domingo, 30 de dezembro de 2012

DE CONTAS FEITAS


Dou umas pedaladas na bicla e o olho o verde vistoso da folha da baneira. Acordo com o peito mais calmo. Acho que ando de contas feitas com o meu país. Acho que ando de contas feitas com a minha vida. Á porta está 2013. Lá para o mês nove farei quarenta anos. Lembro-me do ano  de 1983 vagamente. Lembro-me precisamente do ano de 1993. Do ano de 1973... Lamento, mas a minha memória não vai a tanto. E também nunca fiz psicanálise. Quarentas anos. Vinte dois anos a esfuçinhar o mundo por aí. Talvez por claustrofobia, talvez por curiosidade de não ficar somente em Portugal. Se o fizesse seria como vestir uma roupa de lã encolhida na lavagem de água quente. Mas como é de lã é quentinho e mais vale um agasalho pequenino do que uma termo tebe para recém-nascido... Acho que estou de contas feitas com o meu país. Paguei os meus impostos, os tais dos 21% de retenção na fonte que verdade seja dita sempre mos devolveram no final do ano fiscal. E que fiz eu com esse montante? Fui vasculhar mundo para me pôr a andar com as  minhas filhas. E porquê? Porque o mundo não acaba na nossa camisolita de lã mirrada pela água a ferver. Porque não quero que as minhas filhas cresçam afectadas por uma neurose coletiva nacional.

Nunca pude pagar os 150 euros (acho que agora é mais) de segurança social. Se o fizesse não poderia ter a dignidade de colocar comida em cima da mesa, além de que mesmo pagando esse montante não teria direito a nada em caso de doença e invalidez. Num momento de maior afluência de trabalho (a recibos verdes) pedi um empréstimo ao banco para comprar uma casa. Saíria mais barato uma prestação  que pagar um aluguer, além de que se eu ficar inválida ou morrer a casa estará paga para as minhas filhas (bom, se o banco não virar o bico ao prego). Já que não tenho direito a nada como trabalhadora independente, profissional do espectáculo... É um espectáculo eu poder ter uma casinha onde possa ficar lá dentro na minha cadeira de rodas a limparem-me a baba. Se as minhas filhas não me quiserem limpar a baba, pelo menos ficam com um lugar para viver ou para fazer disso uma fonte de rendimento para me pagarem o lar. ;)

Antes de zarpar de Portugal fui-me entregar à segurança social para que o fiador da minha casa não se visse metido em cargas de trabalho. Apesar dos pezares a facada da segurança social tem sido aguentável, talvez por me ter entregue. Mas nunca terei direito a nada de nada. Pagando ou não pagando. Mas tou a pagar em módicas quantias mensais durante 5 anos para ficar de contas feitas com o meu país de origem.

Acho que estou de contas feitas com o meu país e com quem nele habita. Levo algumas, muitas pessoas no meu peito e coração mas tudo o que sinto e penso não fica por dizer, nem por fazer. Porém, com a humildade que acho necessária vou fazendo e dizendo, isto porque não considero justo que voltemos a cometer os mesmos erros, as mesmas atrocidades históricas.

Acho que vou conseguindo colocar todos os sabores, odores, disabores e dores no seu lugar com um foco: continuar calcorreando este imenso e pequeno mundo sem nunca esquecer de onde vim e de querer, desejar que esse lugar de onde vim desabroche, desencane, se emancipe num lugar mais solidário, mais humano, mais vivo.

A piU
Br, 30 de Dezembro de 2012

sábado, 29 de dezembro de 2012

DAR UNS AMASSOS E JÁ TÁ!

Marta trabalhou até ao final dos finais da gravidez. Agarrar tudo o que podia. Trabalho não se arranja todos os dias. E lá andava ela em dois trabalhos, sem dia de folga. Mas feliz por fazer o que gostava. Enfim, lá ia ela com a sua pançola! Chegou a fazer uma aposta. Se concluisse o trabalho ofereciam-lhe uma caracolada, caso contrário seria ela a oferecer. O que interessava era a patuscada! E concluir o trabalho. Ganhou a aposta! No outro trabalho, que há anos que o fazia e já com um verdete na ponta dos dedos de tanto recibo verde passar, voltaria após dois meses de licença de parto sem vencimento. E mesmo assim! Ainda bem que tinha arranjado aquele segundo trabalho, senão como seria? Mas a coisa ía na boa. P'ra frente que é caminho! Sabia que poderia contar com o seu trabalho e pouco mais. E também sabia que não podia contar com os seus colegas. Ninguém se mobilizou. Nem um gesto de apreço por vir mais um ser ao mundo. A rotina continuou como sempre. Logo logo, como sempre, entendeu que nas situações limite a solidariedade é uma espécie de milagre de Fátima. De vez em quando estão lá os três pastorinhos, outras vezes os três pastorinhos foram dar autógrafos.

Marta voltou ao trabalho, não havia tempo para lamúrias. Continuou e na sua continuidade trabalhou com colegas que doentes se arrastavam no trabalho. Se não fossem não recebiam pelo dia de trabalho. Quando a dor do colega era insuportável, Marta fazia questão de ir na frente e segredava ao ouvido:”Encosta-te que eu vou ou então abranda que dou gás.”

Bom, mas fazer o quê? Trabalhar enquanto se pode na vida e até à morte se tivermos sorte em arranjar um trabalhito e caminhar de bico caladito. E ao fim de semana, se der, dar umas beijaças e uns amassos a quem mais gostamos e já tá!

