De origem germânica achtung! servia como interjeção chamativa para perigos e paisagens deslumbrantes. Mais a norte, nos países escandinávos,ACHTUNG!! é considerado o espirro oficial dos vikings. Em terras lusas utiliza-se a expressão "Arre!!" quando alguém está arreliado. "Arretung!" é uma espécie de grito de guerra dos trabalhadores da classe precária, que desunidos nunca vencerão.
domingo, 30 de dezembro de 2012
DE CONTAS FEITAS
Dou umas pedaladas na bicla e o olho o verde vistoso da folha da baneira. Acordo com o peito mais calmo. Acho que ando de contas feitas com o meu país. Acho que ando de contas feitas com a minha vida. Á porta está 2013. Lá para o mês nove farei quarenta anos. Lembro-me do ano de 1983 vagamente. Lembro-me precisamente do ano de 1993. Do ano de 1973... Lamento, mas a minha memória não vai a tanto. E também nunca fiz psicanálise. Quarentas anos. Vinte dois anos a esfuçinhar o mundo por aí. Talvez por claustrofobia, talvez por curiosidade de não ficar somente em Portugal. Se o fizesse seria como vestir uma roupa de lã encolhida na lavagem de água quente. Mas como é de lã é quentinho e mais vale um agasalho pequenino do que uma termo tebe para recém-nascido... Acho que estou de contas feitas com o meu país. Paguei os meus impostos, os tais dos 21% de retenção na fonte que verdade seja dita sempre mos devolveram no final do ano fiscal. E que fiz eu com esse montante? Fui vasculhar mundo para me pôr a andar com as minhas filhas. E porquê? Porque o mundo não acaba na nossa camisolita de lã mirrada pela água a ferver. Porque não quero que as minhas filhas cresçam afectadas por uma neurose coletiva nacional.
Nunca pude pagar os 150 euros (acho que agora é mais) de segurança social. Se o fizesse não poderia ter a dignidade de colocar comida em cima da mesa, além de que mesmo pagando esse montante não teria direito a nada em caso de doença e invalidez. Num momento de maior afluência de trabalho (a recibos verdes) pedi um empréstimo ao banco para comprar uma casa. Saíria mais barato uma prestação que pagar um aluguer, além de que se eu ficar inválida ou morrer a casa estará paga para as minhas filhas (bom, se o banco não virar o bico ao prego). Já que não tenho direito a nada como trabalhadora independente, profissional do espectáculo... É um espectáculo eu poder ter uma casinha onde possa ficar lá dentro na minha cadeira de rodas a limparem-me a baba. Se as minhas filhas não me quiserem limpar a baba, pelo menos ficam com um lugar para viver ou para fazer disso uma fonte de rendimento para me pagarem o lar. ;)
Antes de zarpar de Portugal fui-me entregar à segurança social para que o fiador da minha casa não se visse metido em cargas de trabalho. Apesar dos pezares a facada da segurança social tem sido aguentável, talvez por me ter entregue. Mas nunca terei direito a nada de nada. Pagando ou não pagando. Mas tou a pagar em módicas quantias mensais durante 5 anos para ficar de contas feitas com o meu país de origem.
Acho que estou de contas feitas com o meu país e com quem nele habita. Levo algumas, muitas pessoas no meu peito e coração mas tudo o que sinto e penso não fica por dizer, nem por fazer. Porém, com a humildade que acho necessária vou fazendo e dizendo, isto porque não considero justo que voltemos a cometer os mesmos erros, as mesmas atrocidades históricas.
Acho que vou conseguindo colocar todos os sabores, odores, disabores e dores no seu lugar com um foco: continuar calcorreando este imenso e pequeno mundo sem nunca esquecer de onde vim e de querer, desejar que esse lugar de onde vim desabroche, desencane, se emancipe num lugar mais solidário, mais humano, mais vivo.
A piU
Br, 30 de Dezembro de 2012
sábado, 29 de dezembro de 2012
DAR UNS AMASSOS E JÁ TÁ!
Marta
trabalhou até ao final dos finais da gravidez. Agarrar tudo o que
podia. Trabalho não se arranja todos os dias. E lá andava ela
em
dois trabalhos, sem dia de folga. Mas feliz por fazer o que gostava.
Enfim, lá ia ela com a sua pançola! Chegou a fazer uma aposta. Se
concluisse o trabalho ofereciam-lhe uma caracolada, caso contrário
seria ela a oferecer. O que interessava era a patuscada! E concluir o
trabalho. Ganhou
a aposta!
No outro trabalho, que há anos que o fazia e já com um verdete na
ponta dos dedos de tanto recibo verde passar, voltaria após dois
meses de licença de parto sem vencimento. E mesmo assim! Ainda bem
que tinha arranjado aquele segundo trabalho, senão como seria? Mas a
coisa ía na boa. P'ra frente que é caminho! Sabia que poderia
contar com o seu trabalho e pouco mais. E também sabia que não
podia contar com os seus colegas. Ninguém se mobilizou. Nem um gesto
de apreço por vir mais um ser ao mundo. A rotina continuou como
sempre. Logo
logo, como sempre, entendeu que nas situações limite a
solidariedade é uma espécie de milagre de Fátima. De
vez
em quando estão lá os três pastorinhos, outras vezes os três
pastorinhos foram dar autógrafos.
Marta
voltou ao trabalho, não havia tempo para lamúrias. Continuou e na
sua continuidade trabalhou com colegas que doentes se arrastavam no
trabalho. Se não fossem não recebiam pelo dia de trabalho. Quando
a dor do colega era insuportável, Marta fazia questão de ir na
frente e segredava ao ouvido:”Encosta-te que eu vou ou então
abranda que dou gás.”
Bom,
mas
fazer o quê? Trabalhar enquanto se pode na vida e até à morte se
tivermos sorte em arranjar um trabalhito e caminhar de bico caladito.
E
ao fim de semana, se der, dar umas beijaças e uns amassos a quem
mais gostamos e já tá!
A
piU
Br,
29 de Dezembro de 2012
MARIAS E MARTAS
Maria era o seu nome. Poderia ser
Mariana, Marieta, Marinela. Mas era simplesmente Maria como muitas
outras. Muitas outras no seu país e no mundo inteiro. Quantas Marias
não existirão? Marias católicas, Marias judias, vadias, ateias, de
meias, bonitas e feias. Esta era Maria Namora. Ahhh! Da família do
escritor neo realista! Do Fernando Namora! Nããã! Nada disso.
Namora de namoradeira, de solicita, de delicodoce. O que causava
transtorno a Marta, essa mulher intempestiva de coração grande, era
a tal da postura muito solicita de Maria. Cheirava a esturro,
cheirava a inverdade, cheirava a cheiro velho.
Cruzaram-se. Maria e Marta cruzaram-se
nas curvas do viver. Maria admirava Marta. Admirava que admirava.
