segunda-feira, 13 de maio de 2013

UM SUSPIRO CHAMADO ROSA



Primeiro foi vizinho de uma turma de biscoitos. Eram porreiros. Garotada fina. Sempre à brinca. Mas como finos biscoitos que eram logo foram numa tarde de chá das cinco. Depois veio a turma dos caramelos. Esses tinham a mania que eram espertos. Caramelos. Sempre no bate boca. "Oh suspiro! Pensas que és doce, mas ninguém te pega! Nós, sim! Quando vai um marcham logo dois ou três!" O suspiro quase teve vontade de fazer aquele choro onamatopaico:"Buá! Buá!" Mas como era um suspiro não podia chorar. Limitou-se ao "Glup". Depois ficou sózinho, destituido da sua turma que foi levado por uma menina no seu dia de aniversário a contra gosto da mãe que lhe dizia que aquilo além de fazer sede, faz mal aos dentes e ao estômago. E o pobre suspiro rosa continuava na montra à espera que alguém o levasse, mas ele estava destinado a ser o bibelô da montra. E depois já fazia muito tempo que era conhecido pelo bairro inteiro e deste modo ninguém o queria levar porque estava velho.

O homem de óculos redondos, chapéu de feltro e de tez germânica gostava de se vestir à Pessoa quando visitava aquela cidade de rio largo e ruas estreitas. Já lera tudo de todos. Desde Pessoa a Sá Carneiro. Agora virara-se para Lorca. Lia o pequenito livro "Rosinha, a solteirona". Naquele dia fazia um calor insuportável. Era Agosto e muita gente estava de férias. O homem fantasiado de Pessoa nem reparou no pequeno suspiro na montra. Pediu um galão (café e leite) e um pires de caracois. Como se esquecera do guia da Michelin no hotel não averiguou que aquela combinação não era very typical nem para os nativos nem para o estômago. Enquanto o elétrico (bonde) fazia curva num chiar ensurdecedor, o intestino roncou, o gato em cima do balcão ronronou,foi e o suspirou foi derretendo aos poucos muito aos poucos. O homem saiu porta fora. O suspiro rosa ainda tentou dar o seu último suspiro antes que o homem fosse de vez. O homem muito compenetrado na sua performance de turista cultural nem se virou, seguindo para uma antiga tabacaria que lera nessa manhã no guia. O suspiro derreteu de vez. O gato que há muito esperava essa ocasião, languidamente saltou do balcão aquecido por aquela tarde quente de Verão e abeirou-se do suspiro derretido. Uma lambidela, duas, três. Tudo num tempo infinito, saboreando cada momento que há tanto esperava. Depois... Depois? Depois não conto. Imaginar é mais divertido.

a piu
Br. 11. 05.2013

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