A piU
Br, 29 de Dezembro de 2012

MARIAS E MARTAS


Maria era o seu nome. Poderia ser Mariana, Marieta, Marinela. Mas era simplesmente Maria como muitas outras. Muitas outras no seu país e no mundo inteiro. Quantas Marias não existirão? Marias católicas, Marias judias, vadias, ateias, de meias, bonitas e feias. Esta era Maria Namora. Ahhh! Da família do escritor neo realista! Do Fernando Namora! Nããã! Nada disso. Namora de namoradeira, de solicita, de delicodoce. O que causava transtorno a Marta, essa mulher intempestiva de coração grande, era a tal da postura muito solicita de Maria. Cheirava a esturro, cheirava a inverdade, cheirava a cheiro velho.

Cruzaram-se. Maria e Marta cruzaram-se nas curvas do viver. Maria admirava Marta. Admirava que admirava. Maria quando chegou aquele trabalho foi estigmatizada. Era um grupo muita porreiro que vivia para fazer o bem à sociedade. Malta do bem, mas sem levantar muitas ondas. Todos muito contentinhos com o seu quinhãozinho. Não se podiam queixar haviam pessoas em situação muito pior. E eles eram do bem. Mas Marta não se conformava trabalhar na precariedade. Não se conformava de ser bonzinho em vez de ir a fundo no seu trabalho de crescerem juntos, de marcarem a diferença pela qualidade e não pela imagem dos bonzinhos.

Marta estava sobre mira. Qual dia salta fora. Pobre e mal agradecida.
Marta propôs juntarem-se para melhorarem o trabalho fora da hora de expediente.
A entidade patronal perguntou a Maria como estava a correr o trabalho. Não se sabe se por ingenuidade, burrice, oportunismo, sacanisse falou que era dificilde trabalhar com a Marta. Mesmo sobre aviso que se falasse tal coisa Marta seria despedida Maria delatou na mesma. Talvez se tenha arrependido, talvez esse arrependimento se tenha transformado em orgulho para que ficasse de consciência tranquila. Seja como for deixou de ser estigmatizada pela entidade patronal e passou a ser a menina dos olhos, respeitada e querida.

Marta implorou ficar apenas mais uns meses por necessidades óbvias.Ninguém vive do ar, tampouco os seus filhos vivem do ar. Não discutiu com Maria, pediu-lhe apenas para não mexer mais no assunto. O que estava feito, estava feito. Maria respondeu:” Assume as tuas responsabilidades.” Marta nem lhe respondeu. Para quê?

Marta foi embora com um sentimento difuso, sem saber se haveria de sentir nojo ou pena de Maria, que na sua jovem idade era ainda o espelho dos resquicios duma longa e negra noite obscura e delatora. Porém foi embora apaziguada com uma única certeza: que faria tudo o que pudesse para que esse tipo de episódios não voltassem a acontecer consigo e já agora com os outros. E como o faria? Escrevendo. Deixando registos de memória. Registos que nos relembrem que a delação, a conivência com poderzinhos desnecessários, com a bajulação mesquinha são um buraco fundo que não levam a lugar nenhum. Aliás, levam. Levam à repetição sinistra da História.

A piU
Br, 29 de Dezembro de 2012

FALTA DE AR

Acordava a meio da noite com uma tremenda falta de ar. Abria a janela na esperança de conseguir sorver o luar. Tudo em vão. Olha para a noite e de tão escura que estava mais o ar lhe faltava. Sentia frio e voltava a aconchegar as portadas no parapeito muito a esforço. Apoiava-se no pararapeito mas este repelia-o. Dum mármore viscoso o parapeito não permitia grandes aproximações. Voltava a deitar-se. Ao seu lado o filho dormia mexendo-se ora para um lado ora para outro. Todo aquele reboliço noturno contribuia a todos aqueles achaques.
Foi até à cozinha. A garganta estava seca. Precisava de água. Abriu a porta da geladeira. Nada. Abiu a porta do congelador e vasculhou ansiosamente por alguma bebida, mesmo que congelada. Enfiou a cabeça toda lá dentro e como por toque de magia a sua respiração intercortada voltou a cadenciar. Achou graça a tal acontecimento e começou a fintar a sua própria sorte afastando-se e aproximando-se do congelador.
Os vizinhos acordaram com um choro duma criança. A mãe estendida no chão com os lábios roxos. a porta do congelador entre aberta. No seu interior estilhaços duma garrafa de vidro de água tónica

a Piu
Br. 29 de Dezembro de 2012

EM SURDINA

Estava estendido no chão. O peito nu de pêlos brancos contra o chão. Um chão insalubre.

Olhava de esguelha para as mãos. Umas mãos rugosas, curtidas pelo tempo.Ohava, voltava a olhar e não encontrava explicação.

O gaiato andava por ali a espassarinhar. O raça do gaiato não parava de atiçar a vaca que por ali andava a ruminar. A vaca foi para lá da cerca. Não havia jeito maneira da teimosa da vaca voltar ao pasto que lhe era destinado. Assim que que a encontrou encurralda entre uma pedra e uma árvore deu-lhe um soco mesmo no meio dos olhos. Em instantes a vaca desfaleceu. Surpreendido Alfredo abeirou-se da bicha. Estava morta. Alfredo chorou. A melhor vaca leiteira que tinha. Continuou a chorar. Olhou para as mãos. Nem uma pinga de sangue. Um soco seco arrumou com a pobre da bicha. Naquele instante percebeu o carinho que sentia por ela. aaaahhhh deixa p'ra lá! Mariquices de mulher! Temos carne para o ano inteiro. Com mulher e sete filhos choraminguiçes é para quem pode, não é para quem quer.

