sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

COM UMA MÃO À FRENTE OUTRA ATRÁS/ A CORAGEM DE IR


Paris, como Londres, Berlim, Bruxelas, Amsterdam e outras cidades podem-se escutar várias linguas pelas ruas, pelos transportes públicos, nos serviços, nos bares . As diásporas são mais que muitas. Quando em comunidade uma grande maioria fala entre si a sua própria lingua. Os portugueses não! Falo daqueles com quem me cruzei principalmente em Paris. No entanto dava logo para ver que eram tugas. O modo de falar, de olhar, de se movimentarem. E vamos combinar! O seu francês falado muitas vezes ficava aquém do português que falavam e não muito além das possibilidades de estudar mais. É mesmo assim! Refiro-me à primeira geração, principalmente. Eram pessoas que vinham "com uma mão à frente outra atrás dum Portugal rural, ditatorial, com mais de 90% de analfabetismo, onde o peso da igreja era tão pesado que é heroico pensar como as pessoas ainda conseguiam respirar e até mesmo procriar! Sim! Porque tudo mas tudo era um "Ai Jesus que lá vou eu!"
Os emigrantes, mais as suas "maisons" de veraneo na Santa Terrinha com telhados para a neve onde o único lugar habitado era a "garage" para os comes e bebes da famelga toda. Mais os seus "marriages" e os seus carros ostensivos e o seu francês muito duvidoso eram mutivo de chacota entre nós, meninos da cidade mesmo vivendo na ruralidade dos arredores da capital em descaracterização galopante, devido às construções frenéticas de casas e fábrica. Riamo-nos à fartazana do novo riquismo pato brávico dos emigrantes que em Agosto espavoneavam-se pelas aldeias e festas dos Santos padroeiros achando que eram os mais, os maiores, os finos, os vencedores num país que fasquiavam segundo as suas referências. E nós pessoal da pesada (meninos da mamã emancipada, com um Che Guevara de olhar sonhador e decidido por cima da mesa da sala da casa da tia), nascidos pouquissimo tempo antes da revolução dos cravos que daria fim a uma longa ditadura fascista de 48 anos. De educação mais ateia que outra coisa, embora entre os mais velhos existe a solenidade das missas quando alguém se finda. Nada contra. Quem sou eu? Porém, no meu ponto de vista, com todo o respeito pelas escolhas, penso que já é tempo de darmos um grandessissimo fora no Vaticano!
Enfim, nós sempre nos riamos do "emigrranthe" que ostentava e ostentava o seu gosto importado e apropriado à sua maneira.
Hoje penso neles e nutro cada vez mais respeito. Caramba! É preciso muita, mas muita coragem para emigrar principalmente para um país com outra língua, outros hábitos cujas qualificações são baixas. Mas a realidade era só uma: viviam numa pobreza extrema e não tinham trabalho. Em suma, iam fazer o que os outros não querem e ainda eram vistos com desdém e escárnio. Merecem respeito embora não me identifique com a sua maneira de estar e ver o mundo, mas merecem respeito. E hoje quase concluo que a sua opção de falar em francês mesmo com pontapés na gramática é uma forma de dignidade e de combater o ostracismo de serem vistos como a tal da "raça exótica" religiosa e semi- anafalbeta, em muitos casos.
Independentemente de nos identificarmos ou não com determinada turma esta merece respeito, principalmente quando é trabalhadora.
Ana Piu
Brasil, 19.02.2015
IMAGEM 1: Uns de comboio/ trem outros a pé. Muitos sem documentos, pois o senhor Salazar não concedia passaportes. Os que iam a pé, desde Portugal, passando por Espanha até chegar em França corriam o risco de não chegar. Para todos os efeitos a guardia civil espanhola era conivente com o Salazarismo, não fora esta franquista.

IMAGEM 2: Crianças nos anos 60 a viver no bidonville/ bairro da lata/ favela nos arredores de Paris.

IMAGEM 3: 

Estação de Santa Apolónia, Lisboa. Uns partiam ou fugiam para França, outros que não fugiam partiam de navio para a guerra colonial, que durou entre 1962 e 1974.

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