quarta-feira, 20 de julho de 2016

UMA PORTUGUESA EM TERRAS DE BARÃO- quando Portugal ganhou à França no futebol

“No Brasil, houve na metade do século XX mais um tempo de rasgar o coração da terra em busca do ouro, do seringal, da fundação das cidades, da catequização. Povos da Amazônia sonhavam com a dor da terra, os Xavantes sonhavam com a respiração do branco ansiosa de conquistas, explorações. (…)
A mentalidade usurpadora desta terra está prestes a fazer quinhentos anos, e os povos indígenas continuam o Sonho Sagrado e dançam e cantam para dissolver esse espírito mau.
Guerreiros de várias tribos saíram das aldeias para estudar esse tipo de pensamento que esquece o coração dos povos da floresta e pedra, aço e cimento. Na década de 1980 fundaram-se associações, entidades, uniões, confederações, organizações, para agir no meio da confusão que é a cidade urbana, correndo o risco de se perderem na batalha, mas com o objetivo de sensibilizar o humano, que e esqueceu do chão do seu nascimento e ficou em raiz, sem alma, coração.
JECUPÉ, Kaka Werá “ A terra dos mil povos, história indígena do Brasil contada por um índio” série educação para a paz, Editora Fundação Peiróplis, São Paulo: 1998
Há uns dias atrás, uma semana por aí, Portugal ganhou numa partida de futebol à França. Orgulho nacional. Pronto, ‘tá bem!... Porque não?... Também não vou ser desmancha prazer e eternamente do contra alegando que o futebol é o ópio do povo. Mas que é alienante é… Posso dar um exemplo breve que desmistificou aquela ideia que os europeus do norte são muito mais polidos, educados para a cidadania que nós, europeus do sul. Certa vez, durante um Agosto qualquer, penso que em 2010 a Holanda ganhou a Espanha. Eu aqui encontrava-me na Holanda em trabalho. Participávamos dum Festival de Teatro de Rua que acontecia ao longo de 3 ou 4 dias. Muita gente na rua. Um público habituado a ver e a apreciar a artes de rua. Quem valoriza a arte é porque de algum modo tem a sua open mind. Porém, no último dia do festival, logo a seguir ao seu fecho, o jogo aconteceu. Um enorme telão na praça. No final do jogo o lixo de copos descartáveis era tanto, assim como a respetiva cangalhada carnavalesca cor de laranja, que era impressionante. Além de uivarem e grunhirem rua afora no seu mau perder. Fizeram tanto lixo como ninguém fez ao longo de todos aqueles dias de festival de teatro de rua. Enfim, a minha idealização da Holanda totalmente open mind e educada foi por água abaixo…. Adiante.
No dia a seguir ao jogo em que Portugal ganhou à França tive de escutar logo pela manhã uma conterrânea aos berros que “nós, portugueses, somos os maiores e que sempre nos roubaram. Os ingleses, inclusive nessa história do império.” Enfim, uma certa confusão histórica que remete ao tempo de colonialismo. Como era de manhã e de manhã agradecemos pela oportunidade de acordarmos e sorrirmos para a vida fiquei calada, ainda para mais porque tenho consideração pela dita conterrânea. E ainda era de manhãzinha. Mas a conterrânea continuou em resposta a uma tímida pergunta dum brasileiro sobre o “nosso” roubar que no momento se localizava no Brasil, assim como nós:” Nós? Roubar o Brasil? Como assim? Como podemos roubar o que descobrimos? Como podemos roubar o que é nosso?” A sorte é que eu estava a beber café, porque se tivesse dado um penalty ( beber duma só vez; aquele passo no futebol que num chute a bola entra direto e GOOOOOOOOOL) num vinho do Porto tinha virado a mesa do café com as minhas palavras que muitas vezes são como um trator, levam tudo à frente que a pessoa nem sabe de que terra é e ainda se sente ofendida e até magoada! Olaré!
Resultado: escutei no meu canto, na mesa onde me encontrava e quando saí pedi desculpas para o rapaz, dizendo que como portuguesa não compactuo com essas ideias e sinto vergonha que alguém ainda pense assim e fale!... Pois roubar é roubar e o colonialismo é uma agressão, assim como o perpetuar duma mentira, no caso, histórica.
Brasil e seu povo desculpa aí!
Ana Piu
Brasil, 20.07.2016


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