sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Pés e raízes



O longo pátio de pedra. Retalhos de pedra. Lages pequenas, grandes, de várias cores. Canteiros com roseiras e hortênsias. No centro do pátio uma ameixeira. Uma grande, linda e faustosa ameixeira.
Maria Isabel corre para abrir o portão grande de ferro onde estão duas letras embutidas no mesmo: V A. (Vivenda Anastácio). O Anastácio, ou melhor o Coelho, passa imponente. Com um penteado que o boi lambeu. Maria Isabel depois de ter puxado o lustre ao vistosos Mercedes preto e verde ainda retifica, depois do portão estar aberto, se o branco do T de TAXI está brilhoso.
E o Coelho passa dando ares de imponência. Nem um olhar dirige a Maria Isabel. Nunca tiveram filhos. Posses tiveram, nada ou quase nada desfrutaram ou ostentaram.
As folhas caíam, a árvore desnudava-se abrindo os seus braços para o pátio e para o céu. Depois voltava a nascer, aos poucos, outra folhagem. Pequeninas flores brancas prometiam doces ameixas amarelas.
Do outro lado do muro, e mais outro muro, na continuidade das suas propriedades havia uma figueira. Muitos anos se debruçou triste sobre um barraco construído no quintal dos fundos. Passados uns anos, de corpo envelhecido, o Ti Mário subia ao telhado do barraco para tratar da figueira.
Muitos figos alimentaram a vizinhança. Gordos, verdes e rósios.  Quando o o corpo envelhecido deixou de subir ao barraco a figueira ainda ofertou por mais dois anos saborosos figos. Depois secou de vez quando o envelhecido corpo se foi imóvel  e duro como uma árvore. Nunca mais rejuvenesceu. Até ser cortada. A ameixeira tomou  o mesmo rumo.
O táxi deixou de passar, o portão deixou de se abrir de par em par.
Maria Isabel ainda aparecia por detrás das grades onde estava inscrito VA.
Depois, mais tarde, as suas propriedades foram esvaziando.
Alguém, vindo de longe muito longe, passou para pegar suas memórias naquele espaço agora desolador. Inspirou e ainda sentiu um leve odor de fruta. Depois, abandonou delicadamente aquele espaço que pouco sentia afinidade. Levou consigo as memórias dos caminhos de ovelhas. Seus odores e sabores levava num bolsinho bem recôndito de si. Caminhos de ovelhas estrangulados por fábricas de agulhas, de queijos. Fábricas desativadas, mas proeminentes passando por cima do rio. Rio, agora seco, onde as mulheres cinco décadas atrás se encontravam para lavar a roupa, antes da construção do tanque/ lavadouro público. Este agora também desativado.
Levou consigo, também, o segredo que as árvores tombadas se espalhariam noutros caminhos de ovelhas e bicicletas desejando que fábricas proeminentes não estrangulassem mais esses caminnhos.
E seguiu caminhando com raízes nos pés.


Série: “Efemeridades eternas”
A piu
Br, 25 de Outubro de 2012

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