Maria quando chegou aquele trabalho foi estigmatizada. Era um grupo
muita porreiro que vivia para fazer o bem à sociedade. Malta do bem,
mas sem levantar muitas ondas. Todos muito contentinhos com o seu
quinhãozinho. Não se podiam queixar haviam pessoas em situação
muito pior. E eles eram do bem. Mas Marta não se conformava
trabalhar na precariedade. Não se conformava de ser bonzinho em vez
de ir a fundo no seu trabalho de crescerem juntos, de marcarem a
diferença pela qualidade e não pela imagem dos bonzinhos.
Marta estava sobre mira. Qual dia salta
fora. Pobre e mal agradecida.
Marta propôs juntarem-se para
melhorarem o trabalho fora da hora de expediente.
A entidade patronal perguntou a Maria
como estava a correr o trabalho. Não se sabe se por ingenuidade,
burrice, oportunismo, sacanisse falou que era dificilde trabalhar com
a Marta. Mesmo sobre aviso que se falasse tal coisa Marta seria
despedida Maria delatou na mesma. Talvez se tenha arrependido, talvez
esse arrependimento se tenha transformado em orgulho para que ficasse
de consciência tranquila. Seja como for deixou de ser estigmatizada
pela entidade patronal e passou a ser a menina dos olhos, respeitada
e querida.
Marta implorou ficar apenas mais uns
meses por necessidades óbvias.Ninguém vive do ar, tampouco os seus
filhos vivem do ar. Não discutiu com Maria, pediu-lhe apenas para
não mexer mais no assunto. O que estava feito, estava feito. Maria
respondeu:” Assume as tuas responsabilidades.” Marta nem lhe
respondeu. Para quê?
Marta foi embora com um sentimento
difuso, sem saber se haveria de sentir nojo ou pena de Maria, que na
sua jovem idade era ainda o espelho dos resquicios duma longa e negra
noite obscura e delatora. Porém foi embora apaziguada com uma única
certeza: que faria tudo o que pudesse para que esse tipo de episódios
não voltassem a acontecer consigo e já agora com os outros. E como
o faria? Escrevendo. Deixando registos de memória. Registos que nos
relembrem que a delação, a conivência com poderzinhos
desnecessários, com a bajulação mesquinha são um buraco fundo que
não levam a lugar nenhum. Aliás, levam. Levam à repetição
sinistra da História.
A piU
Br, 29 de Dezembro de 2012
FALTA DE AR
Acordava a meio da noite com uma tremenda falta de ar. Abria a janela na esperança de conseguir sorver o luar. Tudo em vão. Olha para a noite e de tão escura que estava mais o ar lhe faltava. Sentia frio e voltava a aconchegar as portadas no parapeito muito a esforço. Apoiava-se no pararapeito mas este repelia-o. Dum mármore viscoso o parapeito não permitia grandes aproximações. Voltava a deitar-se. Ao seu lado o filho dormia mexendo-se ora para um lado ora para outro. Todo aquele reboliço noturno contribuia a todos aqueles achaques.
Foi até à cozinha. A garganta estava seca. Precisava de água. Abriu a porta da geladeira. Nada. Abiu a porta do congelador e vasculhou ansiosamente por alguma bebida, mesmo que congelada. Enfiou a cabeça toda lá dentro e como por toque de magia a sua respiração intercortada voltou a cadenciar. Achou graça a tal acontecimento e começou a fintar a sua própria sorte afastando-se e aproximando-se do congelador.
Os vizinhos acordaram com um choro duma criança. A mãe estendida no chão com os lábios roxos. a porta do congelador entre aberta. No seu interior estilhaços duma garrafa de vidro de água tónica
a Piu
Br. 29 de Dezembro de 2012
Foi até à cozinha. A garganta estava seca. Precisava de água. Abriu a porta da geladeira. Nada. Abiu a porta do congelador e vasculhou ansiosamente por alguma bebida, mesmo que congelada. Enfiou a cabeça toda lá dentro e como por toque de magia a sua respiração intercortada voltou a cadenciar. Achou graça a tal acontecimento e começou a fintar a sua própria sorte afastando-se e aproximando-se do congelador.
Os vizinhos acordaram com um choro duma criança. A mãe estendida no chão com os lábios roxos. a porta do congelador entre aberta. No seu interior estilhaços duma garrafa de vidro de água tónica
a Piu
Br. 29 de Dezembro de 2012
EM SURDINA
Estava estendido no chão. O peito nu de pêlos brancos contra o chão. Um chão insalubre.
Olhava de esguelha para as mãos. Umas mãos rugosas, curtidas pelo tempo.Ohava, voltava a olhar e não encontrava explicação.
O gaiato andava por ali a espassarinhar. O raça do gaiato não parava de atiçar a vaca que por ali andava a ruminar. A vaca foi para lá da cerca. Não havia jeito maneira da teimosa da vaca voltar ao pasto que lhe era destinado. Assim que que a encontrou encurralda entre uma pedra e uma árvore deu-lhe um soco mesmo no meio dos olhos. Em instantes a vaca desfaleceu. Surpreendido Alfredo abeirou-se da bicha. Estava morta. Alfredo chorou. A melhor vaca leiteira que tinha. Continuou a chorar. Olhou para as mãos. Nem uma pinga de sangue. Um soco seco arrumou com a pobre da bicha. Naquele instante percebeu o carinho que sentia por ela. aaaahhhh deixa p'ra lá! Mariquices de mulher! Temos carne para o ano inteiro. Com mulher e sete filhos choraminguiçes é para quem pode, não é para quem quer.
O raça do miudo não tem tino!! A quem foi sair? os outros andam ali nos eixos, mas este não há quem o segure. Sempre aos pulos e a rir! Como se os tempos fossem para risotas!...
E não pára! Mas tu queres ver?! Mas queres ver mesmo? Voltas a abrir a cancela para as vacas sairem e levas um puxão de orelhas!! O moço não quis fazer caso. Desta vez não era uma só, eram todas. A manada correu em direção ao rio. Parecia que o seu correr falava:"Estamos livres! Estamos livres!" Um bando de garças voavam na outra direção como se o seu voo falasse:"Elas conseguiram-se libertar! Estão livres! São livres como nós!"
É desta que o raça do muido vai levar umas trolitadas. O menino querido da mamã já vai ver! Por isso ele é assim!
Assim que encontrou o gaiato a sua mão grande e curtida pelo trabalho duro do campo lançou-se à orelha do rapazito. Numa torcidela seca o moço caiu no chão para nunca mais se levantar.
Foram-no buscar num dia de domingo, depois do funeral do gaiato. A familia comia amargamente grão com mão de vaca. De olhos triste e peito desfeito Alfredo pediu aos guardas a permissão de vestir uma roupa melhorzinha. Queria ser preso com dignidade. Juntou alguns haveres mum saquito de pano. No meio a foto do dia que foram todos à feira do gado comprar os sapatos anuais para dias especiais.
Sempre alegara que não tinha morto o gaiato. Que nunca tivera intenção de fazer mal ao filho.
A mulher e os filhos ai estavam na audiência com os sapatos dos dias especiais roendo os calcanhares e a alma.
O Alfredo limpava o suor com um lenço de linho. Falando para o juiz ainda limpou o ranho de um dos filhos com o mesmo lenço.
