sexta-feira, 7 de março de 2014

DIÁRIO DE BORDO DUMA GRINGA E OUTRAS MEMÓRIAS


Hoje acordei com uma imagem na cabeça. Uma foto a preto e branco no mato de Cabinda, Angola. A foto é de 1972. É uma foto com crianças de uma escola. Meia dúzia delas branquelas e as restantes,... que são muitas, negritas. No meio dessa criançada está a minha tia. É a professora primária de 20 e pouquinhos anos. Está-se em plena guerra colonial. Ela foi, de Portugal, para acompanhar o marido que foi recrutado para tal façanha. Corajosa tia. Ela e o filho de 2 anos.

Lembro-me, anos mais tarde, da minha tia falar que o que não estava de acordo não poder falar. E o que não estava de acordo tinha que ver com o tratamento que o colono dava aos nativos. Pudera! Além de se viver ainda no colonialismo, vivia-se no fascismo... Toda e qualquer opinião e posicionamento era subversivo e sofria-se retaliações nefastas.

Hoje esfolheio um livro cheio de fotos e textos. "Memória do SPI, textos, imagens e documentos sobre o serviço de proteção aos Índios (1910-1967)". Tem fotos de evangelização, de "pacificação dos indios", e de continências várias.
Confirma-se que o projeto colonial continua em curso.

A primeira vez que conheci pessoalmente um índio e um antropólogo foi em 1999 durante uma turnê/digressão de teatro pelo Matogrosso. Lá em Cuiabá conheci o Vitor da aldeia Bacairi. As suas palavras marcaram-me definitivamente:" Estudo antropologia, sou antropólogo porque quero que o meu povo tenha voz. Preciso de conhecer as armas do branco, neste caso as intelectuais, as argumentativas."

Uns dias mais tarde viajamos para a aldeia Bacairi para apresentar o espetáculo. Sinto que a nossa visita foi fugaz, distante. Talvez os índios daquela aldeia estejam cansados de serem visitados pelos brancos. "Toleram-nos", mas os dois dias da nossa estadia não são suficientes para um contacto mais aprofundado. Claro!
Dormimos numa escola jesuita abandonada.

Os índios estão abandonados?
Olho as fotos do livro mais as suas legendas e penso: "Deixem esse pessoal em paz! Qual proteção, qual quê? Deixem-nos em paz! O Brasil é grande, há lugar para todos!" Pensamentos ingénuos os meus. Há muitos interesses nos recursos naturais e para muitos índio não tem alma... É ocioso... Quanto a esse tema do ócio fica para outro texto.

Ontem, alguém me pergunta se se fala português em Portugal. Já não é primeira vez que me perguntam isto.
As perguntas que me faço é:"Quem somos se desconhecemos a nossa História? Quem somos se não nos responsabilizamos Históricamente para pensar e agir no presente?"

a A na Piu
brasil, 7.3.2014

foto retirada em http://uipi.com.br/noticias/politica/2013/11/26/governo-anuncia-construcao-de-120-escolas-indigenas/

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