O raça do miudo não tem tino!! A quem foi sair? os outros andam ali nos eixos, mas este não há quem o segure. Sempre aos pulos e a rir! Como se os tempos fossem para risotas!...

E não pára! Mas tu queres ver?! Mas queres ver mesmo? Voltas a abrir a cancela para as vacas sairem e levas um puxão de orelhas!! O moço não quis fazer caso. Desta vez não era uma só, eram todas. A manada correu em direção ao rio. Parecia que o seu correr falava:"Estamos livres! Estamos livres!" Um bando de garças voavam na outra direção como se o seu voo falasse:"Elas conseguiram-se libertar! Estão livres! São livres como nós!"

É desta que o raça do muido vai levar umas trolitadas. O menino querido da mamã já vai ver! Por isso ele é assim!
Assim que encontrou o gaiato a sua mão grande e curtida pelo trabalho duro do campo lançou-se à orelha do rapazito. Numa torcidela seca o moço caiu no chão para nunca mais se levantar.

Foram-no buscar num dia de domingo, depois do funeral do gaiato. A familia comia amargamente grão com mão de vaca. De olhos triste e peito desfeito Alfredo pediu aos guardas a permissão de vestir uma roupa melhorzinha. Queria ser preso com dignidade. Juntou alguns haveres mum saquito de pano. No meio a foto do dia que foram todos à feira do gado comprar os sapatos anuais para dias especiais.

Sempre alegara que não tinha morto o gaiato. Que nunca tivera intenção de fazer mal ao filho.
A mulher e os filhos ai estavam na audiência com os sapatos dos dias especiais roendo os calcanhares e a alma.
O Alfredo limpava o suor com um lenço de linho. Falando para o juiz ainda limpou o ranho de um dos filhos com o mesmo lenço.
"Senhor juiz, tempo algum foi intenção minha matar o gaiato." De gestos cansados e duros continuou:" Eu só fiz isto ao meu filho." E assim que deitou mão à orelha do rapazola que acabara de limpar o nariz logo este caiu redondo no chão não voltando mais a levantar-se.

O Alfredo foi sucumbindo aos poucos na sua cela. Passados dois anos pôde ir a casa passar um fim de semana com a mulher e os cinco filhos que restava. Chegou de roupa coçada e olhos caídos sempre olhando para as mãos. Comeu a sopa de couves e feijão que a mulher preparara. Os filhos continuavam a cuidar da terra e dos animais, mas a sua ausência tinha feito mossa no sustento da casa. Apesar da rudeza dos dias dignidade era uma palavra que era levada a sério.
Alfredo voltou a olhar para as mãos. Lá fora o calor ondeava o horizonte. Olhou para as árvores que circundavam a casa. Escolheu a mais distante, mas visivel se os olhos se semi cerrassem.
Respirou profundamente, sentindo o odor da fruta que amadurecida pendia dos ramos. Tirou o seu cinto que já pouco efeito fazia na magreza que acumulara no seu outrora corpo robusto.

Elvira foi encontrá-lo com um sorriso nos lábios. Um sorriso implorando perdão.
Pediu aos filhos para a ajudarem, apesar de magro os ossos do corpo de Alfredo que outrora foram robustos eram do peso de um touro.

Nesse dia o jantar foi consumindo em silêncio. Azeitonas, pão e vinho. Um jantar em jeito de quase jejum em memória de Alfredo. Que descansasse em paz, pediu todos os seis olhando os pedaços de alho que temperavam as azeitonas.

Depois, a vida continuou. O sol nascendo, pondo-se. Épocas de plantio e de colheita. A vida continuava sem muito tempo para tristezas, apesar de que no segredo dos lencois, na calada da noite, um gemido de dor podia se escutar. Algumas vezes esse gemido era em surdina. Mas todos o escutavam.

a piu
Br, 29 de Dezembro de 2012

domingo, 23 de dezembro de 2012

CARTA AO PAI NATAL

Meu querido pai Natal e papai Noel, fico muito feliz de te encontrar desse jeito. Obrigada Elsa, por me teres mostrado o paizinho em tais vestimentas! Andava com muita pena de te ver tão encasacado neste calor tropical. Gosto também da tua posição balética. Dá-te um ar juvenil e disponivel. Meu querido papai natal não te queria pedir muitas coisas. Uma queria pedir-te: dá para dar uma forçinha para que o meu país natal não ande mais em cuecas mesmo no Inverno? Meu querido papai Noel, dá para te pedir outra coisa? Tu sabes que eu gosto de receber prendas com alma, mesmo que não custem os olhos da cara. Aliás, gosto de prendas com alma e olhos na cara. Mas só queria pedir-te mais uma ou duas coisinhas: a primeira tem haver com essa saga da burocracia. Dá para falar com um dos teus estagiários no ativo há 20 anos para falar com o senhor burocrata para que este me deixe em paz? Outra coisa que eu queria te pedir se não for muito: Dá para espalhar humildade q.b. e orgulho q.b. de sermos quem somos por nós comuns mortais? Acho que já seria um pauzinho na engrenagem nessa tal de paz mundial. Bom, agora vou-me despedir pois tenho de publicar uma imagem de boas festas para os meus amigos e familiares. Um grande abraço meu querido papai Noel. Espero que cá estejas no próximo ano e que possamos ter coisas boas para contar um ao outro. a Piu

RUA DOS CATÁLOGOS

Entro categóricamente na rua dos catálogos. Fico à toa. Concentro-me. Olho o dicionário. Nada de vale. Ligo o gps, a senhorinha manda-me para lugares insuspeitos. Olho para o mapa, mas a configuração das ruas mudaram. Olho em volta e as ruas são maiores, existem campos à volta que o mapa não mostra. Vou ter com um grupo de pessoas. Conversamos. Convidam-me para almoçar. Ficamos amigos. Mais tarde encosto-me a uma árvore e esfolheio um livro. Inspiro-me naquele livro e noutros tantos que já li, viajando por entre letras, palavras e ideias. Guardo o livro cuidadosamente e continuo a caminhar nas ruas, cruzando-me com pessoas e desejando-lhes boas festas. Sim, porque fazer da vida uma festa, uma festa boa é um feito!

