'É boilá! Je chui à Parish!". Sim, realmente Paris é impressinante, mas de perto ninguém é normal. Espera aí! O que é ser normal? Há pouco tempo conheci o antropólogo e psicólogo Roberto Crema através dos estudos com o escritor, conferencista e ambientalista indigena Kaká Werá. O Crema fala da patologia da normalidade, da normose. Quando a prática e as narrativas que são de violências, sejam estas simbólicas ou não, tornam-se normais, banais.
Não me lembro do nome da 'petite fille", da mocinha minha colega de escola, mas mesmo que me lembrasse não escreveria aqui,porque não se trata de nada pessoal e já se passaram umas duas, quase três décadas e este episódio que passo a relatar é uma postura, uma normose que não é só praticada em Paris, na França ou somente na Europa, embora esta ache-se o centro do mundo, mais o seu sucedâneo que são os States.Que esses aí!... Só por Zeus.... Inventam a doença, para depois venderem a cura, inventam a indústria de guerra para depois "salvarem"(?!) territórios e povos pelo mundo afora.
" Ah! Tu és portuguesa! Os teus pais são emigrantes? A minha mãe tem uma 'femme du menage"/ faxineira que é portuguesa.", diz a moça assim num intervalo duma aula de acrobacia para uma aula de máscara neutra. Os entrefolhos do meu estômago fizeram uma pirroéte no instante, não sei ao certo se o meu semblante ficou neutro ou adquiriu literalmente uma expressão de cara de c.... u... Olhei-a nos olhos e disse-lhe: ' Olha, sabes, nem toda a gente em Portugal emigra para vir servir, ser serviçal dos franceses. Se assim fosse não havia mais país. Eu para estar aqui com uma bolsa concedida no 'meu' país precisei de passar por escolas de atores e trabalhar profissionalmente na área. E em Portugal existem outros postos de trabalho além de plantar batatas e apascentar as ovelhas." "Escolas de teatro em Portugal?!', bafeja surpresa a " petite fille". Agora é o fígado que dá um salto mortal: ' Sabes o que se passa? Vivemos numa espécie de degradê, de gradações de cores numa lógica hierarquica. Conheço um senhor da Guiné Bissau que estudou na Escola de Belas Artes na Guiné. Em Portugal ele é pedreiro. Nessa ordem de ideias os que estão a sul na perspectiva do hemisfério norte servem os que estão mais acima.' ' Escola de Belas Artes na Guiné Bissau?! Oh lá lá! Não sabia!' Sem comentários. No dia seguinte ainda lhe pedi desculpa se falei duma forma mais acelerada com ela, tenho uma breve memória que nos apaziguamos uma com a outra, pelo menos aparentemente. Saber pedir perdão e saber perdoar dá saúde e faz crescer, tira-nos do pedestal das normoses. Ela não me pediu perdão. Normose... Mas por vezes a cordialidade forçada não significa respeito, entendimento com conhecimento de causa ou pelo menos disposição de quebarar com manias da superioridade e de inferioridade. Somos todos iguais pá, com as nossas diversidades. Quanto a ser migrante, pedreiro e faxineira não há vergonha nenhuma. Os meus avós eram tudo isso e fizeram o que puderam para que as suas filhas estudassem num país fascista, onde as mulheres não podiam voar nem muito alto nem muito baixo e os pobres eram para se manterem pobres. Mas depois surgem @s filh@s e @s net@s para chacoalhar as vaidades e as normoses, nomeadamente fazer amém sem refletir para instituições só porque estas dão status. Para mim uma pedagogia eficaz é uma pedagogia do afeto e por exemplo esta escola por onde passei, referência mundial e máxima da linguagem, carecia de afeto embora a proposta de trabalho fosse muito interessante. Para mim o que me nutre é o afeto, o entusiasmo do processo sem competições de se querer ser o número 1, o genial. É tão cafona isso. Pronto, esse é o meu ponto de vista a partir da minha experiência.
VIVA O AFETO PARA NOS AFETARMOS E NÃO NOS INFETARMOS COM A INSENSIBILIDADE E PRECONCEITOS NORMÓTICOS E SUBJUGADORES!
A Piu
BR, 02/11/2021
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