segunda-feira, 11 de julho de 2016

VIEMOS PARA HOMENAGEAR AS NOSSAS ANCESTRAIS: ACERCA DA MINHA MESTRA E ORIENTADORA

Ali está ela vestida de preto. É a minha avó materna. Uma vida inteira ao serviço dos outros. Das patroas e patrões, depois das filhas, dos netos e bisnetos. Dificilmente se sentava. Uma espécie de ansiedade servil. Tinha que estar sempre em atividade. Ora limpando a casa, ora cozinhando, ora cuidando dos petizes.
Eu ainda sou do tempo em que a Rosarinha não se vestia de preto e cantava as suas música da dita cultura popular alentejana, enquanto lavava a louça ou outra atividade doméstica. Depois o coração silenciou-se nos seus cantares. Se perder uma mãe é duro, mais duro é perder uma filha.
Hoje a Ocidente está na moda os mestres e as mestras. Só que diferentemente do Oriente, a Ocidente proclamam-se mestres com uma facilidade que dá que pensar a legitimidade dessa proclamação. A auto proclamação de mestria dá também que pensar. Quem é, é. Não precisa e se auto proclamar, os outros proclamam.
A minha avó foi a minha mestra. Embora soubesse ler e escrever o seu sonho de ser professora primária nunca se concretizou, devido às suas origens humildes. E um dos princípios que a minha mestra me passou foi exatamente esse: HUMILDADE. Mas humildade não significa submissão. E nesse aspecto eu e a geração a seguir à minha, as minhas filhas, temos o dever de afirmar a nossa autonomia: o direito a pensar e agir com sensibilidade e sentido crítico. Viemos para homenagear as nossas ancestrais. Outro dos princípios que a minha mestra passou foi o de NÃO PEGAR O QUE NÃO NOS PERTENCE E DEVOLVER O QUE NOS FOI EMPRESTADO. E olha que aos 8 anos de idade passei a vergonha de ter de devolver um ovo de chocolate que trouxe da mercearia sem pagar, para oferecer a uma amiguinha. A Rosarinha não perdoava esses deslizes.
Aliado a esse princípio de NÃO ROUBAR está o princípio de NÃO MENTIR E ASSUMIR OS SEUS DESLIZES. Mentir é o equivalente a roubar, porque mentir é roubar o tempo e do outro, induzindo-o em erro e intriga. Assumir os seus deslizes é o exercício da humildade de nos sabermos seres humanos falíveis, porém focados em exercitar a amorosidade.
A minha avó alentejana foi a minha mestra, a minha orientadora. A ela lhe devo muito daquilo que sou e estou muito grata por isso, porque a gratidão é o combustível para a nossa energia vital. Que as nossas filhas e filhos possam se orgulhar das gerações anteriores e fazer ainda melhor para as gerações seguintes, que é viver a oportunidade de estarmos vivos em cooperação uns com os outros sem competição e sermos gratos por isso.
Ana Piu
Brasil, 11.07.16
texto dedicado à minha avó Rosária (1922-2014), à Nina (2000) e à Flor ( 2005) e à minha mãe Bia (1947-1985)

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