É com muito orgulho que partilho este vídeo onde aparece o querido antropólogo Miguel Vale de Almeida, que tive o prazer de ser aluna na graduação em Antropologia Social no ISCTE - universidade de Lisboa. Porquê? Porque é um português, branco, académico que coloca os pontos no is, afirmando que a sociedade portuguesa é esquizofrénica, colocando o racismo e a violência debaixo da cama. Adoro a expressão 'debaixo da cama"! Diferentemente de " debaixo do tapete" a pessoa quando se deita normalmente é na cama, salvo raras excepções em cima do tapete. Ao se deitar a pessoa aconchega a sua cabecinha, estica ou aninha o seu corpinho e faz óó. Vai daí que a pessoa traz dentro de si uma tal de uma consciência, que pode ou não estar aflorada. Ao fazer óó a pessoa acessa ao inconsciente e ao subconsciente. Tá. Daí aquilo que ela em coletivo e no individual colocou debaixo da cama emerge como um fantasma da ópera, uma realidade que foi e é um pesadelo enquanto não sair debaixo da cama por omissão e negligência. Vergonha? Não sei. Penso que uma grande parte da população portuguesa nunca se questionou sobre essa vergonha, pois se assim fosse não permitiria esse enaltecimento dos monumentos e dessa narrativa de " dar novos mundos ao mundo". Sim, sem dúvida a tecnologia avançou e muitos encontros auspiciosos aconteceram, ou começam a acontecer quando vamos ao encontro do outro não para subjugá-lo, explorá-lo, desrepeita-lo e até aniquilá-lo e sim para conhecê-lo, abraçá-lo, criar boas relações.
Logo de seguida temos a artista Grada Kilomba, afro descendente, que nasceu e viveu em Lisboa, que fala da resistência que o povo português tem em chegar ao presente e lidar com o presente, resistindo a incluir os afrodescendentes na sociedade portuguesa na sua totalidade. O mais chocante, e quem viveu em Portugal como eu por ser de lá, é lembrar aquela frase: " Oh preto! Volta para a tua terra!" Ou aquelas pixações: PRETOS FORA! Degradante num país como Portugal que só deixou de bater no peito faxixi " Angola é nossa!" e abriu mão de Angola, Moçambique, Guiné, Cabo Verde, São Tomé quando ao fim de 12 anos percebeu que a guerra estava perdida e que muitos morreram e outros ficaram feridos e traumatizados de guerra. Isto na geração do meu pai, dos meus tios, dos pais dos meu amigos. E essas memórias de guerra ainda são muito doloridas para muita gente relembra-las. Normal. Compreensível. O que não é compreensível é Portugal ter-se tornado num país que quase só vive do turismo, em que um dos produtos vendáveis é essa narrativa caduca e nefasta. Por outro lado, é minha intenção mostrar não só aos angolanos, cabo verdianos, guineenses, moçambicanos, são tomesenses (? existe essa denominação?) mas como aos brasileiros que existem portugueses, brancos, estudiosos que não compactuam com essa narrativa, esse discurso que deveria ser convertido em pedido de desculpas e procura duma reconciliação daqui para a frente, acolhendo de facto as pessoas, valorizando-as, criando perspectivas destas progredirem. Sinceramente, Portugal até à data também não me oferece essa perspectivava de progressão seja pessoal, espiritual como profissional. Como a mim outras pessoas sentirão o mesmo. Por isso não voltam. Santos da casa não fazem milagres! :D
Porém, desejo do fundo do coração, muito sinceramente, que outras mentalidades se firmem num estar na vida de outra forma, sem ser fechado sobre o seu próprio umbigo, numa auto negação com os olhos estrábicos virados para o passado. Eu sei que tem muita gente em Portugal a pensar diferente e a olhar para os africanos, para os afro descentes e para os indígenas brasileiros com muito respeito e admiração. Mas ainda não é suficiente. Façamos de facto a diferença no nosso dia a dia uns com os outros. Valorizando-nos de facto, independentemente da cor e da origem. Prática que nem sempre acontece. Só às vezes, vá.
Abraço luso tropical desde o Brasil
A Piu
Campinas SP 24/01/2020
“Portugal meteu a escravatura, o colonialismo e o racismo debaixo da cama”
Reika Jamece - pintora angolana " Renascer ' |
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