segunda-feira, 1 de setembro de 2014

O QUE PENSAMOS QUANDO NOS SILENCIAMOS











 O QUE PENSAMOS QUANDO NOS SILENCIAMOS?

Há bem pouco tempo percebi que por estas bandas existem alguns temas tabu. Um deles é a comissão de Verdade que serve para acabar com a piada de mau gosto que no Brasil até nem foi tão mau como no Chile, na Argentina e outros países da América Latina, alvo das mãozarras do Tio Sam. Enfim, o Tio Sam mais a sua cultura é exímia em moralismos sempre com vista ao mesmo: cria-se a doença para depois vender-se a cura.
Enfim, enfim. Mas não é só o Tio Sam. Antes fosse. Vamos ao que me propus.

Ingenuamente achei que o pessoal, por aqui, andasse muito mais informado em relação à interrupção da gestação, vulgarmente denominado de aborto. Ainda é difícil de entender a mentalidade vigente com os seus tabus acrescidos, principalmente quando o índice de violência sobre a mulher é tão significativo ao ponto de existirem delegacias só para mulheres. A mulher brasileira é vendida como uma imagem de objeto sexual PARA O MUNDO. Como ser humano sinto vergonha de tal. Também é confrangedor como a maioria das mulheres no Brasil já sofreram de uma maneira ou outra violência doméstica e isso ser motivo de piada para muitos. Que sentido de humor inteligente! Parabéns! Por vezes até de uma forma aparentemente refinada. Primeiro elogiam a mulher para de seguida espezinha-la. Enfim, dá que pensar que exemplos tiveram em casa, na infância.

Dentro de portas o índice de abandono infantil é imensurável, tanto da partes dos pais que reconhecem ou não a paternidade, como das mães que entregam os filhos ao cuidado de terceiros. Assim como o elevado número de meninos e meninas que vivem na rua à guarda de ninguém. (E nessa parte dá me fortes sulipampas quando os pet shops proliferam como cogumelos e os debates de consciência social vão para o abandono da cachorrada e ninguém fala de crianças abandonadas. Talvez seja eu que esteja por fora e não entenda nada. Vou ler Bourdieu. Já volto).

Existem mil contraceptivos. Porém a educação sexual é manca. O aborto não é um contraceptivo. É um último recurso. Não deixo de expressar o meu espanto e até indignação quando existem mulheres que não compreendem outras mulheres, incriminando-as. Venham então os homens e as mulheres que, por respeitarem a vida, respeitam as escolhas de cada um nas mais diversas circunstâncias. Na realidade os 'desmanchos" acontecem em condições muitas vezes deploráveis, porém que faz desmanchos afirma que nunca abortou. Enfim, em pleno século XXI ainda há muito caminho a percorrer e partilho abertamente que descobri que a minha preguiça em debater alguns assuntos não passa de uma arrogância minha. Essa preguiça advém de considerar que existem questões que já deveriam estar interiorizadas tais como o respeito pela vida, pelas mulheres, por aqueles que não são tão brancos (como se a branquitude significasse alguma coisa. Quanto muito significa uma forte insulação quando desprotegidos), para aqueles que trabalham que nem loucos e não conseguem viver uma vida digna, por aqueles e aquelas que limpam a porcaria dos outros porque "Ai credo! Eu limpar a minha casa!? Nem pensar! Pago a alguém e ainda ofereço um posto de trabalho!" Talvez ser chique e educado passe por baixarmos a guarda e sabermos que do pó cósmico viemos todos e ao cósmico pó todos voltaremos.

Ana Piu
Brasil, 01.09.2014

Pintura: Paula Rego. Tríptico (Série “Aborto”). 1997-1999
Esta espécie de regressão, do humano ao animal, tem paralelo na série do Aborto (1997-1999), crítica aberta ao referendo que em Portugal justificou a continuação da criminalização do aborto. Nesta série, a mulher é colocada numa situação de vulnerabilidade, sustentada por posturas menos dignas ou incómodas pelo significado que encerram. Não há alegoria ou parábola. A realidade invisível, apenas sugerida, é mais desconfortável do que a delação de situações sociais da série inspirada nos desenhos de Hogarth (Betrothal, 1999), ou do que a subversão de temas religiosos (série O Crime do Padre Amaro, 1997-1998; Marta, Maria e Madalena, 1999).

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