A MENINA OLGA

"Que bonita que menina Olga vai, não se parece com a mãe nem com o pai. Então Sô Jô fala: ” Me desculpai, se você não se parece com seu pai.Eu, Sô Jô lhe digo que é parecida com o seu avô.”
Ora tá visto e revisto que o lugar desta história mais parece uma chicória. De tão correta e saudável que é até já cheira a chulé. Tá na moda sermos corretos, pedagogos indiscretos. Apregoar nas suas verdades e não aturar leviandades.
Mas a vida não é só isso, se não vira enguiço. Libertar a nossa loucura torna a vida menos obscura. Rir de si mesmo com o comparsa é uma virtude e também uma graça. Se se disfarça ou não se disfarça cabe a cada um gerir a sua farsa.
Cada personagem é fictícia, mas não deixa de ser uma delicia. Quantas personagens nos oferecem imagens de outros mundos, outras viagens?
Viajar é importante. Principalmente para um viajante. Somos todos um pouco mutantes nestas vidas delirantes. Zás trás paz assim é que se faz. Zuca laruca, puxa pela cuca"

"Historietas maluquetas da Sinhá Moça"
a piu
imagem: Inês d'Espiney
Br, 22.12.2012
— com Inês d'Espiney.

CHE CHE


A- Tu também, pá, não te seguras em nenhum emprego!
B- Emprego ou trabalho?
A- Emprego. Trabalho é tudo o mesmo. O pessoal não quer é trabalhar!
B- Achas mesmo isso?
A- Passados 6 meses vais te logo embora. És um inconstante.
B- Diria mais! Um incontinente!
A- Vais me dizer que vais mudar de continente?! Há muita terra para trabalhar por aqui, pá!
B- Olha, pois... Tens razão, mas não sei trabalhar a terra! Ensinas-me?
A- Olha agora ensinar-te! Trabalhei trinta anos na mesma empresa... Tive lá tempo!
B- Granda sorte!
A- Sorte não, trabalho!
B- Ã ã ã. Significa que eu nunca quis trabalhar?
A- Voçês tiveram tudo, pá! Ainda são os miudos!
B- Ã ã ã! Os meus filhos são uns miudos?
A- ......
B-........
A- Olha, tens um cravo debaixo da axila.
B- Um cravo?
A- Sim, um cravo. Se levanteres a axila e olhares para o lado vais ver.
B- É paaaa, isso já é pedir muito.
A- Desculpa, pois é.
B- Olha, chegou a tua vez.
C-É só o pão? Vai pagar com dinheiro ou cartão?
A-Cartão.
C- Débito ou crédito?
A- Débito.
C- Um Santo Natal para si.
A- Para si também.
......
A- Eu fiz a revolução, pá.
B- Vê-se.
A- O que é que tu sabes da vida, paaaa?
B- Neste momento já não sei nada. Bom, mas vou ver se encontro os meus kalkitos lá na tua garagem. Espero que não os tenhas deitado fora.

A piU
Br, 23 de Dezembro.2012

sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

OVELHINHA, OVELHONA

Histórias malditas para pessoas catitas. Palavras de escárnio e maldizer para gentes de afazeres: Podes ser minha fã, mas não farás parte do clã. Podes chorar com muita dor e até tecer um grande louvor que não terás o titulo de Doutor. Podes fazer grande esforço que não sairás do calabouço. Ovelhinha, ovelhinha serás assim até seres velhinha. Mesmo fazendo-te á pista duvido que sejas artista. Ovelhinha, ovelhinha do Império dos falhados vens de patinha em patinha com os cascos todos molhados. Ovelhinha que és tão bela esquece lá a história da caravela. Ovelinha, ovelhona abre a pestana e sê mais sabichona.

A piU

bR, 21 DE dEZE.2012

quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

A BOTA CARDADA DO PAI

O avô de Aurora chama-se Manuel. Uffff Quantos Manueis não existirão à face da terra? Manueis, Marias, Joões, Pedros, Migueis, Ritas e Anas e até mesmo Manuelas ou Mários. O bisavô materno chamava-se Teodoro, aquele cujo  pai voltou de terras tropicais para a sua àrida terra no sul da sua terra natal. Árida terra em áridos tempos. Tempos de fome. Tempos da longa noite escura. (...) Na casa de Aurora há um objeto de madeira maciça muito louco. Parece uma colher de pau com 5 olhinhos. A mãe conta que este objeto era usado nos tempos de escola do seu trisavó pelos professores, para estes baterem nas crianças desobedientes e burras. Aurora pergunta-se:” Mas as crianças devem obedecer ou respeitar? Tem crianças burras ou tem crianças com o seu ritmo próprio para aprender? Tem crianças que não se interessam por matemática, mas curtem ciências da natureza. Tem crianças que gostam de desenhar letras na aula de pintura, mas que se aborrecem com as aulas chatas de português quando os textos não as convidam para viajar na imaginação.”

