Um dia o António das Cabras que agora era tratado por Antoine recebeu uma carta dum primo que vivia em Santos. Não Santos em Lisboa pertinho do Padrão dos Descobrimentos. Santos do outro lado do mar. O primo vendia fruta no mercado e estava a prosperar. Precisava de ajuda, iria abrir uma padaria com o capital que acumulara à custa de trabalho e sacrificio. Antoine das Cabras e a sua Mariazinha esperaram pelo navio chegar e nunca mais olharam para trás. Tiveram filhos, netos, bisnetos.
Maria, que já fora a Mariazinha das latrinas das madames e dos monsiôs, abaixo da linha do equador passara muito rapidamente a ser Dona Maria. Tinha quem lhe limpasse a sua latrina, que cuidasse dos seus filhos e depois netos. Era trabalhadeira, mas agora era a Dona Maria que se achava superior por ser branca e ter ascendido a uma classe social onde poderia agora ser tratada como madame também. Não, Dona Maria nunca tivera consciência de classe, nem quando era simplesmente Maria e depois Mariazinha. Sabia que tinha passado fome e chafurdou nos dejectos dos ricos mas agora era a vez de lhe servirem a ela. Era assim que pensava.
Os seus filhos cresceram e depois vieram os netos e os bisnetos que tiveram direito a andar na escola e seguir os estudos. Estes por sua vez aprendiam meias verdades na escola, factos distorcidos a roçarem o constrangedor. Sabiam que eram esão descendentes de portugueses, que os portugueses entre 1500 e 1822 colonizaram o Brasil, que Portugal fica na Europa e que vai-se se lá saber o porquê nunca souberam a fundo a história da Maria e do António das Cabras, portugueses como tantos outros vindos dum país rural, miserável e oprimido como os territórios colonizados pela oligarquia dum país. Embora alguns se achassem esclarecidos nunca conheceram a realidade do país dos seus antepassados. Uma coisa alguns tinham em mente, precisavam de usufruir do que Portugal sacou do ouro do Brasil e que até fez a revolução industrial à custa desse saque. Além dessa ignorância ser constrangedora era e é ofensiva, porque caluniosa e difamatória, não falando que depois da crise da Troika Portugal tinha virado moda.
Na ilusão capitalista, consumista e eurocêntrica foram às mãos cheias para Portugal achar que lá se encontrava o pote de euros no fundo arco iris. Até achavam que a Seguramça Social não é fruto dos impostos e das conquistas sindicais e sim fruto do saque ao Brasil. Enfim... Eles eram classe média direita, classe média esquerda, classe artística, classe empreendedora, classe aposentada, tanta classe que nem deve caber num país tão pequeno. Uns deverão ainda estar encantados, ainda bem. Outros desiludiram-se. Outros só vão para detectar as tacanhices do povo português e dizer: "Oh lá! Como eles são lerdos, tacanhos, bizarros. Só estou aqui mesmo porque é Europa e tenho muitos amigos brasileiros. E ganho em euros!!! Não posso é falar que ganho pouco e me sinto defraudado com a minha ilusão."
Contrariamente a muitos movimentos negros e indigenas que faziam e fazem por manter a memória e honrar a sua ancestralidade, alguns, não todos, brasileiros descendentes de portugueses sofriam e sofrem do sindrome de novo rico eurocêntrico, com uma consciência de classe a modos que duvidosa.
Alguma coincidência com a realidade é pura fantasia, mas mais ou menos. Quanto às carapuças enfia-as quem as quiser. deste lado não se distribuiem. Cada um que cuide da sua que eu cuido da minha.
Abraço bufonesco e fraterno
A Piu
Br, 13/07/2022
Sem comentários:
Enviar um comentário