Venho dum país onde há sol. E onde há chuva.
Onde se comem laranjas, amêndoas, cerejas. Rega-se a comida com azeite e
salpica-se com alhos e ervas aromáticas. Venho dum país que ainda não deixou de
ser rural e tem um monte de areal para caminhar e sonhar, olhando para o mar.
Venho dum país onde o litoral nem sempre cheira a peixe e quando o comemos não
é assim tão barato.
Venho dum país onde o sol reflecte sobre a
água do mar e do rio e dá aquela luz especial, que dificilmente se encontra no
resto da Europa. Venho dum país que mesmo estando na Europa sempre se
considerou fora dela. Venho dum país onde a auto estima é baixa, onde a
megalomania caminha junto com a mesquinhez. Venho dum país onde existem e
existiram poetas e artistas que sentem o mesmo, do Gil Vicente, pasando pelo
Eça, pelo Almada Negreiros, pelo Saramago, pela Paula Rego só enunciando nomes
sonantes. Portugal é pequenininho, enclausurado numa Península. De costas
viradas para si mesmo, achando que já foi dono de meio mundo. Vangloriando-se
duma História de usurpações, genocídios, explorações. Mas sempre com a
cantilena:”Demos novos mundos ao mundo!”. Ao mundo? Qual o mundo? O mundo de
quem? Para quem? Em função do quê?
Venho dum país que sonha que um dia o Dom
Sebastião surgirá do meio do nevoeiro para nos vir salvar. Ressuscitado das
terras do infiel, virá Dom Sebastião para resolver as nossas maleitas.
Venho dum país que tem sido secularmente fiel
a uma instituição religiosa que aproveitando-se da espiritualidade, crença e já
agora ignorância, tem cometido crimes horríveis mas sempre em nome de Deus que
está lá em cima para ver quem peca e quem peca. Não há lugar para não pecar.
Venho dum país onde a culpa, o sentimento de culpa estrangula as pessoas. Onde
ser feliz, ou pelo menos desejar ser feliz, é pecado. O que é que os outros vão
pensar? Parece mal!...
Venho dum país que o queixume, o apontar o
dedo ao outro, o desvalorizar é uma constante. Resquícios duma Inquisição?
Resquícios dum isolamento geográfico secular? Resquícios duma ditadura de 48
anos?
Venho dum país onde aconteceu uma revolução
dos cravos, que ao que parece não foi violenta. Porém, a descolonização foi.
Descolonização feita às três pancadas. Ou melhor, à portuguesa como os próprios
designam. Venho dum país que há pessoas têm pudor de se afirmar racistas e/ou
xenófobas, mas os seus comportamentos revelam-se.
Venho dum país cuja a geração dos meus pais
afirma ter feito a revolução e que lutaram por este e aquele direito. Porém
esses mesmo que apregoam isso são tiranos à sua maneira ou à maneira do
antigamente. Será que não nascer, nem crescer em liberdade causa danos
geracionais profundos? Venho dum país onde o medo, a delação, a conivência, a
bajulação são motes. Bajulação a revolucionários cheira a paradoxo… Venho dum
pais que ainda não sabe viver com a democracia, onde a infantilização uns dos
outros é uma constante. Venho dum país que é a lei do menor esforço, apesar de
haverem pessoas empreendedoras. Dum país onde facilmente se adopta o discurso
em que os outros são burros, não sabem nada. Um discurso de desvalorização do
próximo. Mas ironicamente se todos os que têm esse discurso se juntassem
realmente…
Venho dum país onde existe tanta gente com
valor. TANTA! Mas que não se valoriza realmente. Porque será? Por ter medo de ser
feliz? Por ter medo de se envolver?
Venho dum país que mudou tanto nos últimos 40
anos, mas ainda há tanto para mudar. Mudar o nosso modo de nos expressarmos,
deixando a agressividade e a desconfiança desnecessária de lado. Mudar o nosso
modo de escutar. Escutar realmente o que o outro tem para dizer. Desejar o
sucesso em vez de alimentar invejas. Venho dum país onde ser o único, o
primeiro, o pioneiro, o maior, o melhor serve de medalhão. Um medalhão de casca
de cebola.
Venho dum país onde as pessoas querem,
desejam, anseiam mudança mas ainda estão muitas presas aos seus velhos hábitos.
Hábitos da inércia, da desconfiança no próximo, do comodismo e de uma maneira
ou outra do novo riquismo. Venho dum país onde as pessoas queixam-se tanto por
tudo e por nada, que quando chego a um outro lugar do mundo onde as pessoas
passam dificuldades reais e miseráveis!... Onde o sorriso surge ora aqui ora
ali, a capacidade de partilha e levar a vida para a frente é o motor… Sinto
vergonha de tanto queixume que se pratica no meu país.
- E achs que nos outros paíse é diferente?
- Nalgumas coisas sim, noutras não. Posso
falar com mais profundidade do meu porque é o que conheço melhor. Mas sei que
não existem paraísos, mas lugares mais respiráveis que outros.
- Gostavas de lá voltar?
-(……………….) Não sei. Talvez. (……..)
Sinceramente não sei. Gostava de ir para sentir alento de quem lá vive. Um
alento que vem de dentro. Um alento conquistado pela implicação de cada um. Uma
implicação que afugente a perguiça, o comodismo, o medo de se comprometer, de
se envolver, entregar. Isso, eu gostava. A última vez que lá fui, há pouco
tempo, não senti isso. (......) Mas mesmo não esquecendo as minhas raízes, não
é lá que eu me sinto “em casa”.
-Curioso.
- Sim, curioso.
A piU
Br, 13 de Setembro 2012
(imagem: SOMBRAS; foto tirada em Berlim no
atelier do Jorge e do Sérgio. Setembro de 2011)