"Senhor juiz, tempo algum foi intenção minha matar o gaiato." De gestos cansados e duros continuou:" Eu só fiz isto ao meu filho." E assim que deitou mão à orelha do rapazola que acabara de limpar o nariz logo este caiu redondo no chão não voltando mais a levantar-se.
O Alfredo foi sucumbindo aos poucos na sua cela. Passados dois anos pôde ir a casa passar um fim de semana com a mulher e os cinco filhos que restava. Chegou de roupa coçada e olhos caídos sempre olhando para as mãos. Comeu a sopa de couves e feijão que a mulher preparara. Os filhos continuavam a cuidar da terra e dos animais, mas a sua ausência tinha feito mossa no sustento da casa. Apesar da rudeza dos dias dignidade era uma palavra que era levada a sério.
Alfredo voltou a olhar para as mãos. Lá fora o calor ondeava o horizonte. Olhou para as árvores que circundavam a casa. Escolheu a mais distante, mas visivel se os olhos se semi cerrassem.
Respirou profundamente, sentindo o odor da fruta que amadurecida pendia dos ramos. Tirou o seu cinto que já pouco efeito fazia na magreza que acumulara no seu outrora corpo robusto.
Elvira foi encontrá-lo com um sorriso nos lábios. Um sorriso implorando perdão.
Pediu aos filhos para a ajudarem, apesar de magro os ossos do corpo de Alfredo que outrora foram robustos eram do peso de um touro.
Nesse dia o jantar foi consumindo em silêncio. Azeitonas, pão e vinho. Um jantar em jeito de quase jejum em memória de Alfredo. Que descansasse em paz, pediu todos os seis olhando os pedaços de alho que temperavam as azeitonas.
Depois, a vida continuou. O sol nascendo, pondo-se. Épocas de plantio e de colheita. A vida continuava sem muito tempo para tristezas, apesar de que no segredo dos lencois, na calada da noite, um gemido de dor podia se escutar. Algumas vezes esse gemido era em surdina. Mas todos o escutavam.
a piu
Br, 29 de Dezembro de 2012
Olhava de esguelha para as mãos. Umas mãos rugosas, curtidas pelo tempo.Ohava, voltava a olhar e não encontrava explicação.
O gaiato andava por ali a espassarinhar. O raça do gaiato não parava de atiçar a vaca que por ali andava a ruminar. A vaca foi para lá da cerca. Não havia jeito maneira da teimosa da vaca voltar ao pasto que lhe era destinado. Assim que que a encontrou encurralda entre uma pedra e uma árvore deu-lhe um soco mesmo no meio dos olhos. Em instantes a vaca desfaleceu. Surpreendido Alfredo abeirou-se da bicha. Estava morta. Alfredo chorou. A melhor vaca leiteira que tinha. Continuou a chorar. Olhou para as mãos. Nem uma pinga de sangue. Um soco seco arrumou com a pobre da bicha. Naquele instante percebeu o carinho que sentia por ela. aaaahhhh deixa p'ra lá! Mariquices de mulher! Temos carne para o ano inteiro. Com mulher e sete filhos choraminguiçes é para quem pode, não é para quem quer.
O raça do miudo não tem tino!! A quem foi sair? os outros andam ali nos eixos, mas este não há quem o segure. Sempre aos pulos e a rir! Como se os tempos fossem para risotas!...
E não pára! Mas tu queres ver?! Mas queres ver mesmo? Voltas a abrir a cancela para as vacas sairem e levas um puxão de orelhas!! O moço não quis fazer caso. Desta vez não era uma só, eram todas. A manada correu em direção ao rio. Parecia que o seu correr falava:"Estamos livres! Estamos livres!" Um bando de garças voavam na outra direção como se o seu voo falasse:"Elas conseguiram-se libertar! Estão livres! São livres como nós!"
É desta que o raça do muido vai levar umas trolitadas. O menino querido da mamã já vai ver! Por isso ele é assim!
Assim que encontrou o gaiato a sua mão grande e curtida pelo trabalho duro do campo lançou-se à orelha do rapazito. Numa torcidela seca o moço caiu no chão para nunca mais se levantar.
Foram-no buscar num dia de domingo, depois do funeral do gaiato. A familia comia amargamente grão com mão de vaca. De olhos triste e peito desfeito Alfredo pediu aos guardas a permissão de vestir uma roupa melhorzinha. Queria ser preso com dignidade. Juntou alguns haveres mum saquito de pano. No meio a foto do dia que foram todos à feira do gado comprar os sapatos anuais para dias especiais.
Sempre alegara que não tinha morto o gaiato. Que nunca tivera intenção de fazer mal ao filho.
A mulher e os filhos ai estavam na audiência com os sapatos dos dias especiais roendo os calcanhares e a alma.
O Alfredo limpava o suor com um lenço de linho. Falando para o juiz ainda limpou o ranho de um dos filhos com o mesmo lenço.
"Senhor juiz, tempo algum foi intenção minha matar o gaiato." De gestos cansados e duros continuou:" Eu só fiz isto ao meu filho." E assim que deitou mão à orelha do rapazola que acabara de limpar o nariz logo este caiu redondo no chão não voltando mais a levantar-se.
O Alfredo foi sucumbindo aos poucos na sua cela. Passados dois anos pôde ir a casa passar um fim de semana com a mulher e os cinco filhos que restava. Chegou de roupa coçada e olhos caídos sempre olhando para as mãos. Comeu a sopa de couves e feijão que a mulher preparara. Os filhos continuavam a cuidar da terra e dos animais, mas a sua ausência tinha feito mossa no sustento da casa. Apesar da rudeza dos dias dignidade era uma palavra que era levada a sério.
Alfredo voltou a olhar para as mãos. Lá fora o calor ondeava o horizonte. Olhou para as árvores que circundavam a casa. Escolheu a mais distante, mas visivel se os olhos se semi cerrassem.
Respirou profundamente, sentindo o odor da fruta que amadurecida pendia dos ramos. Tirou o seu cinto que já pouco efeito fazia na magreza que acumulara no seu outrora corpo robusto.
Elvira foi encontrá-lo com um sorriso nos lábios. Um sorriso implorando perdão.
Pediu aos filhos para a ajudarem, apesar de magro os ossos do corpo de Alfredo que outrora foram robustos eram do peso de um touro.
Nesse dia o jantar foi consumindo em silêncio. Azeitonas, pão e vinho. Um jantar em jeito de quase jejum em memória de Alfredo. Que descansasse em paz, pediu todos os seis olhando os pedaços de alho que temperavam as azeitonas.
