quinta-feira, 4 de novembro de 2021

HONRANDO AS MINHAS RAÍZES - VI


 Hoje, se fosse viva, esta minha avó faria 99 anos. Muita coisa, pois não é? Mas ela já queria partir, pois segundo ela já não andava a fazer cá nada. Partiu numa sexta de Carnaval de 2014, numa mesma época que eu fui chamada de baderneira ( eheheh na época eu não conhecia esse termo, mas logo perguntei ao mister google) por alguém que nem me conhecia pessoalmente, e com essa abordagem talvez precise de se auto conhece com mais profundidade, como todes nós. O conhecimento quando só nos livros e na verborreia é chão infértil. E todes nós temos os nossos traumas de infância, mas isso não legitima a normose, o destratar um outro ser vivo como normal, no caso uma mulher. Não será mais fácil amarmos os animais do que nos relacionarmos com e como seres humanos com base no amor e não na ofensa e dor?

Tu vens da terra do latifúndiuo, nasceste no mesmo ano e mês do escritor José Saramago, só que tu no Alentejo e ele no Ribatejo. Tu querias ser professora primária e gostavas muito de ler, mas nunca saíste da função de servir entre panelas e panos de limpeza. Ma aqui estou eu para realizar o que tu não pudeste realizar. O Saramago aos 53 anos começou a dedicar-se somente à escrita contando a história do teu povo, de ti, das tuas raízes de camponeses explorados pelos latifundiários. " Nasci no Vale de Santiago, concelho de Odemira, distrito de Beja em 4 de Novembro de 1922", dizias tu. Sabes o que aconteceu no Vale em 18 de novembro de  1918?  Houve uma greve geral dos assalariados rurais, em 1917 António Gonçalves Correia funda no Vale uma comuna anarquista " Comuna da Luz".  " Ai mulher! Do que tu te foste lembrar!" Sim, eu disso consigo me lembrar até um certo ponto, mas não consigo continuar a ler " Levantado do Chão"  do Saramago. Doi muito conhecer de onde tu vens, a tua condição antes de migrares para o subúrbio de Lisboa.

Tu partiste eu já estava no Brasil. Preferi assim. Não te ver partir. Mas continuo aqui para contar a nossa história com dignidade. Hoje, num curso de roteiro para cinema, do SESC Bahia, perguntaram a minha nacionalidade. Acho que devo dizer portuguesa e não alentejana. Fez-se um breve silêncio. Da próxima sorrirei com doçura como quem passa água oxigenada numa ferida coletiva, com inúmeras bactérias de equivocos e canalizações para pessoas igualmente exploradas, desconsideradas e silenciadas. Agora já estou avisada. Só não me venham é com balelas do Alentejo e de Portugal, entre o deslumbramento e o desprezo, sabes que eu sou como a minha mãe... Em chegando a mostarda ao nariz o músculo cardiaco fica azamboado com a veia do pescoço a saltitar. Fora de brincadeiras! A meditação tem ajudado! Mas não nos pisem é os calos muita vez. É só isso. De resto, torçamos pelo sucesso uns dos outres com sinceridade e honstidade. Como tu passaste para mim, esses valores.

Aqui está a querida Luisinha, filha duma amiga da Polónia com um angolano. Ela chamava-te de avó. Tão bonito. Ficava lá em casa para que essa amiga pudesse fazer o mestrado em Antropologia à noite depois do trabalho. De vez em quando tu ias lá e ela considerava-te avó. A Luisinha deve estar muito grande e espero que não tenha que passar pela situação de afirmar a sua cor e raça sistemáticamente como aqui no Brasil. Ela é a Luisinha, como tu és tu, eu sou eu com as nossas raízes muito antigas nos mouros, celtas, judeus e muitos outros tantos.

Honrar as nossas raízes é sabermos que somos uma mistura de povos muito, mas muito antiga e o que nos une é o coração, a escuta e o entendimento.

A Piu

Br, 04/11/2021

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