Aurora pensa muitas coisas sentada perto da janela olhando o horizonte. Depois passa a ponta dos dedos pela graxa e deseja que logo logo as mangas do quintal amadureçam e fiquem bem doçinhas para comê-las debaixo da sombra da árvore maior do quintal. Com o gato por perto cócegadeando com os bigodes nas suas pernas. Respira de aliviada por nas escolas já não haver mais a colher de cinco olhos. Aurora volta a acariciar as botas com graxa nas pontas dos dedos e pensa, falando com os seus botões:”Eu cá gosto muito da escola quando tenho liberdade para ser, para imaginar coisas e ser. Gosto de aprender. Não gosto de copiar. Gosto de seguir o meu ritmo, mesmo que não tenha logo sucesso. Gosto de ter sucesso depois de ter vencido meus fracassos. Gosto de brincar com meus fracassos e aproveitá-los para crescer cá dentro e nunca esquecer que é bom manter a curiosidade de criança. Manter a alegria de estar viva. E dizer:”Obrigada vida por existires!” Aurora pensa tudo isto enquanto engraxa a bota cardada do seu pai.

A piU
imagem: Paula Rego
Br, 20 de Dezembro 2012

O TRABALHO É UMA VIRTUDE

- Hmmmm que chic! Que marca vestes?
- Marca?
- Griffe.
- Ahhh! Pierre Bourdieu.
- Pierre Bourdieu?
- Pardon, Pierre Cardin.
- Uau! Essas jeans! Que marca são?
- Wagner. Roy Wagner.
- Hmmm tou a ver! Que chic.
- Vais-me de dizer que usas umas Lévis!?
- Lévi Strauss, claro.
- Ficam-te bem.
- Hoje fui ver um espectácilo com texto do Maiakovski.
- Malinovski?
- Maiakovski!! Da revolução russa. Maiakovski!... tzzz não pensas em mais nada.
- MALINOVSKI!!
- Gosto muito da Margaret.
- Da Tatcher?!
- Da Mead.
- Uffffaaaaa! Que alívio!
- Olha! Tens um cigarro?
- Nietsche.
- Nietsche?
- Ni tcha.
- Ah! Não fumas!
- To ma, man.
- Thomas Man?
- E paaaaa! Dá-me descanso.
- Descanso? Não conheço!...

série: " O trabalho é uma virtude"
A piU
bR, treuze de dezembro 2012

MOEDA NÚMERO UM

Entrei na Igreja da fé quadrangular e procurei um canto para me colocar. Em linha recta fui, em linha recta voltei. Minha blusa quadriculada reluzia ao som de preces amplificadas. Sentei-me e esperei que algum canto surgisse. Não surgiu. Não podia surgir. Os cantos não surgem, somos nós que os devemos procurar e anicharmo-nos neles.
Li o meu livro de quadradinhos preferido. Na capa tinha o Tio Patinhas fazendo as pazes com a Maga Patalógica. Um senhor abeirou-se de mim e disse:
- Não pode estar aqui com livros de quadrinhos!”.
- Mas eu tenho aqui uma autorização por escrito que posso ler livros de quadradinhos,
Respondi.
- Mostre lá! Hmmm Bom… Esta autorização é para livros de quadradinhos e não de quadrinhos. Como tal não tem efeito.
- E quadradinhos, posso?
- Já lhe disse que não!
- Mas é de quadradinhos e não de quadrinhos…
- Aqui neste espaço não existem revistas de quadradinhos. Nem sei o que isso é. Por favor, retire-se.
- Juro que não incomodo.
- Queres ver esta? Vou ter de chamar o Zé Carlos. Zé Carluuuuuus!
- Sim? Esta senhora está a ler este livro de quadri… quadrinhinhos.
- Aia! Eu não tenho esta!!! É das melhores!!! O senhora não tem autorização, não é? Vou ter que ficar com a sua revista de quadradidinhos.

Saí em círculos na esperança de reencontrar a minha revista preferida. Meti a minha mão ao bolso e senti um metal fino. A moeda número um do tio Patinhas já é minha!! Saí de fininho, de cabeça baixa para não dar nas vistas.


A piU
16. Dezembro.2012

POEMAS DE NATAL

POEMAS DE NATAL
NATAL NORMAL

Eu cá sou muita nice!
Uso old spice!
Todo o Natal isso é normal
Em qualquer casa de Portugal

E como eu sou muita baril
Uso old spice no Brasil!
 
O COELHINHO

O Coelhinho foi com o palhaço no comboio ao circo
O Coelhinho e os seus amiguinhos são muito, muito queridinhos
São Albertos, são Joões, são Pedrinhos
Como é bom tanto palhacinho nos comboios quase, quase paradinhos

(…)


Pobre de mim coitada não puder assistir a tanta alegria,
tanta folia nesta azáfama do dia a dia
Ai de mim! Ai de mim! Se não faço uma árvore de Natal Made in Pequim.
Quiçá made in Berlim!

Pobre de mim, coitada.
Ai de mim! Ai de mim!
Se vejo a Europa por um funil.
Aqui tão longe no Brasil.

Mas o mundo é pequeno neste mundo global
desejo a paz mundial
e agradeço por estar viva “Shukra!, Shukro!”
E lembro-me da mania do lucro. Shukra! Shukro!
Sai p’ra lá ó lucro pelo lucro
que entope a utopia do dia a dia.
 
 bOMBOIKA DA TROIKA
Este Natal é fenomenal
Quando nada se leva a mal.

Entre uma e outra troika
Bora lá degustar uma bomboika.

Bomboika, bomboika do meu coração
Se só há estas não são só para mim, não!