Depois, a vida continuou. O sol nascendo, pondo-se. Épocas de plantio e de colheita. A vida continuava sem muito tempo para tristezas, apesar de que no segredo dos lencois, na calada da noite, um gemido de dor podia se escutar. Algumas vezes esse gemido era em surdina. Mas todos o escutavam.
a piu
Br, 29 de Dezembro de 2012
domingo, 23 de dezembro de 2012
CARTA AO PAI NATAL
Meu querido pai Natal e papai Noel, fico muito feliz de te encontrar desse jeito. Obrigada Elsa,
por me teres mostrado o paizinho em tais vestimentas! Andava com muita
pena de te ver tão encasacado neste calor tropical. Gosto também da tua posição
balética. Dá-te um ar juvenil e disponivel. Meu querido papai natal não
te queria pedir muitas coisas. Uma queria pedir-te: dá para dar uma
forçinha para que o meu país natal não ande mais em cuecas mesmo no
Inverno? Meu querido papai Noel, dá para te pedir outra coisa? Tu sabes
que eu gosto de receber prendas com alma, mesmo que não custem os olhos
da cara. Aliás, gosto de prendas com alma e olhos na cara. Mas só queria
pedir-te mais uma ou duas coisinhas: a primeira tem haver com essa saga
da burocracia. Dá para falar com um dos teus estagiários no ativo há 20
anos para falar com o senhor burocrata para que este me deixe em paz?
Outra coisa que eu queria te pedir se não for muito: Dá para espalhar
humildade q.b. e orgulho q.b. de sermos quem somos por nós comuns
mortais? Acho que já seria um pauzinho na engrenagem nessa tal de paz
mundial. Bom, agora vou-me despedir pois tenho de publicar uma imagem de
boas festas para os meus amigos e familiares. Um grande abraço meu
querido papai Noel. Espero que cá estejas no próximo ano e que possamos
ter coisas boas para contar um ao outro. a Piu
RUA DOS CATÁLOGOS
Entro categóricamente na rua dos catálogos.
Fico à toa. Concentro-me. Olho o dicionário. Nada de vale. Ligo o gps, a
senhorinha manda-me para lugares insuspeitos. Olho para o mapa, mas a
configuração das ruas mudaram. Olho em volta e as ruas
são maiores, existem campos à volta que o mapa não mostra. Vou ter com
um grupo de pessoas. Conversamos. Convidam-me para almoçar. Ficamos
amigos. Mais tarde encosto-me a uma árvore e esfolheio um livro.
Inspiro-me naquele livro e noutros tantos que já li, viajando por entre
letras, palavras e ideias. Guardo o livro cuidadosamente e continuo a
caminhar nas ruas, cruzando-me com pessoas e desejando-lhes boas festas.
Sim, porque fazer da vida uma festa, uma festa boa é um feito!
A MENINA OLGA
"Que
bonita que menina Olga vai, não se parece com a mãe nem com o pai.
Então Sô Jô fala: ” Me desculpai, se você não se parece com seu pai.Eu,
Sô Jô lhe digo que é parecida com o seu avô.”
Ora tá visto e revisto que o lugar desta história mais parece uma chicória. De tão correta e saudável que é até já cheira a chulé. Tá na moda sermos corretos, pedagogos indiscretos. Apregoar nas suas verdades e não aturar leviandades.
Mas a vida não é só isso, se não vira enguiço. Libertar a nossa loucura torna a vida menos obscura. Rir de si mesmo com o comparsa é uma virtude e também uma graça. Se se disfarça ou não se disfarça cabe a cada um gerir a sua farsa.
Cada personagem é fictícia, mas não deixa de ser uma delicia. Quantas personagens nos oferecem imagens de outros mundos, outras viagens?
Viajar é importante. Principalmente para um viajante. Somos todos um pouco mutantes nestas vidas delirantes. Zás trás paz assim é que se faz. Zuca laruca, puxa pela cuca"
"Historietas maluquetas da Sinhá Moça"
a piu
imagem: Inês d'Espiney
Br, 22.12.2012
— com Inês d'Espiney. Ora tá visto e revisto que o lugar desta história mais parece uma chicória. De tão correta e saudável que é até já cheira a chulé. Tá na moda sermos corretos, pedagogos indiscretos. Apregoar nas suas verdades e não aturar leviandades.
Mas a vida não é só isso, se não vira enguiço. Libertar a nossa loucura torna a vida menos obscura. Rir de si mesmo com o comparsa é uma virtude e também uma graça. Se se disfarça ou não se disfarça cabe a cada um gerir a sua farsa.
Cada personagem é fictícia, mas não deixa de ser uma delicia. Quantas personagens nos oferecem imagens de outros mundos, outras viagens?
Viajar é importante. Principalmente para um viajante. Somos todos um pouco mutantes nestas vidas delirantes. Zás trás paz assim é que se faz. Zuca laruca, puxa pela cuca"
"Historietas maluquetas da Sinhá Moça"
a piu
imagem: Inês d'Espiney
Br, 22.12.2012
CHE CHE
A- Tu também, pá, não te
seguras em nenhum emprego!
B- Emprego ou trabalho?
A- Emprego. Trabalho é
tudo o mesmo. O pessoal não quer é trabalhar!
B- Achas mesmo isso?
A- Passados 6 meses vais te
logo embora. És um inconstante.
B- Diria mais! Um
incontinente!
A- Vais me dizer que vais
mudar de continente?! Há muita terra para trabalhar por aqui, pá!
B- Olha, pois... Tens razão,
mas não sei trabalhar a terra! Ensinas-me?
A- Olha agora ensinar-te!
Trabalhei trinta anos na mesma empresa... Tive lá tempo!
B- Granda sorte!
A- Sorte não, trabalho!
B- Ã ã ã. Significa que
eu nunca quis trabalhar?
A- Voçês tiveram tudo, pá!
Ainda são os miudos!
B- Ã ã ã! Os meus filhos
são uns miudos?
A- ......
B-........
A- Olha, tens um cravo
debaixo da axila.
B- Um cravo?
A- Sim, um cravo. Se
levanteres a axila e olhares para o lado vais ver.
B- É paaaa, isso já é
pedir muito.
A- Desculpa, pois é.
B- Olha, chegou a tua vez.
C-É só o pão? Vai pagar
com dinheiro ou cartão?
A-Cartão.
C- Débito ou crédito?
A- Débito.
C- Um Santo Natal para si.
A- Para si também.
......
A- Eu fiz a revolução, pá.
B- Vê-se.
A- O que é que tu sabes da
vida, paaaa?
B- Neste momento já não
sei nada. Bom, mas vou ver se encontro os meus kalkitos lá na tua
garagem. Espero que não os tenhas deitado fora.
A piU
Br, 23 de Dezembro.2012
sexta-feira, 21 de dezembro de 2012
OVELHINHA, OVELHONA
Histórias malditas para pessoas catitas. Palavras de escárnio e maldizer para gentes de afazeres: Podes ser minha fã, mas não farás parte do clã. Podes chorar com muita dor e até tecer um grande louvor que não terás o titulo de Doutor. Podes fazer grande esforço que não sairás do calabouço. Ovelhinha, ovelhinha serás assim até seres velhinha. Mesmo fazendo-te á pista duvido que sejas artista. Ovelhinha, ovelhinha do Império dos falhados vens de patinha em patinha com os cascos todos molhados. Ovelhinha que és tão bela esquece lá a história da caravela. Ovelinha, ovelhona abre a pestana e sê mais sabichona.
