quinta-feira, 4 de fevereiro de 2021

O AMOR CURA

" Portuguesa... Colonialista... Imperialista.... Agora venho aqui no teu país para fazer o mesmo que vocês fizeram no meu! (...) E agora o que você está fazendo no meu país? Volta para o teu país! Ai se eu te pego!"

Pois, pois pois pois pois... Esta é uma fala que eu escutei algumas vezes ao longo de anos, vindo dum ex companheiro, pai da nossa filha... Um cidadão brasileiro que reproduzia uma narrativa oficial que só mais tarde, agora há coisa de poucos anos, vá digamos assim a modos que " vivendo e aprendendo a jogar, nem sempre perdendo nem sempre ganhando, mas aprendendo a jogar".

A primeira vez que escutei fiquei lívida, todo o bronzeado das partes expostas ao sol derreteram como um toco duma vela. Já as partes que normalmente estão cobertas também ficaram dum transparente opaco sem descrição. Pensei: " Como alguém que eu amei tanto ao ponto de ter uma cria e que eu achei que me amava pelos mesmos motivos e que viu qual o meu oficio, o que eu pensava, escutava de música, lia e conheceu a minha família poderia trazer aquilo no coração em relação a mim, a nós? Há aqui qualquer coisa que não bate certo? Como alguém pode se envolver com outra pessoa se traz isso dentro do coração? Estive com alguém que nunca me enxergou, nunca me sentiu... Eu entendo que por ser indígena a sua dor seja profunda, serei incondicionalmente solidária com isso mas não posso permitir que nos trate mal ainda por cima com base em equívocos. "

Depois entendi que é uma narrativa oficial... Por isso pergunto-me como os brasileiros que  decidem morar em Portugal conhecem e sentem em relação a esse território e suas gentes. Principalmente agora que virou um parque temático, uma imitação de si mesmo com a temática saudosista dos navegadores "que deram novos mundos ao mundo" para vender pasteis de nata, vinhos, rotas turísticas e tudo o que é lucrável para um país que se vendeu ao turismo neo liberal. 

Obviamente existem outros Portugais e portugueses dentro desse panorama, assim como brasileiros e brasileiras. Mas fica a cutucação para sairmos do engodo dos equívocos e das violências várias e suas boçalidades como não enxergar uma mulher portuguesa, mãe sola, artista, pensadora como uma trabalhadora em terras brasileiras.

Se o silêncio não nos protege, como diz Audri Lorde, o dessilenciamento é vertiginoso. Relembra-nos algo que queremos esquecer, mas se não for olhado e compartilhado será sempre um varrer para debaixo do tapete. Há quem sinta aquela coceirinha das mulheres que escrevem e se expressam através de diferentes manifestações artísticas, intelectuais e outras áreas que para elas fazem sentido. Daí escarnecem, diminuem, relevam. Mas se formos olhar de longe e de perto quem o faz pauta-se pela lógica da mediocridade quer ganhe ou não benefícios com isso. 


Um grande agradecimento cheio de axé e haux haux a todes os seres que me tenho cruzado e criado vínculos aqui e além mar. Um agradecimento muito especial à querida Geni Viegas ( uma das pioneiras da palhaçaria feminina no Brasil que propôs fazer um espetáculo sobre relaçães abusivas) , ao Leo Tonon que topou nos dirigir a convite da mesma, à Adelvane Neia ( outra pioneira na palhaçaria feminina que me deu a oportunidade de entrar em sala de trabalho e subir a palcos em momentos de resiliência para me lembrar que posso estudar antropologia, arterapia e tudo mais mas primeiramente sou atriz palhaça). Quanto ao pai da minha filha, agradeço o aprendizado e segue o teu caminho em paz desejando que re encontres as tuas raízes ancestrais com as medicinas espirituais. O AMOR CURA!


A Piu

Campinas SP 04/02/2021

Curta a página " AR DULCE AR" e se puder, quiser, se se tocar apoie este projeto de palhaçaria feminina sobre relações abusivas. https://www.facebook.com/AR-DULCE-AR-162965127817209/



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