quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

HAPPY SIXTIES, diário de bordo durante o Odin Week 2011

Estou no Odin Teatret em  Holsterbo, Dinamarca. Pleno Verão escandinavo. Decorre o mês de Agosto de 2011:

Final de um dia de treinamento, demonstrações de trabalho, palestras e apresentações de espetáculos. estamos à conversa na casa do Jan. Jan Fersley é músico, compositor e ator do Odin e é dinamarquês num grupo de noruegueses, italianos e outras nacionalidades. Está  também o querido Augusto Omolu que além de bailarino é coreógrafo, além de brasileiro é baiano. Que descanses em paz, querido Augusto.

Na sequência da nossa conversa escrevo este texto:

HAPPY SIXTIES

Quando escutei esta expressão proferida por um dos membros do Odin senti uma certa tristeza. "Happy sixties....'
Os meus pais, assim como a sua geração em Portugal não pôde de modo algum viver esses happy sixties.
Uma guerra colonial obtusa sem saída, uma ditadura mesquinha como qualquer ditadura. Uma ditadura do "orgulhosamente sós". (1932/1974)

Sad sixties.

O que seria hoje Portugal se os sixties tivessem sido happies? Como seria hoje a geração dos meus pais? Como seria a minha geração e as que vieram a seguir?

Enquanto o resto da Europa e os EUA celebravam o Flower Power, como uma alternativa quase inglória de combater a lógica do lucro, Portugal despedia-se da jovem população masculina que embarcava para além mar, para terras africanas e alegando com uma batida de mão no peito que tais terras eram deles. Partiam para combater no meio do mato. E lá ficavam as portuguesas em frente ao mar nesse jardinzinho à beira mar plantado. E com toda a certeza os seus homens não embarcariam numa trip Lucy in the Sky with Diamonds. Não, não era uma trip colorida, poética e  alucinante. A alucinação era outra e quem sobreviveu passou anos a ser assaltado por pesadelos na noite da escura. Os fantasmas teimavam assombrar os ex soldados já numa democracia que se apresentava como um bebé recém nascido.

Porém, do outro lado do mar em terras de África a censura salazarenta não era tão apertada e uma pitadinha de happy sixties espreitava no auge de uma guerra que durou 12 anos (1962/ 1974). Essas arzinhos da sua graça poderiam chegar em formato vinil.

Do outro lado do Brasil vivia-se também uma ditadura (1964/1985). Uma ditadura militar que ao mesmo tempo que agrilhoava criava a necessidade, a urgência de reagir quer fosse pela música, pelo teatro, pelo cinema, pela literatura.

Em Portugal essa emergência também acontecia, mas em dimensões menores. Portugal pequeno, encurralado em si e rodeado por uma Espanha franquista. (1939/1975)

Quarenta e oito anos de opressão, de analfabetismo,  de pobreza, de censura, de tortura. Enfim... Mais o peso da igreja católica secular que cultivou o medo, a desconfiança, a delação e o falso pudor.

Como 48 anos podem ser tão decisivos para as gerações vindoras. Como pode influenciar o modus vivendis de um povo.

O Odin estás prestes a completar 48 anos, quase meio século de envolvimento, implicação que obviamente deixaram marcas profundas no modo de pensar e fazer teatro e viver a vida. O seu trabalho tem expressão, vai ficar na História, mesmo que a percentagem de afetados  possa parecer  insignificante para uma conjectura mundial.

Terá uma ditadura maior impacto que uma proposta pragmática de um grupo teatral que segue trabalhando e divulgando a sua pesquisa interminável pelos quatro cantos do mundo? Parabéns Odin!

Ana Piu
Barão Geraldo, Brasil 5. 2.2014
(texto escrito em Agosto de 2011 com pequenas alterações sem tirar o sentido realizadas hoje)

(Julia Varley em O Castelo de Holstebro II. Foto: Jan Rüsz / Odin Teatret)

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