quarta-feira, 15 de janeiro de 2020

O DIREITO DE MIGRAR

Desde os tempos mais que mais remotos que somos seres nómadas por motivos vários. A sedentarização é algo na História da Humanidade bastante recente o que criou e cria uma série de questão que nem sempre favorecem a mesma como um todo: territorialismo, disputa muitas vezes se não sempre nefastas pela posse de terras e seus recursos, incompreensão de quem é ou possa ser o "outro" que no final das contas somos "nós" mas com formas de olhar e agir no mundo com algumas diferenças, umas vezes maiores e outras nem tanto.

Quando " brinco", "tiro sarro" - como se diz no Brasil, dessa leva que de brasileiros que está a ir agora para Portugal na realidade eu não tenho nada contra!!!! Quem sou eu para julgar as escolhas das pessoas? Quem somos nós? De facto, no meu ponto de vista, o mundo não deveria ter todas essas fronteiras burocráticas que muitas vezes separam famílias, distanciam laços afetivos criados ou por criar, e podem ser coniventes na perpetuação de violências e de vetação de sonhos e realizações que cada ser humano tem o direito de ter e querer atingir. Quanto aos brasileiros e portugueses nesse trânsito atlântico sempre existiu de há 500 anos para cá!!! Sabendo minimamente de História teremos de assumir que nem sempre auspiciosos esses encontros, porque muitas vezes foi numa batida de querer levar vantagem sobre algo ou alguém. Concordamos, não?

Da minha parte, desde criança que tenho uma imensa admiração por artistas brasileiros ( Gilberto Gil, Elis, Milton, Caetano, Bethãnia etc etc etc), assim como tive colequinhas de escolas com essa nacionalidade e era com eles que eu tinha mais cumplicidade. Mais tarde comecei também a admirar alguns pensadores brasileiros: Djamila Ribeiro, Maria Homem, Vivian Mosé, Leandro Karnal - esse pop star em voga ihihih- , Marcia Tiburi etc etc

Porém, como tudo na vida, temos as nossas decepções quando chegamos nas chegadas de malas nas mãos e duas filhas. Esse ponto é muito importante. Quando chegamos não sozinhas, mas mães solteiras sem aquela visão que no meu ponto de vista é conservadora que é querer casar ou ter alguém a qualquer custo para aquecer os pés e evitarmos de olhar para dentro para assim entendermos quais são as companhias às quais fazemos e nos fazem bem. Decepções essas que tem a ver com uma mentalidade individualista própria do sistema neo liberal em que vivemos. Aqui como em qualquer lugar. Vamos, talvez, encontrar mais solidariedade entre as camadas sociais mais carentes ou por quem já passou pela experiência de recomeçar do quase zero. E recomeçar do quase zero não significa não termos uma trajetória. Pelo contrário! Mas isso nem sempre é compreendido, porque para todos os efeitos não somos conhecidos logo reconhecidos imediatamente. Mas o imediatismo também algo superficial, mas poder-se-iam queimar etapas. Não?

Sempre quis morar no Brasil. Por isso aqui estou há oito anos, mesmo encarando uma sociedade que é impossível de descrever em poucas linhas, e eu ainda acredito que " os meus iguais" existem, como diz o inspirador Pepe Mujica, para caminharmos juntos nos nossos propósitos duma sociedade mais justa com base no afeto.  Até hoje eu tento entender certos e determinados códigos de conduta no Brasil, desde a abismal desigualdade social, como a méritocracia, o jeitinho brasileiro e a cultura da gostozice que normalmente é para servir mais os interesses e egos dos homens. Uma coisa desleal , diria. Porque ao mesmo tempo que desejam uma mulher fogosa querem-na submissa. E quando não entendem que muitas mulheres estão no caminho da autonomia, seja financeira seja de libido em que a relação de igual para igual é fundamental, e querem ser amadas e respeitadas por aquilo que elas são e não por uma fantasia onde a tal da " putaria" é um equivoco de emancipação, mas que a media também vende para o mundo inteiro. A brasileira gostosa, mamuda e bundona. Por isso chegam os outros e querem--nos belas, recatadas e do lar. Porém, acredito que muitos homens queiram  reprogramar essa mentalidade que está tão embutida em todos nós, quer queiramos ou não.

A mim, o que me entristece um pouco, é a solidariedade andar tão manca tanta e muitas vezes e assim reproduzirmos clichês de coisas que escutamos e  que acabamos por não aprofundar acerca de. Por exemplo, quando alguém vem falar porque eu não volto para a Europa ou que Portugal é bom demais, bate aquela coisa no peito. Primeiro essa visão eurocêntrica que só é bom na Europa ou lá na América de cima, segundo demonstra o desconhecimento de todas as questões atuais que se vivem na Europa, já nem falo do estates por nunca lá ter estado nem é algo que seja a minha prioridade, terceiro essa fala demonstra que ao invés da pessoa dizer: " Como podemos criar vínculos solidários entre nós?" a mesma continua na frequência vibratória: " Cada um por si! corre atrás e se vira que é assim que as coisas funcionam!"

Quanto aos brasileiros e brasileiras que estão fora do Brasil eu desejo sinceramente que levem o seu alto astral, quem o tiver, que mesmo com toda a loucura que muitas vezes se vive no Brasil aqui existe esse astral. Principalmente para Portugal, que tantas e muitas vezes é tão pesado. Para mim, claro! E isto não significa que eu não goste de Portugal, mas prefiro milhares e milhões de vezes o Brasil com os mesmos desafios que é viver da arte seja aqui ou em qualquer lugar. O maior desafio é estarmos de bem com a vida e aqui eu tenho aprendido a respirar e a jogar para a terra e para o universo o que me carrega para assim se transmutar em energia vital. Não foi à toa que Marina Begovic fez uma viagem espiritual pelo Brasil.

Ontem assisti na netflix a este filme e queria ter começado por ele, para todos os efeitos foi nele que me inspirei também. Aconselho a quem puder assistir.


" Uma mãe solteira e pobre islandesa. Uma emigrante fugindo da violência ( feminicido na Guiné Bissau). Na Islândia, elas criam laços que transcendem fronteiras. "


" Inspire,expire" argumento e realização de Ísold Uggadottir com  Babedita Sadjo ( emigrante da Guiné Bissau em trânsito para o Canadá e detida na Islândia com risco de deportação para a Guiné, tendo a filha e a irmã seguido viagem para o Canadá), Kristin Thora Harldsdóttir ( agente da policia de fronteiras e mãe) , Patrick Nokkvi Pétursson ( criança, filho da agente)


A Piu
Campinas SP 15/01/2019


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