domingo, 22 de março de 2020

DE QUE FALAMOS QUANDO FALAMOS DE EMANCIPAÇÃO?

" Se queremos feminismos que defendem os corpos emancipados, mas esses feminismos não falam de territórios emancipados, então a luta do feminismo não se sustenta. Eu não posso ser feminista se falo da defesa do meu corpo, da sexualidade, mas não defendo a terra. O feminismo precisa de defender a terra. Afinal, onde vão viver os corpos emancipados?"
- Lorena Cabnal- em Mandala Lunar 2020
Por vivermos um momento ao nível mundial de recolhimento, onde o contato físico é restringindo por prevenção dum vírus que se alastra muito rapidamente - corona vírus para aqueles que um dia lerão este textos, quem sabe, passados muitos anos - este texto que agora compartilho, presenteio sem daí vir nenhuma fonte de rendimento, pelo menos até à data não tem acontecido. Quem sabe um dia entrarei no mercado das editoras e serei remunerada por este trabalho que é me informar, pensar, escrever e publicar. Sim, é um trabalho. Não precisamos de publicar, mas informarmos-nos por várias fontes, LER, pensar com o maior sentido crítico possível, REFLETIR, não reproduzir lugares comuns já é um grande avanço para tod@s nós. O mais difícil é mudar de hábitos. Hábitos de pensamento, de comportamento, de consumo, de como nos olhamos a nós e aos outros, de como tratamos o nosso planeta terra e se reverenciamos ou não a natureza. Isso é o mais difícil! Podemos entender uma série de coisas racionalmente, mas se não nos atingem no coração as nossas ações serão as mesmas, muitas vezes equivocadas. Acredito também que muitas das nossas ações, palavras, sentimentos e pensamentos equivocados não tenham uma intenção maligna, de má fé. Porém, se não prestarmos atenção facilmente podemos agir por má fé. Por medo, insegurança, falta de entendimento do desconhecido, do novo, do inusitado.
Ao ler a escritora negra brasileira Sueli Carneiro* ela chama a atenção para algo que talvez tod@s já saibamos, mas que nem sempre temos consciência. Por isso ela chama a atenção: a mulher negra, além de estar em desvantagem por questões de género, ela está em desvantagem em relação à mulher branca nas oportunidades no mercado de trabalho e sua remuneração justa. A mulher negra ao longo dos séculos de escravatura até hoje é vista como o fruto exótico cosmetível.
Talvez todas ainda sejamos vistas como cosmetiveis por muitos homens. Então fica o convite aos queridos homens de reprogramarem a mente e as ações. Porque muitas de nós gosta de ser cortejada, desejada, perceber que algo lhe é dedicado diretamente sem as indiretas que criam dúvida se é mesmo para ela ou para um séquito que coloca o galã num pedestal entre o inacessível e aquele que pega na primeira que cair. Ihihih Sei lá se é sempre assim. Espero que não. Enfim,gostamos disso tudo: do desejo, da sedução e por isso também é importante sermos escutadas e respeitadas.
O texto do Frei do Beto *, leva-me a confirmar que os nossos corpos ainda não estão emancipados, muito menos as nossas mentes a partir do momento que estamos subjugados às leis do mercado em que tudo vira produto descartável. Enquanto não nos desenvencilharmos da lógica da aparência, da satisfação imediata com base na vaidade e no ego de expor os nossos corpos duma forma... diria... vulgar, pois é isso que o mercado pede; não podemos nos desejar por inteiro, temos que ter muita atenção com quem partilhamos o nosso erotismo, seja por imagens, textos e afins, para que ao limite não sejamos perseguidas por alguém que tem a tara de procurar os nossos nudes para vazá-los. E como não encontra leva algum tempo a desistir. Como tal, existirem homens que não entram mais nesse jogo, mesmo que tenham sido educados a isso é um grande avanço. Ser feminista não é rechaçar os homens, no meu ponto de vista. Ser feminista é dar-nos a oportunidade de revermos-nos, seja em questão de género, de raça, de etnia, de recorte social. Ser feminista é dar uma chance a respeitar a mãe terra e agradecer por aqui estarmos sem sobressaltos apocalípticos.
Continuo a acreditar que todas e todos somos muito mais do que carne de açougue/ talho. Acredito que ao invés de nos exibirmos ou pedir para que os outros se exibam sem poesia e sim com a banalidade de imagens e posições passiveis de uma qualquer publicidade de cerveja nunca poderemos realmente nos emancipar. Porque a emancipação está no respeito pela nossa liberdade e d@s demais, boicotando assim a lógica de mercado. Quem quiser entender e se rever nesta quarentena que ainda não sabemos quanto tempo vai durar EU TEREI VERDADEIRAMENTE UM ENORME PRAZER DE OLHAR NOS OLHOS, ABRAÇAR, TOCAR. SENTIR O CHEIRO E NÃO TEMER AS GOTICULAS DE SALIVA.
UM GRANDE ABRAÇO APERTADO COM O CORAÇÃO TOCANDO NO OUTRO CORAÇÃO
A Piu
Campinas SP 22/03/2020
* Carneiro, Sueli " Escritos de uma vida" Belo Horizonte ( MG) Letramento : 2018.
* Não apenas escravos tiveram seus corpos sujeitados. Também mulheres. Faz menos de um século que elas iniciaram o processo de apropriação do próprio corpo. A dominação sofrida pelo corpo feminino era endógena e exógena. Endógena porque a mulher não tinha nenhum controle sobre o seu organismo, encarado como mera máquina reprodutiva e, com freqüência, demonizado. Exógena pelas tantas discriminações sofridas, da proibição de votar à castração do clitóris, da obrigação de encobrir o rosto em países muçulmanos à exibição pública de sua nudez como isca publicitária nos paises capitalistas de tradição cristã.
No momento em que o corpo humano alcançava sua emancipação, a indústria cultural introduziu a sujeição da mente. A multimídia é como um polvo cujos tentáculos nos prendem por todos os lados. Tente pensar diferente da monocultura que nos é imposta via programas de entretenimento! Se a sua filha de 20 anos disser que permanece virgem, isso soará como ridículo anacronismo; se aparecer no Big Brother transando via satélite para o onanismo visual de milhões de telespectadores, isso faz parte do show.



Sabrina Gevaerd

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