segunda-feira, 25 de julho de 2022

FOI IGNORÂNCIA, AGORA É ENTENDIMENTO

Lá vais tu, caravela lá vais
e a mão que ainda me acena do cais
dará a esta outra mão a coragem
de em frente, em frente seguir viagem
(...)
Mas parai, trago notícias horríveis
parai com tudo
já avisto os nossos conquistadores

Vêm num bote de madeira talhado em caravela
com um soldado de madeira a fingir de sentinela
com uma espada de madeira proferindo sentenças
enterrada que ela foi no coração doutras crenças
enterrada que ela foi, sua sombra era uma cruz
exigindo aos que morriam que gritassem: Jesus!
com um caixilho de madeira imortalizando o saque
colorindo na vitória as armas brancas do ataque
até que povos massacrados foram dizendo: Basta
até que a mesa do Comércio ainda posta e já gasta
acabou como jangada para evacuar fugitivos
da fogueira incendiada pelos outrora cativos
e debandou à nossa costa a transbordar de remorsos
mas a rejeitar a culpa e ainda a pedir reforços

Sérgio Godinho, Os conquistadores (1979)

No ano da graça do senhor de 1979 o compatriota Ségio Godinho lançava esta música, não sei se para o mundo mas com certeza parea Portugal. Isto só para não esquecer a quem nunca de lembrou de refletir que mesmo assim existem uns portugueses que não fazem o passeio do pacote turistico " mais que demais, maravilhoso é" entre um pastelinho de Belém, umas fotos no Mosteiro dos Jerónimos, mais outra no Padrãos dos Descobrimentos e ainda outras na Torre de Belém enquanto aguardam na fila gigante para entrarem lá dentro.

Há uns dias o conceituado artista visual brasileiro Bruno Ribeiro nascido a 1994 criou polémica no " meu Portugalito à beira mar plantado" com a sua instalação na Amostra de Interferências no Museu de Arte, Arquitetura e Tecnologia de Lisboa. " NÃO FOI DESCOBRIMENTO, FOI MATANÇA."

Sim... querido Bruno... Quem está minimamente informado e sensivel aos eventos históricos sabe que foi matança. Porém proponho uma alteração na conjugação verbal: " NÃO FOI  DESCOBRIMENTO, É MATANÇA." Tenho ou não tenho razão sem querer disputar razão? Eu entendo que o Bruno sendo visivelmente afrodescendente, como também descendente de branco e muito provavelmente indígena queira gritar para o mundo que não teve Descobrimento coisa nenhuma e que a narrativa oficial em Portugal é ainda de enaltecer um feito com um saudosismo decadente duma glória vã. 

Há medida que o tempo passa vou compreendendo que neste mundo com discursos de ódio até ao pescoço, os artistas, os escritores ( não curto muito o termo intelectual, pois há sempre um perfil onde a cabeça comanda de forma autoritária a alma o espirito) podem e devem assumir a responsabilidade de outros olhares, outros posicionamentos que proponham aberturas de consciência e aproximações saudáveis. Um dos exemplos para mim infinitamente belos, emancipatórias é a Claudia Andajur de 91 anos nascida na Hungria, com familiares e amigos vitimas do Holocausto. Ela refugiou-se no Brasil há décadas e abraça a causa indígena, no caso do povo Yanomami, com muita generosidade e amorosidade. Durante as décadas de 70 e 80 foi perseguida pela ditadura militar sem nunca desistir daquele povo da floresta. Ao assistir ao filme " Gyuri" é profundamente belo presenciar o profundo carinho e respeito mútuo que o Davi Kopenawa nutre pela Claudia. Isso para mim é Artivismo. 

Sinceramente também me dá a volta ao estômago,por ser anti colonialista e anti imperialista, artistas brasileiros com as suas bolsas de estudo, os seus prémios, as suas conquistas com certeza merecidas quererem dar lições de moral ao povo português. É IMPORTANTE QUE O POVO PORTUGUÊS SAIBA QUE OS DESCOBRIMENTOS FORAM UMA M..RDA. Mas há formas de dizer e manifestar. Quem defende o colonialismo e a identidade caduca vai ficar enfurecido e não vai com certeza mudar de ideas. Até vai piorar. Quanto a pessoas como eu, que são várias, aos pouco vamos ficando de saco cheio dessas provocações que não me parecem que levam a algum lugar a não ser o do preconceito. Primeiro vamos estudar História ( do nosso país e dos outros) , conhecer as narrativas oficiais e as alternativas, e depois buscar interlocuções intercontinentais. Porque o cidadão comum que passa na rua, que vai trabalhar todos os dias, paga os seus impostos, conta o dinheiro para pagar as contas, que nunca saiu do seu país nem tem criadagem merece ser tratado com respeito e não se sentir culpado por uma coisa que não cometeu, mas que no Brasil ainda se comete.  Como tal proponho uma frase profética: 

" FOI IGNORÂNCIA, AGORA É ENTENDIMENTO "

Gratidão sincera querida Claudia Andajur por existires e dares o exemplo!


A Piu

Br, 25/07/2022





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