domingo, 31 de outubro de 2021

HONRANDO AS MINHAS RAÍZES - III


Eu " num lu disse-le" que Piu foi um nome que me colocaram lá pelos 15, 16 anos?!?! Ah também conheci há pouco tempo uma artista incrível, uma coreógrafa, bailarina e cineasta negra franco brasileira: Ana Pi. Estou apaixonada pelo trabalho dela e pela homenagem que ela faz às suas raízes e história do seu povo. Nesse fluxo continuo falando sobre o lado de lá do cá do lá do cá do meu povo português na esperança que novos diálogos, entendimentos, encontros de escuta e observação afinada aconteçam para que novas narrativas se imprima no tempo e no espaço.
Aquela minha amiga duma santa terrinha que em 1991 tinha 718 habitantes na freguesia, em 1970, época que nós as duas nascemos, 1209, e hoje tem 690 quando se referia aos " vizinhos emigrantes e ao francês estúpido mal falado" ela referia-se a vizinhos portugueses que emigraram para França, Suíça ou Alemanha e estavam a passar as suas férias de Verão, em Agosto de 1991, na terra. Ela não estava a ser xenófoba ao escreve isso, pelo contrário. Os emigrantes da terra normalmente chegavam com a mania da superioridade. Na maioria uns coitados, que foram tendo algum poder aquisitivo à custa de muito trabalho que os franceses e outros não queriam fazer e de sacrifício ( não comer direito, viver em periferia/ banlieu com os mesmos contornos da periferia brasileira). Muitos desses emigrantes tinham saído de Portugal com uma mão à frente outra atrás, muitas sem documentos e com muita fome na barriga ainda durante o fascismo português e também já na democracia. Uns sem saber ler nem escrever, mas quando chegavam à santa terrinha falavam um francês tão arranhado como o seu português que agora renegavam porque o que lhes dava status era falar "marriage", " Alors! Bonjour!" ," viens avec moi". Na juventude, entre nós, essas pessoas eram motivo de piada acrescido ao facto de muitas serem reacionárias porque despolitizadas. Hoje, ao fim de 30 anos eu olho para esse nosso escárnio como uma prepotência nossa, uma falta de empatia de entender que os novos ricos que o são à custa do seu trabalho em países europeus são sobreviventes. Já o " francês estúpido mal falado" deve ser um jovem, filho de emigrantes ou neto, que também está a passar o seu Verão na terra e arma-se aos cucos com as garotas que podem ser mais ou menos acanhadas mas que também são inteligentes o suficiente para não quererem aturar sabichões.
A minha passagem por " Paris da França" foi outra. Eu fui como estudante de teatro com uma bolsa de estudos duma Fundação sediada em Portugal, a Calouste Gulbenkian, e morei na cidade universitária na Maison do Portugal nos idos anos 1996/97. Tentava não ficar muita na bolha do estudantes portugueses da casa onde morava porque estar num outro país é conhecer para lá da bolha das minhas referências e sair das diásporas e guetos mais ou menos evidentes. Eu tinha saído para o mundo e era no mundo de mil diversidades que eu queria estar. Sabia bem voltar à Maison dou Portugal para falar na minha língua materna sem ter que pensar nas palavras e construções frásicas e misturar francês, inglês e espanhol e adaptações do instante do português para qualquer coisa. Mas há uma coisa que ainda me intriga entre os emigrantes portugueses, como aqueles acima referidos, porque é que eles não falam português entre eles e sim um franciu ora mais gramatical ora mais farrusco? Pergunto... Em Paris os chineses falam chinês entre eles, os italianos idem, os turcos idem idem idem aspas aspas, etc e etc.
Quanto a mim eu faço questão de honrar as minhas origens que são do povão, sem patriotismo, tampouco saudosismo de feitos duvidosamente heroicos que subjugam outros outros povos e tentam aniquilar as suas identidades. Faço questão de recordar que somos todos diferentes e todos iguais muito antes das disputas territoriais, religiosas e de recursos naturais e humanos.
Nesta foto está uma parte do meu cartão/ carteirinha de estudante. No próximo texto mostro a outra parte. Tudo uma questão de marketing, já dizia o mê primo João Micas, filho dos kamaradas meus tios.
A Piu
Br, 31/10/2021






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