A piU
bR, 21 DE dEZE.2012
A piU
bR, 21 DE dEZE.2012
quinta-feira, 20 de dezembro de 2012
A BOTA CARDADA DO PAI
O avô de Aurora chama-se Manuel. Uffff Quantos Manueis não existirão à face da terra? Manueis, Marias, Joões, Pedros, Migueis, Ritas e Anas e até mesmo Manuelas ou Mários. O bisavô materno chamava-se Teodoro, aquele cujo pai voltou de terras tropicais para a sua àrida terra no sul da sua terra natal. Árida terra em áridos tempos. Tempos de fome. Tempos da longa noite escura. (...) Na casa de Aurora há um objeto de madeira maciça muito louco. Parece uma colher de pau com 5 olhinhos. A mãe conta que este objeto era usado nos tempos de escola do seu trisavó pelos professores, para estes baterem nas crianças desobedientes e burras. Aurora pergunta-se:” Mas as crianças devem obedecer ou respeitar? Tem crianças burras ou tem crianças com o seu ritmo próprio para aprender? Tem crianças que não se interessam por matemática, mas curtem ciências da natureza. Tem crianças que gostam de desenhar letras na aula de pintura, mas que se aborrecem com as aulas chatas de português quando os textos não as convidam para viajar na imaginação.”
Aurora pensa muitas coisas sentada perto da janela olhando o horizonte. Depois passa a ponta dos dedos pela graxa e deseja que logo logo as mangas do quintal amadureçam e fiquem bem doçinhas para comê-las debaixo da sombra da árvore maior do quintal. Com o gato por perto cócegadeando com os bigodes nas suas pernas. Respira de aliviada por nas escolas já não haver mais a colher de cinco olhos. Aurora volta a acariciar as botas com graxa nas pontas dos dedos e pensa, falando com os seus botões:”Eu cá gosto muito da escola quando tenho liberdade para ser, para imaginar coisas e ser. Gosto de aprender. Não gosto de copiar. Gosto de seguir o meu ritmo, mesmo que não tenha logo sucesso. Gosto de ter sucesso depois de ter vencido meus fracassos. Gosto de brincar com meus fracassos e aproveitá-los para crescer cá dentro e nunca esquecer que é bom manter a curiosidade de criança. Manter a alegria de estar viva. E dizer:”Obrigada vida por existires!” Aurora pensa tudo isto enquanto engraxa a bota cardada do seu pai.
A piU
imagem: Paula Rego
Br, 20 de Dezembro 2012
Aurora pensa muitas coisas sentada perto da janela olhando o horizonte. Depois passa a ponta dos dedos pela graxa e deseja que logo logo as mangas do quintal amadureçam e fiquem bem doçinhas para comê-las debaixo da sombra da árvore maior do quintal. Com o gato por perto cócegadeando com os bigodes nas suas pernas. Respira de aliviada por nas escolas já não haver mais a colher de cinco olhos. Aurora volta a acariciar as botas com graxa nas pontas dos dedos e pensa, falando com os seus botões:”Eu cá gosto muito da escola quando tenho liberdade para ser, para imaginar coisas e ser. Gosto de aprender. Não gosto de copiar. Gosto de seguir o meu ritmo, mesmo que não tenha logo sucesso. Gosto de ter sucesso depois de ter vencido meus fracassos. Gosto de brincar com meus fracassos e aproveitá-los para crescer cá dentro e nunca esquecer que é bom manter a curiosidade de criança. Manter a alegria de estar viva. E dizer:”Obrigada vida por existires!” Aurora pensa tudo isto enquanto engraxa a bota cardada do seu pai.
A piU
imagem: Paula Rego
Br, 20 de Dezembro 2012
O TRABALHO É UMA VIRTUDE
- Hmmmm que chic! Que marca vestes?
- Marca?
- Griffe.
- Ahhh! Pierre Bourdieu.
- Pierre Bourdieu?
- Pardon, Pierre Cardin.
- Uau! Essas jeans! Que marca são?
- Wagner. Roy Wagner.
- Hmmm tou a ver! Que chic.
- Vais-me de dizer que usas umas Lévis!?
- Lévi Strauss, claro.
- Ficam-te bem.
- Hoje fui ver um espectácilo com texto do Maiakovski.
- Malinovski?
- Maiakovski!! Da revolução russa. Maiakovski!... tzzz não pensas em mais nada.
- MALINOVSKI!!
- Gosto muito da Margaret.
- Da Tatcher?!
- Da Mead.
- Uffffaaaaa! Que alívio!
- Olha! Tens um cigarro?
- Nietsche.
- Nietsche?
- Ni tcha.
- Ah! Não fumas!
- To ma, man.
- Thomas Man?
- E paaaaa! Dá-me descanso.
- Descanso? Não conheço!...
série: " O trabalho é uma virtude"
A piU
bR, treuze de dezembro 2012
- Marca?
- Griffe.
- Ahhh! Pierre Bourdieu.
- Pierre Bourdieu?
- Pardon, Pierre Cardin.
- Uau! Essas jeans! Que marca são?
- Wagner. Roy Wagner.
- Hmmm tou a ver! Que chic.
- Vais-me de dizer que usas umas Lévis!?
- Lévi Strauss, claro.
- Ficam-te bem.
- Hoje fui ver um espectácilo com texto do Maiakovski.
- Malinovski?
- Maiakovski!! Da revolução russa. Maiakovski!... tzzz não pensas em mais nada.
- MALINOVSKI!!
- Gosto muito da Margaret.
- Da Tatcher?!
- Da Mead.
- Uffffaaaaa! Que alívio!
- Olha! Tens um cigarro?
- Nietsche.
- Nietsche?
- Ni tcha.
- Ah! Não fumas!
- To ma, man.
- Thomas Man?
- E paaaaa! Dá-me descanso.
- Descanso? Não conheço!...
série: " O trabalho é uma virtude"
A piU
bR, treuze de dezembro 2012
MOEDA NÚMERO UM
Entrei na Igreja da fé quadrangular e procurei
um canto para me colocar. Em linha recta fui, em linha recta voltei.
Minha blusa quadriculada reluzia ao som de preces amplificadas.
Sentei-me e esperei que algum canto surgisse. Não surgiu. Não podia surgir. Os cantos não surgem, somos nós que os devemos procurar e anicharmo-nos neles.
Li o meu livro de quadradinhos preferido. Na capa tinha o Tio Patinhas fazendo as pazes com a Maga Patalógica. Um senhor abeirou-se de mim e disse:
- Não pode estar aqui com livros de quadrinhos!”.
- Mas eu tenho aqui uma autorização por escrito que posso ler livros de quadradinhos,
Respondi.
- Mostre lá! Hmmm Bom… Esta autorização é para livros de quadradinhos e não de quadrinhos. Como tal não tem efeito.
- E quadradinhos, posso?
- Já lhe disse que não!
- Mas é de quadradinhos e não de quadrinhos…
- Aqui neste espaço não existem revistas de quadradinhos. Nem sei o que isso é. Por favor, retire-se.
- Juro que não incomodo.
- Queres ver esta? Vou ter de chamar o Zé Carlos. Zé Carluuuuuus!
- Sim? Esta senhora está a ler este livro de quadri… quadrinhinhos.
- Aia! Eu não tenho esta!!! É das melhores!!! O senhora não tem autorização, não é? Vou ter que ficar com a sua revista de quadradidinhos.
