segunda-feira, 12 de novembro de 2012

ALTERNATIVO GOURMET


 Subúrbio de Lisboa 83/84- A minha mãe passou a ser macrobiótica por questões de saúde. Leva a dieta à risca. Cozinha depois de vir do trabalho. Cozer arroz integral demora uma eternidade. Bebe sumo de couve, de beterraba, de alface. É preciso muita dedicação para ser macrobiótico, penso.
Paris lá por 96 ou 97- Paris é lindo! É chique! Tem glamour! Os cafés Parisienses! Respira-se arte na rua! Postais, postalitos de Picasso, Chagall, Lautrec, etc. C’est beau Paris. Caramba que fome! Bem que me apetecia comer um crepe! Mexilhões com pommes frites nem pensar!! Custam os olhos da cara! Deixa ver se tenho dinheiro para um crepe! Bom, o mais barato é de canela com açucar, mas continua a ser caro. Bon, mais bom! Esqueçe lá isso! Tou com uma fomeee! Ora o mais  baratito não é mais nem menos que um macbosta! Uau! Concentra-te! Fixa o olhar no infinto! Tás com fome.  Tás no centro(existe um  só centro em Paris?) e não existem supermercados para comprar uma peça de fruta e um pão. E naquelas lojinhas de conveniência continua a ser mais caro que um mac bosta.

Berlim 94- Chiça! A fruta parece um batalhão de soldadinhos de chumbo. Igual. Do mesmo tamanho. Bonita por fora e sensaborona por dentro.

Lisboa 99- Um mês a viajar no Matogrosso e já não posso ver carne à frente. O estômago até se espiraliza! Caramba! Tantas plantações de soja! Um monte de queimadas para fazer estas plantações! E onde estão as pessoas que viviam neste território antes das plantações? E o pessoal que come soja em alternativa à carne o que diria ou pensaria de tal impacto ambiental e humano?
Um mês a fazer teatro no Matogrosso?! Mas lá tem teatro? Isso é lugar para fazer teatro?

Lisboa 2000- “Vais ter o teu bebé no Matogrosso?! Que loucura!”  “ Há milhares e milhares de anos que nascem e morrem pessoas em todas as partes do planeta. Hoje nasce-se e morre-se tanto em clinicas privadas como em hospitais públicos.”, respondo.
Bem que gostava de fazer um parto natural, daqueles no meio da água, mas o bolso tá furado. Vai ter de ser no tal do hospital. Não dá para parir de cócoras. Não dá jeito à equipa hospitalar. Azar. Paciência. O corpo pede. Mas o bolso tá furado.

Serra da Lousã 2002- O bolso continua furado. Mas arranja-se sempre maneira . Toma lá copo de leite, ó miudinha! Utla! Levo com um olhar reprovador duma vegan! Leite de vaca! Oooops!
Lisboa 2005- Depois de dar à luz, num hospital público tratada a pontapé pela equipa mas com ótimas instalações, um familiar traz uma caixinha de morangos biológicos. Uau! Muita bons!! Pequenos e doces! Devem ter sido caros! Mas valem a pena provar.
Copenhaga 2010- Leite de arroz. Muitaaaaa bom!!! Frutos secos! Maravilha! Ai se eu pudesse comer e beber assim todos os dias!...
 Lisboa 2005/ 2011- Tem um monte de supermercados chineses e indianos no meu bairro. Dá para comer algas, tofu, mizo a preços baixos. Mas de onde surgem esses produtos para serem tão baratos?
Brasil 2012- Gostava de ter as minhas filhas numa escola com uma pedagogia libertária, mas o bolso continua furado. Quero acreditar que o Estado de São Paulo está a investir no ensino público. Pelo menos a tentar.
Penso em fazer uma horta no meu quintal. Ainda não fiz... Mas o que planto cá no fundo de mim é que as nossas escolhas “só” a nós nos dizem respeito. Julgar os outros por não seguirem o que nós achamos bem é cair naquilo que criticamos. Escolher em função do que desejo, quero e posso. Principalmente poder. Bem gostava que os transportes públicos funcionassem realmente e que não saisse mais barato, em algumas situações, andar de carro. Bem gostava de ser mais alternativa, mas por vezes sai caro. Das duas uma, ou mudamos radicalmente a nossa vida e vamos para uma comunidade no meio do campo. E o que implica viver numa comunidade? Ter uma linguagem comum assente na tolerância ou seguir cegamente dogmas? E depois  dar de caras nessas mesmas comunidades com pessoas a comer carne às escondidas dos outros.
Parece até uma brincadeira de crianças mimadas.Como um conhecido falou:” Quanto mais olho para a minha carteira, mas percebo que não posso agora ser alternativo. Não tenho alternativa para ser alternativo....!” Consumo consciente sim. Sustentabilidade também. Paroquismo... Bilhaqueeeee E depois tem um pequeno detalhe: de que lugar falamos quando falamos? De que lugar escolhemos quando podemos escolher?
Talvez numa outra vida tenha sido queimada na fogueira e tenham feito de mim um churrasco. Mas eu até acho que a minha carne é muito dura de roer e pode causar indigestão.

A piU
Br, 12 de Novembro 2012

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