quinta-feira, 28 de julho de 2022

VOU APRENDER A LER PRA ENSINAR MEUS CAMARADAS *

 Sem tirar a importância devida a oralidade e ao indizível, ler e escrever é um ato de resistência e re existência. Não é a toa que durante séculos só alguns o faziam de forma elitizada ao qual chamavam de erudição. Escrever não será um ato de registrar leituras e percepções do mundo, passar para a frente a memória do que já foi, do que é e do que ainda poderá vir a ser?

Há pouco tempo soube que construíram em 2019 um Memorial da Escravatura em Lisboa. A proposta foi ao apresentada ao Município de Lisboa pela Associação de Afrodescendentes. Pronto, a iniciativa é de quem é Afrodescendente, que em muitos casos é também português, mas a dignidade está lá. Edificar lembranças coletivas traumáticas e tão recentes é já um caminho para outras formas de nós encontrar e nos entendermos. Quem me deu essa notícia foram uns brasileiros. Num instante falei que me senti orgulhosa. " Não é para tanto!" Falaram. Uma delas estava emburrada comigo por eu ter dito que existe uma ideia errônea que todos os europeus são ricos, nomeadamente os portugueses, mas os brasileiros que estão indo para Portugal, não todos claro, são ricos ou de classe média desafogada. Ficou ofendida comigo... Sentiu-se atingida. Paciência. Pedi desculpas se fui brusca no falar, mas ela não desemburrou. Uma moça porreira, mas esquerda alternativa gourmet. A questão nem é ser rico, pobrezinho ou remediado. A questão é sabermos de onde falamos, qual o nosso lugar de acesso a igualdade de oportunidades e/ ou de privilégio.
Já desconstruir ideias feitas acerca dos outros, cuja realidade não conhecemos mas achamos que conhecemos é um primeiro passo para o diálogo e as possíveis parcerias.
Assim como a escuta. Se eu digo que me sinto orgulhosa em haver um Memorial é justamente o contrário do orgulho de ter havido Escravatura. Escutar o que realmente é dito ou escrito é a base para que não hajam distorções e mal entendidos.
Eu ficaria tão ou mais orgulhosa que essa iniciativa do memorial partisse de portugueses sem serem afrodescendentes. Mas já está valendo. Quem sente ou sentiu na pele essa grande ferida histórica naturalmente vai querer lembrar de não esquecer.
No fundo, no fundo nós portugueses somos todos, ou quase todos, afrodescendentes do norte de África com a presença dos mouros por terras lusas. O pessoal do norte, carago, tem a maniazeca de chamar de forma depreciativa ao pessoal do sul que somos mouros, carago. É berdade. Aqui a Iana e a sua canalhada da sua laia é Moura, carago. Como celta, visigoda, cartaginesa e mais uma mão cheia de povos vindos de quase todas as direções onde a disputa de territórios, e escravizar pessoas e uma prática milenar. Características do patriarcado esse tumor planetário que precisa de ser removido. Depois falarei da escritora nigeriana Buchi Emecheta.
Até ao próximo texto! Beijus e abraçus decolonizados e depatriarcados.
* Roberto Mendes e Capinan
A Piu
Br, 26/07/2022
Foto: Walter Firmo



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