Saí em círculos na esperança de reencontrar a minha revista preferida. Meti a minha mão ao bolso e senti um metal fino. A moeda número um do tio Patinhas já é minha!! Saí de fininho, de cabeça baixa para não dar nas vistas.
A piU
16. Dezembro.2012
Li o meu livro de quadradinhos preferido. Na capa tinha o Tio Patinhas fazendo as pazes com a Maga Patalógica. Um senhor abeirou-se de mim e disse:
- Não pode estar aqui com livros de quadrinhos!”.
- Mas eu tenho aqui uma autorização por escrito que posso ler livros de quadradinhos,
Respondi.
- Mostre lá! Hmmm Bom… Esta autorização é para livros de quadradinhos e não de quadrinhos. Como tal não tem efeito.
- E quadradinhos, posso?
- Já lhe disse que não!
- Mas é de quadradinhos e não de quadrinhos…
- Aqui neste espaço não existem revistas de quadradinhos. Nem sei o que isso é. Por favor, retire-se.
- Juro que não incomodo.
- Queres ver esta? Vou ter de chamar o Zé Carlos. Zé Carluuuuuus!
- Sim? Esta senhora está a ler este livro de quadri… quadrinhinhos.
- Aia! Eu não tenho esta!!! É das melhores!!! O senhora não tem autorização, não é? Vou ter que ficar com a sua revista de quadradidinhos.
Saí em círculos na esperança de reencontrar a minha revista preferida. Meti a minha mão ao bolso e senti um metal fino. A moeda número um do tio Patinhas já é minha!! Saí de fininho, de cabeça baixa para não dar nas vistas.
A piU
16. Dezembro.2012
POEMAS DE NATAL
POEMAS DE NATAL
NATAL NORMAL
Eu cá sou muita nice!
Uso old spice!
Todo o Natal isso é normal
Em qualquer casa de Portugal
E como eu sou muita baril
Uso old spice no Brasil!
O COELHINHO
O Coelhinho foi com o palhaço no comboio ao circo
O Coelhinho e os seus amiguinhos são muito, muito queridinhos
São Albertos, são Joões, são Pedrinhos
Como é bom tanto palhacinho nos comboios quase, quase paradinhos
(…)
Pobre de mim coitada não puder assistir a tanta alegria,
tanta folia nesta azáfama do dia a dia
Ai de mim! Ai de mim! Se não faço uma árvore de Natal Made in Pequim.
Quiçá made in Berlim!
Pobre de mim, coitada.
Ai de mim! Ai de mim!
Se vejo a Europa por um funil.
Aqui tão longe no Brasil.
Mas o mundo é pequeno neste mundo global
desejo a paz mundial
e agradeço por estar viva “Shukra!, Shukro!”
E lembro-me da mania do lucro. Shukra! Shukro!
Sai p’ra lá ó lucro pelo lucro
que entope a utopia do dia a dia.
bOMBOIKA DA TROIKA
Este Natal é fenomenal
Quando nada se leva a mal.
Entre uma e outra troika
Bora lá degustar uma bomboika.
Bomboika, bomboika do meu coração
Se só há estas não são só para mim, não!
O BODE EXPIATÓRIO
O bode expiatório é aquela pessoa que dá
sempre jeito ter à mão para dar na corneta da mesma. O bode expiatório é
aquela pessoa ou aquelas pessoas que existem para nos redimir dos
nossos pecados. São pessoas que existem para que alguém deseje
que elas não existam. O bode expiatório é o visigodo ou sarracenos ou
até mesmo o nosso vizinho. Enfim, é aquele que ficou lá atrás na
história e/ou que está muito longe ou quem nós cobiçamos a sua boa
aventurança. O bode expiatório pode ser o nosso vizinho. E porquê?
Simplesmente porque sim. Quando se tem um bode expiatório à mão não
precisamos de nos responsabilizar. Arranjamos alguém supostamente
diferente de nós e perdemos a oportunidade de ser. Desta feita,
aconchegamos-nos na nossa arrogância como pretexto que somos melhores
que os demais ou por determinados seres que talvez até nem tenham alma. E
se tiverem... tzzzz
A piU
Br, 18 DE dEZ. 2012
A piU
Br, 18 DE dEZ. 2012
CAVALHEIRO
Cavalheiro, meia idade, bom nível
sócio-económico, boa aparência física, passivo, procura jovem
Cavalheiro, activo e bem dotado, para relação intíma estável. Apenas
aceito Cavalheiros educados e com boa higiene pessoal. Estou disposto a
facilitar a vinda para a Europa. Dou casa, sustento e posso ajudar
noutras situações como legalização e emprego. Assunto sério. Por favor
contactar por telefone.
GOSTO DO GROTESCO
Gosto
do feio, porque o belo não me convence. Gosto do belo porque o belo me
transcende. Gosto do feio e do belo porque ambos se riem um do outro.
Gosto do feio porque me acalma a urgência de ser belo. Gosto do belo
porque me acalma a dureza do feio. Gosto
do belo e do feio. Gosto do feio porque afinal não é feio, é grotesco.
Gosto do grotesco porque é ridículo. Gosto do ridículo porque o ridículo
sabe que nem sempre as coisas são belas. Gosto das coisas belas porque
são belas e porque podem ser ridículas e frágeis e frágeis e grotescas.
Gosto do belo grotesco. Gosto do feio sensível. Da beleza dessa
sensibilidade tão dura. Tão crua, tão viva, tão animal. Gosto da beleza
da animalidade. Gosto da beleza da não genialidade, da precariedade, da
imbecilidade, da vulnerabilidade que abre portas e caminhos para outras
dimensões. Gosto de dimensões reais criadas pelo sonho. Gosto do sonho
de simplesmente ser. Gosto de simplesmente ser, sonhando. Gosto do
deboche e do brioche. Gosto da inconveniência e da decência. Gosto do
riso escancarado e dos maus modos. Gosto da generosidade dos maus modos.
Gosto dos maus como rudeza. Gosto dessa rudeza que no fundo é
delicadeza. Gosto da delicadeza que é uma carência. Gosto de aconchegar a
carência e dizer baixinho, muito baixinho:” Já passou!” ou “Vais ver
que vai passar.”
