quarta-feira, 22 de maio de 2013

UM DIA


Um dia não mais sentiria o sufoco da sobrevivência. Não mais sentiria aquele aperto que a precariedade imprimia na respiração. Enquanto soletrava baixinho tais pensamentos vividos a noite estrelada e calma sem luzes da cidade ofereciam o belo espetáculo de estrelas cadentes, que de quando em vez rasgavam traquinamente o céu. A época era de fruta madura caída no chão. Várias mangas criavam uma doce lama em torno de outras árvores. Deitada no morno chão, enraizava-se até ao centro da terra e os pensamentos sentidos do centro do seu peito emergiam. "Um dia não mais viverei no sufoco da precariedade, da sobrevivência." Enquanto pensamentos e estrelas rasgavam a noite calma e escura sorriu mansamente, enquanto o manga madura perfumava as suas mãos, a sua alma. Sorria e pensava:"Mas tenho o privilégio de fazer sempre o que gostei e viver disso, mesmo que sobrevivendo."

As mangas estavam maduras.Não precisavam de serem trincadas, apenas saboreadas aos poucos, sem pressas. Num tempo de uma estrela se manter no céu, guardiã de desejos e quereres. No tempo de uma estrela que mais tarde, muito mais tarde se torna cadente. Porque nada é estático e num movimento perpétuo se transforma algo que é outra coisa e a mesma. Num movimento de odores e sabores que atravessam os tempos imensuráveis. Há quem chame viver. Há quem chame amor. Viver com amor? Viver com amor enfrentando odores, sabores, dissabores e novamente sabores, Amaciando os pensamentos vividos e sentidos com uma leve e profunda respiração repetiu: "Um dia, mesmo continuando o caminho dos meus quereres, não viverei mais no sufoco da sobrevivência, da precariedade," O céu tão estrelado que estava e o calor saindo do centro da terra fê-la  não se sentir só.

a piu
br, 23 de Maio de 2013

imagem: "Noite estrelada", Van Gogh

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