quarta-feira, 3 de fevereiro de 2021

SENHORES, SOU MULHER DE TRABALHO

Em 1976 os cineastas norte americanos Philip Spinelli e Robert Kramer testemunhavam os anos quentes da revolução dos cravos, luta trabalhista, anti fascista e anti imperialista portuguesa. O filme tem o nome de ' Cenas da Luta de Classes em Portugal' - Scenes from the Class Struggle in Portugal. Dá para ver que ambos estão do lado dessa luta que foi sendo refreada com o 25 de Novembro de 1975 - ano em que os países africanos, ex colónias portuguesas tornam-se independentes desse jugo. Alguns desses países viveriam mais umas mãos cheias de anos de guerra civil. Angola, por exemplo.

Em 1976, no Brasil vivia-se o auge da ditadura militar. Três anos já volvidos no Chile com uma ditadura igualmente tenebrosa, depois dum golpe duma democracia que prometia mais justiça e igualdade para os camponeses, operários e trabalhadores no geral. 

Do Brasil chegava a Portugal a MPB sem censura. O que até 1974 era passado muitas vezes clandestinamente. Quem era e é anti fascista admirava e admira todo esse movimento artístico e cultural produzido no Brasil. Porém, até hoje o que é contado no Brasil oficialmente na escola e outros espaços de suposta troca de conhecimento acerca 'dos portugueses' é redutor, creio que por conveniências várias. Primeiramente, os portugueses colonos fazem parte duma oligarquia, e todos os benefícios tirados desse saque nunca foi para melhorar a vida do povo português que viveu na pobreza e miséria num país oprimido pela monarquia e depois pelo fascismo e posteriormente pequeno aburguesou-se com a chegada do neo colonialismo, promovido pelas multinacionais europeias ocidentais e norte americanas e mais tarde pelo neo liberalismo protagonizado pela China.

Creio que existem inúmeras razões para se contarem histórias reduzidas e redutoras no Brasil e até se omitirem histórias várias. As histórias várias que se omitem redondamente são as dos povos originários deste território ameríndio. E muitas vezes quando é contada é pela voz do branco, mesmo que haja um paternalismo e assistencialismo. Outras vezes, é a apropriação pela apropriação. A pessoa de pigmentação clara estuda, segue a sua carreira duma forma promissora mas não se envolve com o povo e  tampouco o beneficia. As histórias de identidade cultural dos afro descentes também vão pelo cano. Quem aprende na escola as diferentes culturas africanas e ameríndias com profundidade dando dignidade aos seus descendentes Falar dos 'portugueses' como invasores, exploradores e saqueadores é  uma verdade, mas é uma parte da História de uma dada época, mas que até se pode perpetuar no tempo. Quem sabe que durante a ditadura militar houve uma revolução em Portugal com todos os contornos acima enunciados  Talvez não convenha saber que a maioria dos portugueses são trabalhadores, muitos deles explorados. Talvez não convenha lembrar que se mataram mais indígenas e população da periferia que nos restantes 500 anos. Sem, obviamente, tirar a responsabilidade dos portugueses e espanhóis num dos maiores genocídios da Humanidade cometido neste continente.

Esta é uma foto minha, com o meu mano Pedro lá atrás - nos idos anos 70 qualquer menina tinha um irmão Pedro, como a Heidi ihihih. Estamos perto do Datsun vermelho vinho do meu tio. É 1976 ou 77 e estamos na rua só de passeio. Talvez quando voltarmos para casa eu vou pedir para ouvir o Fungagá da Bicharada ou o cão Dom Pantaleão do José Barata Moura. Esse ícone da criançada filha da democracia.

Disse que falaria sobre feminismo vegano neste texto. Fica para o próximo, mas adianto já que a quebra de paradigmas é necessária para expandir a consciência. E isso faz-se gradualmente. Uma feminista não é necessariamente vegana. Mas um vegano ser machista acentuado ou ter atitudes misóginas precisa de se rever com mais urgência que uma feminista não vegana ou com o seu veganismo em curso. É a diferença de um ismo que oprime e o ismo que almeja libertação. Um homem que se disponha a escutar e a se desconstruir de facto é uma pérola no oceano.

Nos anos 60 e 70 já estavam em curso inúmeras práticas pacifistas para cuidarmos de nós, dos outros e do planeta. Pessoalmente não acredito na luta armada e  sou fã do Pepe Mujica por ele ter entendido isso sem nunca perder os seus princípios e ideais. Grande Mujica. Homem inspirador. Eu consider-o vitorioso, pois resistiu a 12 anos de prisão e isolamento sem perder o humor e a doçura, mesmo tendo ido ao fundo do fundo do poço. Admirável. Apesar de tudo ele começou por ser floricultor. Diz muito de si mesmo.

' Senhores, sou uma mulher de trabalho' é uma cantoria no final do filme.

A Piu

Campinas SP 03.02.2021






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