O BODE EXPIATÓRIO

O bode expiatório é aquela pessoa que dá sempre jeito ter à mão para dar na corneta da mesma. O bode expiatório é aquela pessoa ou aquelas pessoas que existem para nos redimir dos nossos pecados. São pessoas que existem para que alguém deseje que elas não existam. O bode expiatório é o visigodo ou sarracenos ou até mesmo o nosso vizinho. Enfim, é aquele que ficou lá atrás na história e/ou que está muito longe ou quem nós cobiçamos a sua boa aventurança. O bode expiatório pode ser o nosso vizinho. E porquê? Simplesmente porque sim. Quando se tem um bode expiatório à mão não precisamos de nos responsabilizar. Arranjamos alguém supostamente diferente de nós e perdemos a oportunidade de ser. Desta feita, aconchegamos-nos na nossa arrogância como pretexto que somos melhores que os demais ou por determinados seres que talvez até nem tenham alma. E se tiverem... tzzzz

A piU

Br, 18 DE dEZ. 2012

CAVALHEIRO

Cavalheiro, meia idade, bom nível sócio-económico, boa aparência física, passivo, procura jovem Cavalheiro, activo e bem dotado, para relação intíma estável. Apenas aceito Cavalheiros educados e com boa higiene pessoal. Estou disposto a facilitar a vinda para a Europa. Dou casa, sustento e posso ajudar noutras situações como legalização e emprego. Assunto sério. Por favor contactar por telefone.

GOSTO DO GROTESCO


Gosto do feio, porque o belo não me convence. Gosto do belo porque o belo me transcende. Gosto do feio e do belo porque ambos se riem um do outro. Gosto do feio porque me acalma a urgência de ser belo. Gosto do belo porque me acalma a dureza do feio. Gosto do belo e do feio. Gosto do feio porque afinal não é feio, é grotesco. Gosto do grotesco porque é ridículo. Gosto do ridículo porque o ridículo sabe que nem sempre as coisas são belas. Gosto das coisas belas porque são belas e porque podem ser ridículas e frágeis e frágeis e grotescas. Gosto do belo grotesco. Gosto do feio sensível. Da beleza dessa sensibilidade tão dura. Tão crua, tão viva, tão animal. Gosto da beleza da animalidade. Gosto da beleza da não genialidade, da precariedade, da imbecilidade, da vulnerabilidade que abre portas e caminhos para outras dimensões. Gosto de dimensões reais criadas pelo sonho. Gosto do sonho de simplesmente ser. Gosto de simplesmente ser, sonhando. Gosto do deboche e do brioche. Gosto da inconveniência e da decência. Gosto do riso escancarado e dos maus modos. Gosto da generosidade dos maus modos. Gosto dos maus como rudeza. Gosto dessa rudeza que no fundo é delicadeza. Gosto da delicadeza que é uma carência. Gosto de aconchegar a carência e dizer baixinho, muito baixinho:” Já passou!” ou “Vais ver que vai passar.”

A piU
Imagem: Pedro Zamith
Br, 19 de Dezembro de 2012

quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

TETRA TETRA TETRA TETRA AVÔ

Querido tetra tetra tetra avô Manoel Joaquim Fonseca Galhão, bem sei que o senhor desconhecia a internet, as bases de dados, o cruzamentos de dados. Bem sei que o senhor tetra tetra tetra tetra avô vendia títulos aristocráticos à burguesia
em ascensão e que gostava de muito e vinho e bastante pão. Mas tetra tetra tetra tetra avô o pessoal por aqui acha que a culpa é toda sua! Todo este uauê do burô é culpa do sinhô!! Mas ainda agora apareceu-me um quadrinho na tal da net dizendo:"Data de validade do CNH não pode ser menor que a data de nascimento". Tetra tetra tetra tetra avô pergunte aí para o Guttenberg se 26.09.1973 é maior que 25.09.2038. É que eu às vezes fico tão confusa que me sinto obtusa. Pranto-me queda e fico lerda. Oh tetra tetra tetra tetra tetra tetra tetra avô não faz isso comigo, não. Eu pormeto que nunca mais armo escabeche lá na loja do cidadão na Lisabonne. Mas não me faça pormeter que me vou comportar no Serviço de Estrangeiros lá nas Lisabonnes também!!! Bom, mas olhe para mim com este ar bonacheirão. Vermelha, mas só do sol! Que vinho do ti Marcelino é a peso de ouro. E eu até cá acho que o ouro era e é só para os galifões de olho grande como o senhor. Desculpe tetra tetra tetra tetra tetra tetra avô.... mas acho que não saí a si.... Quem não sai aos seus não é de Genebra...

A piU

Br, dez 2012

O MISTÉRIO DA BUROCRACIA

O mistério da burocracia concede-me uma ar misterioso e um não sei um quê de prazer em jogar o jogo de "Onde está o Wallie?". Um jogo da glória que no final quando a glória for gloricante brindarei com champagne (Do verdadeiro!!! Sim! Claro! Mais euro, menos euro. Real mente!) Brindarei a o meu tetra avô, um tal de Manoel que inventou tanto papel.

