sábado, 11 de janeiro de 2020

AMAR O HUMOR PELAS PORTAS DA FRENTE

Naquele dia que cheguei ao Lar de Idosos, que hoje se designa por Instituição de Longa Permanência, uma senhora idosa afro descendente ( este detalhe define no Brasil um recorte social e também cultural complexo) diz-me assim: " Você viu o que estão fazendo com Jesus? Se eu pudesse queimava todas as salas de cinema!". Ora, tendo eu um projeto de ciclo de cinema sobre identidade brasileira nesse mesmo lar, fiquei dupla ou triplamente espantada. Primeiro não sabia de que filme se tratava. Achei que fosse aquele filme que foi censurado pela Ancine " A vida Invisível" do diretor Karim Ainouz com a Montenegro indicado aos Oscares. A senhora estava bem informada. Eu desconhecia o conteúdo do filme. Segundo: fiquei surpreendida com o seu instinto incendiário. Terceiro: fiquei sem capacidade de lhe responder que não tem problema nenhum ser gay e se Jesus é Amor ele pode e deve amar como bem entender e nós o devemos Amar como ele é. Preferi escutar e reflectir.

Eu levo muitos filmes, alguns da Ancine, para pessoas que nunca foram ao cinema. Levo muita coisa de cinema brasileiro desde documentários sobre músicos, poetas, artistas, diásporas que vieram para o Brasil, negritude, indigenismo, cinema cômico, filmes baseados em romances de Jorge Amado ( um clássico, não? ). Ma há  um cuidado que eu tento sempre ter: tentar abrir os horizontes das pessoas sem as ofender nas suas crenças profundas.

Na minha visão de mundo e experiência pelo mesmo, o que está a acontecer com a situação do pessoal das Portas dos Fundos e as opiniões públicas nacionais e internacionais dá que pensar. Vou direta ao assunto: esse pessoal que agora está em pé de guerra com os ivan bélicos não passam duns meninos mimados armados em irreverentes que se a coisa aquecer pegam num avião e se exilam na Europa, porque para todos os efeitos nas notas de dollar vem : "God save you" e ainda viram, ou até já viraram, uns heróis da esquerda gourmet que fica no seu sofá a fazer a revolução atrás duma tela de computador ou de celular. Porque se fossem para a quebrada, para a perifa, trabalhar com pessoas cujas oportunidades de acesso à informação e de sair duma condição precária são escassas num país de nítida herança oligarca nova rica que quer manter a sua criadagem, mesmo a tal da elite intelectual e artistica, que acha normal ter uma diarista por tuta e meia e acha inevitável nem toda a gente ter saneamento básico e que para fazer a revolução é preciso ter algumas baixas. Isto é, alguém ser agredido e até morto pelo discurso de ódio que este filme de humor duvidoso ( eu até achei graça a algumas coisas, mas não era para estar na netflix e sim num circuito underground para quem não se vai ofender tampouco virar leão rosnento, porém adormeci a meio... coisa dos cosmos!.... :P O universo falando ihihih) pode proporcionar quando mostrado às massas.

Malta, pessoal, galerada a revolução não é de massas!!! A revolução primeiro que tudo começa dentro de nós em sermos gentis com honestidade, não aquela gentileza forçada enjoativa. A revolução, vou chamar mudança de paradigma, transformação, está em conhecermos o nosso povo, as camadas que nem acesso à netflix têm. Essas camadas que moram nas imensas extensões de favela e que são alvejadas diariamente pelas forças policiais muitas votaram no Coiso, muitas são homofóbicas, muitas mas muitas mesmo acreditam em Jesus como os ivan bélicos passaram os " seus ensinamentos". Porque a esquerda tão progressista e revolucionária não fez o trabalho nas favelas que os ivan bélicos fizeram? Talvez precisem de estudar um pouqinho mais de Paulo Freire e subir à quebrada e descer do seu AP e abrir a porta sozinhos do seu condomínio sem precisarem de porteiro nem motorista, tampouco manobrista.

Para mim este filme, principalmente em época de Natal, foi uma provocação barata e um oportunismo para ganharem mais visibilidade. E lucro, claro! Quem sai realmente prejudicado desta badernice toda? Trans, gays, praticantes de religiões de matriz africana, entre outros cuja voz não é escutada. Sempre os mesmos. Se são tão revolucionários dividam o lucro do seu humor com os artistas espalhados por esse imenso Brasil.

Ah! Ainda tem outra, os meus conterrâneos portugueses estão indignados com a virada do Brasil à extrema direita. Aguardemos então que os mesmos comemorem este ano os 45 anos de Independência de Angola, Moçambique, Guiné Bissau e Timor Leste do jugo do imperialismo português que cai na mesma época da queda do fascismo. Aguardemos, então, já que estão tão preocupados com o rumo do Brasil e que aqui entre nós, para vós outros é sempre um rejubilo provar que afinal de contas o Brasil continua a ser um país de terceiro mundo. Fala sério oh portuga de esquerda!

An Arca PiOm
Kampaines Braiziu 11/01/20

E como hoje faz quatro anos que o querido David Bowie partiu deixo aqui uma imagem dele como Cleopatra, essa maluca despota, sensual, carismática que enfrentou o patriarcado reproduzindo-o.

David Bowie, nome artístico de David Robert Jones, (Brixton, Londres, 8 de janeiro de 1947 — Manhattan, Nova Iorque, 10 de janeiro de 2016




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