Não se falava mais isso. O que passou, passou. Não se sabe ao certo o que se passou, porque não se falava mais nisso. Mas pode-se imaginar o que se passou para não se falar mais nisso. Foi um mês de ausência. Menos mal que foi um mês e não um ano ou uma ida sem regresso. Ao que consta não pertencia a nenhuma organização clandestina da oposição, mas o punho formigava há um bom tempo. Para se manter naquele emprego teria de pertencer à Legião Portuguesa, mas ter de aguentar as cuspidelas mandonas dum milili que neste texto vai ser de porte pequenito e empertigado para dar aquela imagem daqueles canitos nervosos que correm atrás das rodas das motos. Também podemos colocar um porte altivo e espadaúdo que se desmorona numa puxada atrás ( vulgus murraça) bem no meio da testa. " Na próxima vez que o gajo vier cuspir fininho vai levar uma nos cornos!', pensou.
Não demorou...Ou era porque as botas não estavam engraxadas ao ponto do mandão se ver refletido, ou a farda não estava impecável, ou não tinha feito continência com a mão certa, o aquele balde de água sobre o chão não tinha sido jogado quando essa não era sua função ao qual tinha sido contratado para aquele emprego. Qualquer pretexto servia para humilhar e falar com o seu hálito de sopas de cavalo cansado em cima dos subalternos. ZÁS! Em cheio! Sabia que iria pagar por isso, e caro. Mas soube-lhe bem. Nunca soube o que era meditação e por vezes não há meditação que segure, porque afinal de contas a paciência é uma mocinha que também se cansa. Provavelmente nunca se arrependeu daquela descarga elétrica, ou provavelmente sim porque fez a sua esposa e filho verem-no a ser levado para a pildra, Atrás das grades um mês em plena ditadura por ter dado uma socalhada a um superior. Acontece... Talvez tenha dado um berro e cobardemente disseram que ele esmurrou o outro. Isso também acontece. Você nunca viu isso acontecer? Eu já. Mais vale alguém que corajosamente assume os seus atos que um cobarde que distorce os factos.
Os guardas republicanos faxixi e fazcócó vieram-no buscar a casa. Anos mais tarde, muitos anos mais tarde - uns trinta, vá - ele na brincadeira diz a umas visitas que da sua casa até ao mar há uma passagem subterrânea da época dos romanos. As visitas acreditam e nós todos rimos por dentro, não porque ele diminui as visitas. Nada disso. É uma brincadeira de algo tão inusitado que as visitas acreditam, mas que talvez naquele dia nos idos anos 50 teria dado muito jeito. Uma fuga pela passagem subterrânea arqueológica desde o seu quintal até ao mar. 'Granda' estilo! Esse sujeito, esse gajo foi o meu avô Cunha, pai do meu pai.
A Piu
Campinas SP 20/03/2021
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