A piU

Br, 13 dez 2012

quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

MATATEU CAMAFEU

Eu cá sou o Matateu! Sou um camafeu! Um mafarrico muito rico! Sou fidalgo! Algo sobrenatural eu sou! Mateteu Camafeu que deambula no breu. Comigo ninguém se mete. Minha esposa é a Suzete! Uma majorete que conheci nos tempos de menino e moço entre uma cerveja e um tremoço. Sou muito nobre. Sou rico e não sou pobre.  A mim ninguém me engana. Mão de ferro e nem um berro. De peito feito levo tudo a eito. Não dou confiança e a minha louça é de faiança. Sofro do coração e no meu dedo levo o brasão. Não suporto nem uma falha de toda essa escumalha. Sou bastante natural quando chega o Natal. Sou intemporal. Tenho um poder paranormal. Sou amigo do meu amigo, mas ninguém se meta comigo.

A piu
Br, 12.12.12
Imagem: Caricatura em Óleo
Francisco de Goya - Pintor espanhol (1746-1828)

O QUE É ISTO?



- O que é isto?
 -É pão com chouriço!
- O quê?
- As cuecas do PPD.
- Quem é?
- É o homem do café que lava a cara com chulé!
- Quem vem lá?
-  É o Alibabá! (e os quarenta ladrões)
- Bruxo! Já cá cantas no buxo!
- Ai! Diz o filho para o pai!
- Ui! Já fuiiiiiii!
- Ana! Oh Ana! Saiste-me cá uma magana.
- Maria! Maria olha a saia que rodopia.
- João! Não olhes para o chão.
- Elisabete pega na trotinete!
- Miguel! Oh Miguel, deixa de andar ao papel!
- Rita! Rita! Tu és muito bonita!
- E tu, oh Zé Caramelo, tambés é muito belo!
- O Xico Marmita é amigo da Rita.
- Mas o que é isto?
- São rimas de imprevisto.
- Só  visto!...
- Vai um vinho das terras do xisto?
- Mau!
- Vai um bolinho de bacalhau!
- Ah pois é! Bora mas é ao Candomblé?
- Pode ser, né?
- Valeu seu Tadeu!
- De nada Matateu!
  
A piu
Br, 12.12.12
Imagem: Inês d’Espiney/ Portugal

terça-feira, 11 de dezembro de 2012

CASA DE PORTUGAL

Meu querido diário espero que continues a ser querido para mim e eu para ti. Não fiques zangado com tanto desabafo que trago no regaço e no cachaço. Meu querido diário tantos segundos, minutos, horas, dias e anos para viver. Para viver e me
surpreender com aquilo já lá estava ou com aquilo que passou a estar. Com aquilo que já lá estava e que nunca se reparou ou que se reparo, mas normalizou-se. Mais os dias são circulares, assim como os segundos, os minutos e as horas. Ainda bem que existes meu querido diário. Ainda bem que existimos aqui. Aqui ou na Babilónia ou na Estónia, na Macedónia ou na Califórnia.
Não te contei, meu querido diário, mas ontem entrei numa daquelas casas de Portugal que existem no estrangeiro. Não te zangues se cá dentro, no meu regaço, a coisa fica um cangaço. Mas meu querido diário eu entro numa casa daquelas porque supostamente tenho de falar com um tal de Cônsul. Lá vou eu. O cônsul está doente há três meses e não tem ninguém para o subestituir. Dou pulinhos de contentamento! Agora sim estou numa casa digna do seu nome. Não me leves a mal, mas eu cá sinto um fru fru no plexus solar do meu ser quando entro em Embaixadas Poruguesas, Centros Culturais Portugueses mais as ditas Casas Portuguesas. Seja em Cabo Verde, França, Dinamarca, Brasil. Garanto-te meu querido diário que todas elas criam em mim uma sensação de falta de pretensa.

Posso desabafar contigo?... Sinto-me, por vezes, decepcionada de ter a nacionalidade que tenho. Não me sinto representada a todos os níveis. Jurídicos, culturais and so on. O marasmo desses lugares fazem-me ter vontade de fugir e levar comigo a minha história pessoal fantasiada ou não aos quatro ventos. O meu pai é sueco, refugiado chileno exilado nos anos 70. Minha mãe francesa, de origem marroquina, ativista do Maio de 68. Os dois encontraram-se no Woodstock em 69. Vieram ter a Portugal quase quase no apogeu dos ventos de mudança. Em 73 nasci e em 74 deu-se a festa dos cravos. O que veio a seguir tá a vista agoar. Bom, mas nasci n um país bonito, com sol, onde se come bem e há pessoas muita porreiras, apesar de algumas terem vergonha de serem felizes. Meu querido diário achas que esta história é convincente?
Ontem quando entrei na Casa de Portugal nem um elemento que me fizesse sentir em casa. Sei lá! Tem tanta coisa! Umas garrafitas de tinto do Alentejo ou do Douro. Cheiro a queijo da Serra da Estrela. Murais do Almada Negreiros ou invocações à pintora Paula Rego. Opa e e que tenho tantos amigos artistas plásticos (qual a diferença entre arte e artesanato?) músicos, atores. Mas bom, vamos lá pelo óbvio. Uma guitarrada portuguesa do Carlos Paredes. Madre Deus... A bela cerâmica tradicional ou urbana que se faz por todo o país. Nãããã! Nada disso. Apenas um painel de azulejos com a Nossa Senhora de Fátima e os três Pastorinhos e uma grande loja de rendas do Ceará, por sinal bem bonitas. Mas quando eu entro nestas instituições ditas portuguesas sinto desalento. É o espelho dum país que não valoriza quem lá nasceu, quem lá cresceu, quem algum dia quis que o seu país fosse diferente de valores provincianos e caducos (atenção meu querido diário! Descentralização não é o mesmo que provincianismo! Posso viver no campo e ser cosmopolita.)

