quarta-feira, 11 de março de 2020

45 ANOS DEPOIS DA INDEPENDÊNCIA - série 'Era mais foice'


Aquarela de Zélia Maria do Carmos Reis Ferreira
Talvez tenha desistido cedo de mais. Nem tentei assim tanto, não tinha planos de ficar muito tempo em terras lusas. Na minha cabeça ficaria só até Jonas Savimbi e José Eduardo dos Santos voltarem à mesa de negociações e se convencerem de que a paz era mais vantajosa para ambas as partes. Assim que as armas se calassem em Angola, não ficaria nem mais um minuto. A Europa não era para mim. Quem queria viver ali quando se tem país como Angola em paz? Nos primeiros anos, estas eram questões que me inquietavam. Não podia acreditar como nós, africanos, preferimos desperdiçar os nossos melhores anos na Europa, a construir os seus prédios, a limpar-lhes as casas, a fritar-lhes os hambúrgueres. Não seria melhor levar essa força bruta para um lugar que, mesmo que não fosse o nosso, o que nos viu nascer, fosse habitado, pertencesse, a uma maioria de negros como nós: negros. Dos cinquenta e quatro países africanos, pensava, haverá certamente um que nos sirva de abrigo enquanto MPLA e a Unita não se entendem. Um que não viva a constante ameaça de uma guerra cívil, um, por mais pequeno que fosse, que estivesse grato por nos receber e nos desse a oportunidade de contribuirmos para a sua economia. Qualquer um, menos os da Europa. Estes eram os pensamentos que me ocupavam a mente naqueles longos dois primeiros anos em Portugal. Criei uma aversão tão grande ao país que nem desfiz a mala com que desembarquei.
Ali estava eu, sentindo-me refugiado, exilado, emigrado...
Tudo palavras das quais desconhecia o significado, até Savimbi se ter convencido de que houve fraude nas eleições de 1992 e a minha mãe, que viu Angola independente, e que conhecia melhor do que eu o coração dos senhores da guerra, temendo pela minha vida, me enviou para Lisboa na primeira oportunidade que teve. Não a censuro, ela é mãe, no seu lugar é provável que todas as mães angolanas fizessem o mesmo. Não consigo imaginar como devia ser agonizante para uma mãe, no contexto de então, ver o filho homem crescer com a certeza de que um dia teria que ir para a guerra, sem saber se dá lá iria voltar. "
Epalanga, Kalaf " Também os brancos sabem dançar, romance musical", Todavia SP: 2017.
Quarenta e cinco anos de Independência não é nada diante de mais de cinco séculos de colonialismo e de imperialismo que após a independência de Portugal vieram as duas potências mundiais da famosa guerra fria. O MPLA pela URSS e a Unita pelos EUA. Na realidade Angola ainda não é independente. Existem muitos interesses mundiais para que não seja.
Kalaf, um exemplo de alguém que não deseja ardentemente estar na Europa, principalmente em Portugal que ainda não se reconciliou com o seu passado histórico nem mais recente nem mais ancestral. Veja-se a omissão se não total, quase total da passagem dos mouros por esse território, pois estes ainda são um perigo eminente aos olhos dos bons cristãos. Porque os outros sim, além de machistas são fundamentalistas. O Vaticano no meio disso tudo é o quê?
Quanto aos angolanos em especifico, como poderíamos falar dos moçambicanos, guineenses, cabo verdianos, são tomenses, além de Portugal ser racista e não se poupa em dar aquele ar de mau perdedor negligente: " Ah quiseram independência!?Ganharam a guerra? Agora andam à batatada porque não sabem se governar!" Cinismo? Ingenuidade ignorante cínica? Uma guerra que dura 12 anos, já no final do século XX, na terra dos outros depois de tanta exploração, escravatura acham que as grandes potências não se iriam meter para dar um chega para lá num imperialismo provinciano, caduco, beato? Não existem bons imperialismos, pois como o próprio conceito indica para imperar é necessário aniquilar. Mas Portugal não é nada de nada diante da Europa, da ex URSS e dos EUA. 'Tadinho de Portugal já se poderia curar duma vez duma megalomania fantasiosa, irrealista, provinciana.
Por vezes fico na dúvida o que muitos brasileiros conhecem da sua História, da História de Portugal e das suas relações com os países africanos até à atualidade. Por vezes parece que não sabem muito. Pois se soubesse não vinha encher o peito com o dedinho apontado falando que Portugal não tem favela e que o Brasil tem por causa de Portugal. Até onde sei, as favelas surgem no século XX, principalmente com a chegada do Getúlio Vargas e a higienização dos centros urbanos. E o que a esquerda brasileira esclarecida faz diante desse flagelo que é a existência de extensões enormes de favela sem condições básica de salubridade por todo o país? Paga a quem vive na favela e trabalha para eles? Quais as suas motivações quando vai para Portugal? Eu já escutei esta de algumas pessoas: " Vou aproveitar de tudo o que Portugal pode dar gratuitamente pois já que roubaram tanto! " NOSSA! VIXE MÁRIA QUE VIBE! QUE ENERGIA! Os motivos que me fazem estar no Brasil são outros. Vou chamar de pré colombianos. Motivos pré colombianos duma mulher de origem também celta. Gosto e intuo que corresponde à verdade da minha motivação. Mas essa fica para outro texto.
Motivos pré colombianos duma mulher de origem também celta..... Gostei dessa!
An Arca
Campinas SP 11/03/2020

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