quinta-feira, 28 de outubro de 2021

CARTA DUMA JOVEM AMIGA DA SANTA TERRINHA

Salgueiro, 14 de Agosto de 1991

Ana

Hoje estou na minha quinta#, fugi da minha aldeia, da minha família, dos meus vizinhos emigrantes e daquele francês estúpido mal falado.

Nunca pensei que estar aqui fosse tão bom, nunca pensei achar estas duas montanhas que tenho à minha frente são lindas, sempre achei que esta propriedade fosse igual às outras, no entanto hojer acho que é especial. Que estupidez! A paisagem é a mesma, o barulho da água a regar a erva é igual, os animais são os mesmos, continuam iguais, comem, berram, estão sujos, estão lindos.

Bom, acho que o mal é meu, pois só agora e que me apercebi daquilo que tenho à minha volta, à minha frente, campo, campo, a Natureza.... Isto é lindo. Devo-te isto a ti e aos outros, pois aprendi a dar mais valor a isto. Obrigada.

Talvez eu não me tenha revelado muito bem, não sei, por um lado acho que tens razão por vezes adquirimos outra linguagem, que não é a nossa, mas acredita que por vezes é sem querer, pois entras num grupo diferente, aprendes algo, mas a tua linguagem mas a tua linguagem vem sempre de cima ou seja acabas sermpre por mostrar aquilo que és. Pelo menos comigo é assim.

Talvez seja dificil de para ti perceberes isto, mas tenta ver as coisas desta maneira, eu sou alguém que tenta acompanhar duas realidades, a do mundo e a da minha aldeia,por vezes é dificil, pois se parares um pouco, perdes a pedalada e já acabaste como a maioria das pessoas, brutas, egoistas, estúpidas, - sei lá!Acho que é disto que eu fujo. E é isso que eu critico, mas por vezes dou comigo a reagir da mesma maneira como eles reagem, aí revolto-me, mas já é tarde...

Que confusão não é... deixa lá, eu sou mesmo assim, muito complicada, um dia eu explico-te. 

É esta minha linguagem, confusa, sincera. Enfim, linguagem de " "Mariazinha",pois a minha cultura não dá para mais, ou talvez a minha imaginação seja preguiçosa, não sei. Espero que percebas, e que a sintas como senti a tua alma de poeta, admiro-te muito Ana, és dotada de uma sensibilidade que eu invejo, és aquele tipo de pessoas que eu julgava existirem apenas nos livros ( já sei, achaste piada, não é?) Continua assim que chegas lá, já chegaste? Se já, parabéns e felicidade. Continua lutar pelo teatro, que é uma das coisas mais belas que existe e que está tão mal tratado.

Já é noite, hoje durmo ao relento no meu terraço, o céu está lindo, acabei de ver uma estrela cadente, pede um desejo por mim.


Para ti Ana um grande abraço, um abraço dos meus brutos, lembras-te deles,não lembras? ;) 

E.

# quinta: chácara

obs: repare-se no selo como tributo aos navegadores portugueses... As narrativas estruturais estão aí para desconstruirmos



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