quinta-feira, 18 de setembro de 2014

O QUE NÃO APARECE NO NOTICIÁRIO E O OCIDENTE DESCONHECE OU FINGE DESCONHECER

Nos idos anos 80, a guerra lá longe entrava nas casas de família e outras casas  em doses consideráveis pelo noticiário, antes da telenovela das oito. Ele era a guerra o Irão/ Iraque, ele era a guerra no Afeganistão. As paisagens eram sempre inóspitas com corpos estropiados feridos ou mortos aos magotes. Transmitiam-se  o anonimato das vitimas dessas guerras,  banalizando o sofrimento. Enquanto criança, eu desconhecia o porquê. "Aquela malta está sempre em guerra. Há anos que se matam uns aos outros." Eram as palavras que na minha mioleira ficava dita por terceiros. Escrevo assim com alguma leveza, pois o assunto em si já é suficientemente pesado. Mas como todos, ou quase todos, nós sabemos leveza não significa leviandade.

Há uns anos atrás uma amiga iraniana artista plástica, residente na época em Lisboa, apresentou-me os livros da Marjane Satrapi. Li o" Persópolis" em inglês num fôlego só. Desmistificou algumas eventuais ideias pré concebidas acerca do povo iraniano. Sim, porque dizer que não tenho ideias pré concebidas seria desde já uma ideia pré concebida de mim própria.

Há uns dias atrás, na caixa do supermercado, avisto três volumes de banda desenhada na revistaria em frente. Por aqui bd se denomina de gibi. Aproximo-me. " O fotógrafo, uma história no Afeganistão".  Na contracapa a apresentação é a seguinte: "Em julho de 1986, o Afeganistão sofria com a invasão soviética. Em meio ao caos, à pobreza da guerra, o fotógrafo francês Didier Lefévre acompanhou uma expedição da Médicos Sem Fronteiras ao país. A experiência foi marcante que ele decidiu mostrá-la ao mundo. (...)"

Li os três volumes de um só fôlego. Antes do jantar, aquele hora que muita gente assiste ao noticiário, abri o segundo volume na sacada da minha casa. Na página 64 sorri. Na 65 também. Sorri de alívio por saber que a minha intuição não engana a maioria das vezes. Na página 66 e 67 parei. Chorei de comoção. Sim, chorar não significa forçosamente que estamos tristes. Quando me comovo choro. Choro por saber que somos todos de carne e osso, que todos temos alma e que em toda a parte do mundo existem seres huamnos generosos. Desta feita vou partilhando as quatro páginas acima referidas.

Temo que as letras sejam pequenas para se ler com fluidez. Destaco então estas falas:" Seja franco, você viu muitas burcas desde que chegou? (...) A burca pra começar é um fenômeno urbano. Numa aldeia pequena, todo o mundo pertence à mesma família. Não há necessidade de véu. E uma burca custa cari.  (...) Além disso a burca é uma coisa bastante recente. Tem um século. Antes disso, muitas mulheres das cidades passavam a vida inteira sem pôr o nariz pra fora de casa.  Claro que é verdade. Numa cidade grande, uma mulher é obrigada a conviver com desconhecidos. A invenção da burca foi um ganho na autonomia e liberdade. Elas puderam sair de casa, afinal. De qualquer modo, fazem da burca um símbolo exagerado e idiota. As verdadeiras prioridades das mulheres são o acesso aos cuidados médicos, à educação, ao trabalho e à justiça. Não a roupas."


Enfim. O texto já vai longo, mas não saia do seu lugar. ;)





Ana Piu

Br, 18.09.2014


livro: Guibert, Emmanuel "O fotógrafo, uma história do Afeganistão"/ Guibert, Lefévre, Lemercier; (trad. Dorothé de Bruchard) São Paulo: Conrad, editora Brasil, 2008

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