domingo, 15 de março de 2020

KALAFRIO

Noruega, imagem tirada da internet
" A Europa é um hotel de luxo medíocre." escreve Eugénio Barba, diretor italiano de 85 anos do Odin Teatret sediado inicialmente na Noruega em 1964 e passado pouco tempo na Dinamarca até à data. Essa frase que li em 1995 ou 96 num dos seus livros, " Canoa de papel" ou " Além das ilhas flutuantes" é com uma pulga atrás da orelha. Estou entendendo, a entender, aos poucos.

Ontem finalizei o livro" Os brancos também sabem dançar" do Kalaf Epalanga. O meio do livro em diante, quando este relata a sua passagem pela Noruega e sua detenção por ter passado com passaporte caducado, é impactante como um ajustar de entendimento da " minha velha " Europa, que um dia eu preparei-me para morar mais a norte, na Escandinávia após umas três visitas a Copenhaga, já que ficava muito mais perto de Lisboa e em conta que visitar o Brasil para saber se seria para cá que as malas apontariam. Confiar na intuição no destino, mesmo que este seja um tanto incerto, é a chave.


De facto eu estava encantada com a Dinamarca. Com aquela organização e aparente paz de espírito. Com aquele cenário de prosperidade de  social democracia onde todos sabem os salários uns dos outros, os carros param para dar passagem aos ciclistas e a poluição sonora é quase nula. Nunca senti xenofobia. Talvez por passar por dinamarquesa se não abrir a boca nem gesticular muito. Mas, quando na última vez levei a filhotada que pode ser filhotada de negro, chinês, indígena, mongol, e!... e!... árabe! Eu senti nos olhares anónimos preconceito. E estarmos atentas aos sinais e escutarmos a intuição é muito importante! Logo decidi que ali não era o nosso lugar. Não valia o esforço de adaptação e de aprender uma língua totalmente diferente num território sem sol o ano inteiro e que ao fim dum tempo aquela organização asséptica dá uma tremedeira, um silêncio entediante que só dá vontade de andar com as mãos no chão e as pernas a roçarem as nuvens!

A Noruega não há de ser tão diferente, assim como a Suécia. Eu tenho algum deslumbramento pela estética Escandinava, mas ontem ao ler algumas passagens do livro do Kalaf senti descargas elétricas pelo corpo e até um certo alívio e descobrir a chave do enigma duma história que eu quase desconhecia embora intuía que toda aquela prosperidade não poderia vir só da força de trabalho e poder de organização de cada país escandinavo, embora eu tentasse acreditar nisso e desejasse que eles compartilhasse  o seu modelo de cidadania com o resto do mundo. Mas algo não batia certo e não sabia porquê. Sendo assim deixo umas citações da Kalaf para refletirmos juntos nesta temporada de quarentena. Reflexão essa que também passa por nos perguntarmos se existe alguma diferença entre o valor da vida de um europeu ou de um africano, asiático, sul americano. Se existe alguma diferença entre o valor do trabalho de uns e outros consoante a sua origem. Enfim, precisamos de estar atentos a este corona vírus, mas o buraco é muito mais em baixo. Daremos assim continuidade a essa questão em outros textos.

" Quando sei que o meu país ( Noruega) está em vigésimo lugar na lista de exportadores de armamento.  (...) nos regemos por um código de conduta moral que diz que a Noruega não permitirá a venda de armas ou de munições para áreas onde existe uma guerra ou a sua ameaça, ou a países que existe uma guerra cívil. Palavras bonitas, mas de facto os nossos maiores clientes, Nato, Estados Unidos, Arábia Saudita, usam equipamento nosso em conflitos a que os nossos políticos dizem opor-se. A Noruega adotou voluntariamente o Código de Conduta da União Europeia sobre as exportações de armas, que exige que os direitos humanos sejam tidos em consideração ( ...) alguém não exigiu o suficiente, e alguém ganhou dinheiro".

" Foi ele que disse, por exemplo, que se não quiséssemos imigrantes, então teríamos que deixar de os fazer. " Se não os queremos, então não lhes vendamos armas, então não deixamos que crianças asiáticas nos cosam ( costurem) as roupas, que os seus polacos nos apanhem os morangos e nem que as mulheres tailadensas limpem a merda que fazemos."

" (...) não consigo de deixar de me perguntar do que nos serve sermos tão prósperos se o mundo à nossa volta está a ruir."


Isto também se adequa para quem vive em condomínios fechados do lado das favelas em qualquer parte do mundo. Ah! E não esquecer que mesmo de quarentena, as pessoas que não podem ir trabalhar deveriam receber na mesma, mesmo que sejam prestações de serviços.

Beijos e abraços e até ao próximo texto!!
A Piu
Campinas SP 15/03/2020




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