terça-feira, 16 de setembro de 2014

ESTOU AQUI



A sua cabeça estava deitada sobre o ventre da velha mais velha que todas as velhas que já eram muito velhas, mas que também não eram. Podia escutar o respirar profundo dela, enquanto os intestinos trabalhavam com a assiduidade devida de quem se alimenta.

A velha disse. A velha falou com as sílabas posadas na brisa morna de quem fala a meio da tarde:
" Vês esta vela? Encontra motivo e modo de acende-la. Não temas os caminhos que encontrarás pela frente, mas não te desvies do teu. Acende-a e leva a chama com cuidado para que não se apague nem incendei. Outras velas encontrarás no caminho. Não as compares com a tua. Escuta-te e acompanha quem no caminho encontras que para ti faz sentido. Não compitas. Trata sim de ser competente sem nunca perder o respeito por ti e pelos outros. Não aceites só por aceitar, reflete com os teus passos que não são mais nem menos que aqueles que encontrarás pelo caminho. Não temas a solidão. É uma ótima companheira para saberes quem és e como te relacionar. Não te esqueças de te relacionar. Isso faz-te crescer. Move-te por um sentimento maior. O amor."

 "E o que é o amor?", interrompeu aquela criatura cuja cabeça estava deitada sobre o ventre da velha mais velha que todas as velhas que já eram muito velhas, mas que também não eram.

"O amor é estarmos em contacto com o mais profundo de nós e ao mesmo tempo sabermos sair de nós mesmos. Sabermos-nos colocar em outros lugares, no lugar do outro, principalmente. O amor é levar a vida na ponta dos dedos. Pega esta vela. Leva-a na ponta dos dedos. Não lhe coloques demasiados significados que aprisionados na cabeça acabam por nada significar. Leva esta vela com simplicidade. Quando chegares a um lugar que te sintas bem, faz uma fogueira. Poderei pressentir que não sentes frio e que contemplas o fogo. Confia na tua intuição. Controla o teu instinto como controla esse fogo de que te falo para fazeres. Agora vai para o mundo. Estou aqui."


Ana Piu
Br, 16.09.2014

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