Meu querido diário tantas vezes confirmo que quase ninguém no planeta terra conhece o que se faz , pensa-se e cria-se em Portugal. Portugal não é só fado nem Fernando Pessoa. Mas, meu querido diário, temos sido educados para não nos valorizarmos. E eu até acho que se aquela história dos pastorinhos convenceu tanta gente a minha acerca das minhas descendências também convence. Pelo menos o meu encontro com os trópicos está realizado. As minhas descendentes trazem Angola e Brasil na derme. Nesse caso posso me sentir do mundo. Posso não posso? Claro que posso! Conta as viagens de inter rail e afins. Os tais dos seminários na Europa. Sim, porque em Portugal o pessoal não pertence realmente à Europa. Porque lá fora é que é! Mas olha, gosto de ser quem sou. Não tenho problemas nenhuns de abdicar, por momentos, do meu sotaque para fazer-me compreender. Como uma senhora que apontado para um aterro dizia:”Tudo isto aqui é sonho. O que está cá dentro da nossa cabeça é que é real.” No fim de contas as fronteiras somos nós próprios que as criamos dentro de nós. Mais coisa menos coisa. Não achas meu querido diário?
Música: Deolinda, banda portuguesa com a vocalista Ana Bacalhau

A piU
Br, 11/12/12
 

deolinda - garçonete da casa de fado (live @ cinema são jorge, lisboa) 

 http://youtu.be/QbZ-UvBrlCs

 

segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

GUIDE PRÁTIQUE BILINGUE

Achtung when you go to Lissabonne (a very little town in Spain. Spain is part of the P.I.G.S.) take care of you are belongings/ literal tradution: faça atenção aos gatunos, pilantras dos pigs. eruditich unt philosophic tradution: Cuidado com a sua longa existência. Pay a special atention for the exit and the entrancy in metro/ literal trad. vista-se de Fernando Pessoa e deambule pelas românticas ruas de Lisboa e não faça caso aos pigs que existem aos metros/ empreendedorich trad.: pague uma atenção especial para para o seu êxito guarde as suas entranhas/vísceras bem guardadinhas.

in guide pratique trilingue európean

A piU
BR, dez.2012

CHIUUUUUUUU

- Que barulho é este?
- É a revolução. Estão lá fora a fazer a revolução?
- psssttt silêncio que estou a estudar!! Pensam que Tolstoi é fácil?!! Que gente!!!
- Mas é uma revo...

- Chiuuuuuuu! Já não há respeito! Ora deixa cá ver o que Trostski tem para dizer.... pssssttt SILÊNCIO! ai a minha vida!!
 - Larga os livros. Sai prá rua. Vai aprender ao vivo que à história a acontecer!
CHIUUUUUUU! Hoje é domingo e tá muito calor!! Dia da Santa Caipirinha! Ai! Tal num tá a moenga!!! E agora tou a discutir Jean Paul Sartre! Aiiiiiiiiii!

  A piU
Br, dez. 2012

VELHOS E NOVOS MUNDO



Meu querido diário hoje dei de caras com uma prática social que até a data não estava habituada. Mas nada como irmos ao encontro de mundos novos, de novos mundos. Em suma, essa prática consiste  na formatura duma moçoila que passou do 5º para o 6º ano do ensino básico/ fundamental. Ora, pois, muito bem. O momento é de pompa e circunstância. Os tempos são promissores. Existe um crescimento econômico e uma preocupação em pôr em prática políticas públicas democratizantes. Pelo menos fala-se nisso. Porém, todavia, contudo, eis se não quando deparo-me num filme a modos que a banda sonora é “Deus , Pátria, Família”. Bom, mas bom... Ele há valores que não têm mesmo nada de errado, mas quando são apropriações de discursos institucionais para manter a malta alinhadinha num controlo moralizante... Fico a modos que com uma sensação como que de absorção. Numa dúvida existencial, pois sou nova no pedaço e de repente as práticas têm outro peso. Cantar o hino de pé é uma solenidade que me cheira a uns tempos obscuros... Mas posso estar enganada!! Depois, o  senhor padre e o senhor pastor debitarem discurso onde pedem ao pessoal para baixar a cabeça e fechar os olhos. Bom, eu até posso baixar a cabeça e procurar com os olhos postos no chão o porquê de tal cerimônia. Mas o que surge é uma pergunta: ”Não estarei eu num Estado laico?”. E outra questão saltita nas mãos: ” E qual a relação desta cerimônia com estes contornos num campus universitário?” Fazer um juramento com a mão levantada que mais coisa menos coisa inclina-se em seta...As perguntas saltam, as letras e palavras engalfinham-se e tento manter a minha cordialidade e respeito  perante tais práticas para não entrar em confrontos desnecessários e pouco construtivos.

Durante a tarde as idéias andam ali às voltas e várias vezes vêm à idéia o tema que a Elis Regina canta: ”Como os nossos pais”. E de novo recordo-me do discurso de uma das professoras: “Crescer e fazer um mundo novo também é ser despropositado.” Bom, fico ligeiramente aliviada perante tanta formatação e clichês assentes em valores nobres como a solidariedade, a justiça, o compromisso. Mas uma pergunta difícil teima em azucrinar-me:
” Estaremos sempre sujeitos e sujeitas a impérios, a ideais imperiais? Será possível que emirja  um novo mundo ou um mundo novo  sem velhos e gastos cânones de práticas sociais do tempo da outra senhora carrancuda cheia de certezas e verdades moralizantes?”
Quero estar cá para ver, sentir e viver. Bom, e já agora pensar.  No mínimo. ;)

A piU
Brasil, Dezembro de 2012

Imagem: Berlim 2011
Edifício da ex RDA/ DDR