A piU
Imagem: Pedro Zamith
Br, 19 de Dezembro de 2012
A piU
Imagem: Pedro Zamith
Br, 19 de Dezembro de 2012
quinta-feira, 13 de dezembro de 2012
TETRA TETRA TETRA TETRA AVÔ
Querido tetra tetra tetra avô Manoel Joaquim
Fonseca Galhão, bem sei que o senhor desconhecia a internet, as bases de
dados, o cruzamentos de dados. Bem sei que o senhor tetra tetra tetra
tetra avô vendia títulos aristocráticos à burguesia
em
ascensão e que gostava de muito e vinho e bastante pão. Mas tetra tetra
tetra tetra avô o pessoal por aqui acha que a culpa é toda sua! Todo
este uauê do burô é culpa do sinhô!! Mas ainda agora apareceu-me um
quadrinho na tal da net dizendo:"Data de validade do CNH não pode ser
menor que a data de nascimento". Tetra tetra tetra tetra avô pergunte aí
para o Guttenberg se 26.09.1973 é maior que 25.09.2038. É que eu às
vezes fico tão confusa que me sinto obtusa. Pranto-me queda e fico
lerda. Oh tetra tetra tetra tetra tetra tetra tetra avô não faz isso
comigo, não. Eu pormeto que nunca mais armo escabeche lá na loja do
cidadão na Lisabonne. Mas não me faça pormeter que me vou comportar no
Serviço de Estrangeiros lá nas Lisabonnes também!!! Bom, mas olhe para
mim com este ar bonacheirão. Vermelha, mas só do sol! Que vinho do ti
Marcelino é a peso de ouro. E eu até cá acho que o ouro era e é só para
os galifões de olho grande como o senhor. Desculpe tetra tetra tetra
tetra tetra tetra avô.... mas acho que não saí a si.... Quem não sai aos
seus não é de Genebra...
A piU
Br, dez 2012
A piU
Br, dez 2012
O MISTÉRIO DA BUROCRACIA
O mistério da burocracia concede-me uma ar
misterioso e um não sei um quê de prazer em jogar o jogo de "Onde está o
Wallie?". Um jogo da glória que no final quando a glória for gloricante
brindarei com champagne (Do verdadeiro!!! Sim! Claro! Mais euro, menos
euro. Real mente!) Brindarei a o meu tetra avô, um tal de Manoel que
inventou tanto papel.
A piU
Br, 13 dez 2012
A piU
Br, 13 dez 2012
quarta-feira, 12 de dezembro de 2012
MATATEU CAMAFEU
Eu cá sou o Matateu! Sou um camafeu! Um mafarrico muito rico! Sou fidalgo! Algo sobrenatural eu sou! Mateteu Camafeu que deambula no breu. Comigo ninguém se mete. Minha esposa é a Suzete! Uma majorete que conheci nos tempos de menino e moço entre uma cerveja e um tremoço. Sou muito nobre. Sou rico e não sou pobre. A mim ninguém me engana. Mão de ferro e nem um berro. De peito feito levo tudo a eito. Não dou confiança e a minha louça é de faiança. Sofro do coração e no meu dedo levo o brasão. Não suporto nem uma falha de toda essa escumalha. Sou bastante natural quando chega o Natal. Sou intemporal. Tenho um poder paranormal. Sou amigo do meu amigo, mas ninguém se meta comigo.
A piu
Br, 12.12.12
Imagem: Caricatura em Óleo
Francisco de Goya - Pintor espanhol (1746-1828)
A piu
Br, 12.12.12
Imagem: Caricatura em Óleo
Francisco de Goya - Pintor espanhol (1746-1828)
O QUE É ISTO?
- O que é isto?
-É pão com chouriço!
- O quê?
- As cuecas do PPD.
- Quem é?
- É o homem do café que lava a
cara com chulé!
- Quem vem lá?
-
É o Alibabá! (e os quarenta ladrões)
- Bruxo! Já cá cantas no buxo!
- Ai! Diz o filho para o pai!
- Ui! Já fuiiiiiii!
- Ana! Oh Ana! Saiste-me cá uma
magana.
- Maria! Maria olha a saia que
rodopia.
- João! Não olhes para o chão.
- Elisabete pega na trotinete!
- Miguel! Oh Miguel, deixa de
andar ao papel!
- Rita! Rita! Tu és muito bonita!
- E tu, oh Zé Caramelo, tambés é
muito belo!
- O Xico Marmita é amigo da Rita.
- Mas o que é isto?
- São rimas de imprevisto.
- Só visto!...
- Vai um vinho das terras do
xisto?
- Mau!
- Vai um bolinho de bacalhau!
- Ah pois é! Bora mas é ao Candomblé?
- Pode ser, né?
- Valeu seu Tadeu!
- De nada Matateu!
A piu
Br, 12.12.12
Imagem: Inês d’Espiney/ Portugal
terça-feira, 11 de dezembro de 2012
CASA DE PORTUGAL
Meu
querido diário espero que continues a ser querido para mim e eu para
ti. Não fiques zangado com tanto desabafo que trago no regaço e no
cachaço. Meu querido diário tantos segundos, minutos, horas, dias e anos
para viver. Para viver e me
surpreender com aquilo já lá estava ou
com aquilo que passou a estar. Com aquilo que já lá estava e que nunca
se reparou ou que se reparo, mas normalizou-se. Mais os dias são
circulares, assim como os segundos, os minutos e as horas. Ainda bem que
existes meu querido diário. Ainda bem que existimos aqui. Aqui ou na
Babilónia ou na Estónia, na Macedónia ou na Califórnia.
Não te
contei, meu querido diário, mas ontem entrei numa daquelas casas de
Portugal que existem no estrangeiro. Não te zangues se cá dentro, no meu
regaço, a coisa fica um cangaço. Mas meu querido diário eu entro numa
casa daquelas porque supostamente tenho de falar com um tal de Cônsul.
Lá vou eu. O cônsul está doente há três meses e não tem ninguém para o
subestituir. Dou pulinhos de contentamento! Agora sim estou numa casa
digna do seu nome. Não me leves a mal, mas eu cá sinto um fru fru no
plexus solar do meu ser quando entro em Embaixadas Poruguesas, Centros
Culturais Portugueses mais as ditas Casas Portuguesas. Seja em Cabo
Verde, França, Dinamarca, Brasil. Garanto-te meu querido diário que
todas elas criam em mim uma sensação de falta de pretensa.
Posso desabafar contigo?... Sinto-me, por vezes, decepcionada de ter a
nacionalidade que tenho. Não me sinto representada a todos os níveis.
Jurídicos, culturais and so on. O marasmo desses lugares fazem-me ter
vontade de fugir e levar comigo a minha história pessoal fantasiada ou
não aos quatro ventos. O meu pai é sueco, refugiado chileno exilado nos
anos 70. Minha mãe francesa, de origem marroquina, ativista do Maio de
68. Os dois encontraram-se no Woodstock em 69. Vieram ter a Portugal
quase quase no apogeu dos ventos de mudança. Em 73 nasci e em 74 deu-se a
festa dos cravos. O que veio a seguir tá a vista agoar. Bom, mas nasci n
um país bonito, com sol, onde se come bem e há pessoas muita porreiras,
apesar de algumas terem vergonha de serem felizes. Meu querido diário
achas que esta história é convincente?
Ontem quando entrei na Casa
de Portugal nem um elemento que me fizesse sentir em casa. Sei lá! Tem
tanta coisa! Umas garrafitas de tinto do Alentejo ou do Douro. Cheiro a
queijo da Serra da Estrela. Murais do Almada Negreiros ou invocações à
pintora Paula Rego. Opa e e que tenho tantos amigos artistas plásticos
(qual a diferença entre arte e artesanato?) músicos, atores. Mas bom,
vamos lá pelo óbvio. Uma guitarrada portuguesa do Carlos Paredes. Madre
Deus... A bela cerâmica tradicional ou urbana que se faz por todo o
país. Nãããã! Nada disso. Apenas um painel de azulejos com a Nossa
Senhora de Fátima e os três Pastorinhos e uma grande loja de rendas do
Ceará, por sinal bem bonitas. Mas quando eu entro nestas instituições
ditas portuguesas sinto desalento. É o espelho dum país que não valoriza
quem lá nasceu, quem lá cresceu, quem algum dia quis que o seu país
fosse diferente de valores provincianos e caducos (atenção meu querido
diário! Descentralização não é o mesmo que provincianismo! Posso viver
no campo e ser cosmopolita.)
