solicita, de delicodoce. O que causava transtorno a Marta, essa mulher intempestiva de coração grande, era a tal da postura muito solicita de Maria. Cheirava a esturro, cheirava a inverdade, cheirava a cheiro velho.

Cruzaram-se. Maria e Marta cruzaram-se nas curvas do viver. Maria admirava Marta. Admirava que admirava. Maria quando chegou aquele trabalho foi estigmatizada. Era um grupo muita porreiro que vivia para fazer o bem à sociedade. Malta do bem, mas sem levantar muitas ondas. Todos muito contentinhos com o seu quinhãozinho. Não se podiam queixar haviam pessoas em situação muito pior. E eles eram do bem. Mas Marta não se conformava trabalhar na precariedade. Não se conformava de ser bonzinho em vez de ir a fundo no seu trabalho de crescerem juntos, de marcarem a diferença pela qualidade e não pela imagem dos bonzinhos.

Marta estava sobre mira. Qual dia salta fora. Pobre e mal agradecida.
Marta propôs juntarem-se para melhorarem o trabalho fora da hora de expediente.
A entidade patronal perguntou a Maria como estava a correr o trabalho. Não se sabe se por ingenuidade, burrice, oportunismo, sacanisse falou que era dificilde trabalhar com a Marta. Mesmo sobre aviso que se falasse tal coisa Marta seria despedida Maria delatou na mesma. Talvez se tenha arrependido, talvez esse arrependimento se tenha transformado em orgulho para que ficasse de consciência tranquila. Seja como for deixou de ser estigmatizada pela entidade patronal e passou a ser a menina dos olhos, respeitada e querida.

Marta implorou ficar apenas mais uns meses por necessidades óbvias.Ninguém vive do ar, tampouco os seus filhos vivem do ar. Não discutiu com Maria, pediu-lhe apenas para não mexer mais no assunto. O que estava feito, estava feito. Maria respondeu:” Assume as tuas responsabilidades.” Marta nem lhe respondeu. Para quê?

Marta foi embora com um sentimento difuso, sem saber se haveria de sentir nojo ou pena de Maria, que na sua jovem idade era ainda o espelho dos resquicios duma longa e negra noite obscura e delatora. Porém foi embora apaziguada com uma única certeza: que faria tudo o que pudesse para que esse tipo de episódios não voltassem a acontecer consigo e já agora com os outros. E como o faria? Escrevendo. Deixando registos de memória. Registos que nos relembrem que a delação, a conivência com poderzinhos desnecessários, com a bajulação mesquinha são um buraco fundo que não levam a lugar nenhum. Aliás, levam. Levam à repetição sinistra da História.

A piU
Br, 29 de Dezembro de 2012

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