Meu querido diário tantas vezes
confirmo que quase ninguém no planeta terra conhece o que se faz ,
pensa-se e cria-se em Portugal. Portugal não é só fado nem Fernando
Pessoa. Mas, meu querido diário, temos sido educados para não nos
valorizarmos. E eu até acho que se aquela história dos pastorinhos
convenceu tanta gente a minha acerca das minhas descendências também
convence. Pelo menos o meu encontro com os trópicos está realizado. As
minhas descendentes trazem Angola e Brasil na derme. Nesse caso posso me
sentir do mundo. Posso não posso? Claro que posso! Conta as viagens de
inter rail e afins. Os tais dos seminários na Europa. Sim, porque em
Portugal o pessoal não pertence realmente à Europa. Porque lá fora é que
é! Mas olha, gosto de ser quem sou. Não tenho problemas nenhuns de
abdicar, por momentos, do meu sotaque para fazer-me compreender. Como
uma senhora que apontado para um aterro dizia:”Tudo isto aqui é sonho. O
que está cá dentro da nossa cabeça é que é real.” No fim de contas as
fronteiras somos nós próprios que as criamos dentro de nós. Mais coisa
menos coisa. Não achas meu querido diário?
Música: Deolinda, banda portuguesa com a vocalista Ana Bacalhau
A piU
Br, 11/12/12
deolinda - garçonete da casa de fado (live @ cinema são jorge, lisboa)
http://youtu.be/QbZ-UvBrlCs
segunda-feira, 10 de dezembro de 2012
GUIDE PRÁTIQUE BILINGUE
Achtung when you go to Lissabonne (a very
little town in Spain. Spain is part of the P.I.G.S.) take care of you
are belongings/ literal tradution: faça atenção aos gatunos, pilantras
dos pigs. eruditich unt philosophic tradution: Cuidado com a sua longa
existência. Pay a special atention for the exit and the entrancy in
metro/ literal trad. vista-se de Fernando Pessoa e deambule pelas
românticas ruas de Lisboa e não faça caso aos pigs que existem aos
metros/ empreendedorich trad.: pague uma atenção especial para para o
seu êxito guarde as suas entranhas/vísceras bem guardadinhas.
in guide pratique trilingue európean
A piU
BR, dez.2012
in guide pratique trilingue európean
A piU
BR, dez.2012
CHIUUUUUUUU
- Que barulho é este?
- É a revolução. Estão lá fora a fazer a revolução?
- psssttt silêncio que estou a estudar!! Pensam que Tolstoi é fácil?!! Que gente!!!
- Mas é uma revo...
- Chiuuuuuuu! Já não há respeito! Ora deixa cá ver o que Trostski tem para dizer.... pssssttt SILÊNCIO! ai a minha vida!!
- Larga os livros. Sai prá rua. Vai aprender ao vivo que à história a acontecer!
- CHIUUUUUUU! Hoje é domingo e tá muito calor!! Dia da Santa Caipirinha! Ai! Tal num tá a moenga!!! E agora tou a discutir Jean Paul Sartre! Aiiiiiiiiii!
A piU
Br, dez. 2012
- É a revolução. Estão lá fora a fazer a revolução?
- psssttt silêncio que estou a estudar!! Pensam que Tolstoi é fácil?!! Que gente!!!
- Mas é uma revo...
- Chiuuuuuuu! Já não há respeito! Ora deixa cá ver o que Trostski tem para dizer.... pssssttt SILÊNCIO! ai a minha vida!!
- Larga os livros. Sai prá rua. Vai aprender ao vivo que à história a acontecer!
- CHIUUUUUUU! Hoje é domingo e tá muito calor!! Dia da Santa Caipirinha! Ai! Tal num tá a moenga!!! E agora tou a discutir Jean Paul Sartre! Aiiiiiiiiii!
A piU
Br, dez. 2012
VELHOS E NOVOS MUNDO
Meu querido diário hoje dei de caras com uma prática social
que até a data não estava habituada. Mas nada como irmos ao encontro de mundos
novos, de novos mundos. Em suma, essa prática consiste na formatura duma moçoila que passou do 5º
para o 6º ano do ensino básico/ fundamental. Ora, pois, muito bem. O momento é
de pompa e circunstância. Os tempos são promissores. Existe um crescimento econômico
e uma preocupação em pôr em prática políticas públicas democratizantes. Pelo
menos fala-se nisso. Porém, todavia, contudo, eis se não quando deparo-me num
filme a modos que a banda sonora é “Deus , Pátria, Família”. Bom, mas bom...
Ele há valores que não têm mesmo nada de errado, mas quando são apropriações de
discursos institucionais para manter a malta alinhadinha num controlo
moralizante... Fico a modos que com uma sensação como que de absorção. Numa
dúvida existencial, pois sou nova no pedaço e de repente as práticas têm outro
peso. Cantar o hino de pé é uma solenidade que me cheira a uns tempos obscuros...
Mas posso estar enganada!! Depois, o senhor padre e o senhor pastor debitarem
discurso onde pedem ao pessoal para baixar a cabeça e fechar os olhos. Bom, eu
até posso baixar a cabeça e procurar com os olhos postos no chão o porquê de
tal cerimônia. Mas o que surge é uma pergunta: ”Não estarei eu num Estado laico?”.
E outra questão saltita nas mãos: ” E qual a relação desta cerimônia com estes
contornos num campus universitário?” Fazer um juramento com a mão levantada que mais coisa menos coisa inclina-se em seta...As perguntas saltam, as letras e palavras
engalfinham-se e tento manter a minha cordialidade e respeito perante tais práticas para não entrar em
confrontos desnecessários e pouco construtivos.
Durante a tarde as idéias andam ali às voltas e várias vezes
vêm à idéia o tema que a Elis Regina canta: ”Como os nossos pais”. E de novo
recordo-me do discurso de uma das professoras: “Crescer e fazer um mundo novo
também é ser despropositado.” Bom, fico ligeiramente aliviada perante tanta
formatação e clichês assentes em valores nobres como a solidariedade, a
justiça, o compromisso. Mas uma pergunta difícil teima em azucrinar-me:
” Estaremos sempre sujeitos e sujeitas a impérios, a ideais
imperiais? Será possível que emirja um
novo mundo ou um mundo novo sem velhos e
gastos cânones de práticas sociais do tempo da outra senhora carrancuda cheia
de certezas e verdades moralizantes?”
Quero estar cá para ver, sentir e viver. Bom, e já agora
pensar. No mínimo. ;)
A piU
Brasil, Dezembro de 2012
Imagem: Berlim 2011
Edifício da ex RDA/ DDR
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